Dá pra ser romântica sem ser iludida? Tem solução para um coração de pedra?
Sempre fui uma romântica inveterada. Dessas que desde pequenininha cresceu misturando no mingau de farinha láctea boas doses de fantasia e idealização vindas dos contos de fadas e das comédias românticas. E confesso que, em épocas de dietas de poucas calorias e pouco afeto, achava quase subversivo poder me alimentar de sonhos de amores permeados por pequenos gestos de carinho, delicadezas, conversas profundas e aquele calorzinho no coração que pinta quando a gente se sente em casa deitada no colo do outro.
Mas a verdade é que nos últimos tempos tenho passado fome de afeto e quebrado bastante a cara com um acúmulo de falta de cuidado, gentileza e presença. Parece que tá todo mundo defendido demais, com pressa demais e traumas demais pra se abrir.
Sou romântica mas não sou trouxa e cansei de ser a fofa em meio à solteiros blasés. Há alguns anos já combinei comigo mesma que reciprocidade é a base de todas as minhas relações, mas como as pessoas têm dado cada vez menos, têm rolado uma seca de encantamentos na minha vida. Aprendi a atrofiar a idealização e confesso que provavelmente também já fui babaca e pouco cuidadosa com os outros (porque não dá pra achar que só os crushes são lixo e a gente não né?). Mas a verdade é que não queria abrir mão do tal mingau das singelezas que tanto me nutria. Não tô pronta pra essa restrição no meu cardápio sentimental.
Tenho entrado na pira: dá pra ser romântica sem ser iludida? Existe um romantismo real e possível ou os únicos ingredientes do tal mingau emocional são a idealização e a fantasia? Fui tentar entender como a gente constrói esse romantismo dentro da gente; por que a gente acha que na vida adulta ele minguou e foi substituído pelo coração de pedra e como atualizar este software emocional. Preparem-se vamos ter que encarar alguns lutos.
O apego ao coração que aprendeu a amar em 1984
Entrevistamos o psicanalista Daniel Omar Perez para o Youtube do Soltos s.a. e ele falou que uma das grandes dificuldades de viver o luto das relações é que temos que lidar com o luto de uma parte de nós mesmos que morre com esses términos. Na hora me caiu essa ficha: talvez minha grande dificuldade não esteja sendo lidar com o fim do romantismo e sim com a morte da Carolina ingênua e sonhadora menina-adolescente
Eu fui uma adolescente de grandes paixões e vivi meus primeiros amores cultivando contextos mágicos: meu primeiro beijo foi aos 14 (uma das últimas da turma) num coqueiral na Bahia sob a lua cheia com um argentino fofo de mullets e olhar doce. Fiquei trocando carta com ele por meses (não tinha email nessa época, Brasil). Meu primeiro namorado me pediu em namoro debaixo da Torre Eiffel me girando nos braços durante um intercâmbio. Perdi a virgindade com um outro namorado que entendia a importância que os símbolos e rituais tinham pra mim e preparou o quarto com velas, pétalas e minha música preferida no repeat. Eu sempre fui dessas que lembrava de coisas que o cara falou durante o primeiro encontro e transformava em bilhetinhos fofos e presentinhos surpresa. Sempre quis que as coisas fossem especiais e significativas. E acho que meu romantismo se cristalizou nesse lugar, como um romantismo de menina, ou de adolescente.
Coração de pedra é evolução Darwiniana?
Parece que a Carolina adulta, para sobreviver `à solteirice mundo cão, se tornou a tal solteira cética. Hoje espero pouco dos outros pra não me frustrar e quase não me entrego. Digo que quero encontros amorosos significativos mas tenho priorizado meu trabalho, minha yoga e meu Netflix, que me trazem mais alegrias e menos riscos. A tal Carolina dos bilhetinhos e da lua cheia não tem aparecido muito por aqui. Eu, que amava tanto os momentos especiais, começo a perceber que já não estou tão disposta e aberta a eles. Será que esse atrofiamento da minha fofura é um efeito colateral do crescimento? Surgem rugas, cabelos brancos e vão se embora os suspiros de amor idealizado?
Essa é uma luta interna maldita, porque enquanto a tal Carolina adulta tá sentada na casa do designer hipster tomando um gin tônica e pensando: "sei lá, ele é ótimo...mas mais uma vez não bateu", a Carolina adolescente tá gritando frustrada dentro de mim. Por que ela ainda espera um amor arrebatador. Ela ainda quer acreditar nos outros, acreditar que é possível, acreditar que dá pra construir uma vontade de "pra sempre" (mesmo sabendo que o pra sempre sempre acaba. como diria Renato Russo) mas parece que já não sabe mais como fazer isso.
A cada date que eu vou e que não bate em mim daquela forma mágica e especial do tal coqueiral da Bahia, mais me sinto frustrada e perdida. Reclamo que os crushes estão fechados mas vou percebendo que também estou e não sei o que fazer para destravar essa defesa e me entregar a paixões de novo.
Update do software romântico
Depois de muita análise e muitas conversas com o André - meu amigo mais do que amado e sócio aqui no Soltos s.a. - percebo que talvez a questão não seja a falta de afeto dos tempos modernos ou meu coração atrofiado, e sim a vontade de vivenciar os amores como a tal adolescente do coqueiral. Querer viver o romance como a menina dos anos 90 é também uma forma de escapismo porque, afinal das contas, aquela menina viveu muito mais histórias platônicas e projetadas do que reais. Me apegar às cenas de filme me impede de lidar com o real e vai sempre me levar à uma comparação injusta.
Achava que o update no software daquela Carolina romântica ingênua tinha sido rumo a essa versão solteira cética mas começo a me dar conta que é possível fazer um update rumo a um romantismo adulto. Como disse Daniel Omar Perez, preciso viver o luto da tal menina. Mas não o luto do romance ou do amor. Esses seguem comigo só preciso parar de querer comparar ele com o romance do passado.
Acho que pro romantismo da Carolina adulta vou mesclar doses de sensatez com pitadas de ingenuidade. Talvez volte à quebrar a cara, mas to doida pra me abrir de novo e descobrir que existem encontros mágicos, possíveis e reais mesmo longe dos coqueirais baianos.
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