Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Estamos com preguiça de nos dedicar na construção de vínculos verdadeiros?
Na quarentena, mais que nunca, os soltos e soltas estão sentindo o efeito da solidão. Muita gente está há meses sem um abraço sequer, se comunicando apenas através das telas. E nessas horas duras, eu descobri que várias pessoas que eu considerava amigos, na verdade eram apenas colegas.
É duro perceber que apesar das dezenas ou centenas de amigos nas redes dá pra contar nos dedos os amigos com quem você de fato pode contar na hora do aperto. E comecei a me perguntar se de fato eu estava nutrindo e mantendo vínculos verdadeiros ou só colecionando conhecidos e colegas.
Somos todos porcos-espinhos?
Recentemente entrevistamos Leandro Karnal no canal sobre o "Dilema do Porco-Espinho", seu último livro. Ele partiu de uma metáfora criada por Schopenhauer de que somos como porcos-espinhos no inverno: se nos afastamos um dos outros, sentimos frio mas se nos aproximamos demais, sentimos os espinhos uns dos outros. Karnal vai além dessa ideia e propõe que as redes sociais e o WhatsApp têm essa mesma função:
"As redes sociais me permitem ter uma distância exata das pessoas: não próximo o suficiente para que elas me incomodem, mas me oferecem alguma companhia. Eu praticamente não sinto nenhum espinho, no entanto eu também não vou sentir um calor verdadeiro."
E aí, alguém se identifica?
Colegas de solteirice
Comecei a pensar sobre as pessoas com quem eu convivia e falava antes da quarentena. Já estou com meus 36 anos, então muitos amigos já se casaram e alguns estão com filhos. Aí os papos e os programas dão aquela mudada básica, né? E como eu continuo solteiro, tive que procurar novas turmas para me acompanhar na vida solta.
Conheci pessoas incríveis e muito divertidas, mas no fundo, grande parte das pessoas com quem eu andava e saía eram só colegas. Diferente de uma amizade, em que você encontra seus amigos pra literalmente fazer nada juntos; os colegas são aquelas pessoas que você encontra pra sair pra jantar e beber, pra uma festa ou pra uma viagem. No coleguismo tem sempre um objetivo para o encontro e parece que a gente está sempre tentando impressionar essas pessoas com coisas muito divertidas e descoladas.
E quando a pandemia chegou e acabou com todos os programas, o que eu entendi? Que esses vínculos não eram fortes o suficiente para existirem no tédio pandêmico.
Intimidade tem seu custo de manutenção
Como todo mundo, tive meus altos e baixos quarentena. (Mais baixos que altos, pra falar a verdade). E nessas horas eu pude contar com amigos que não via há anos. Gente com quem eu não falo sempre, mas que foram amizades construídas antes das redes sociais - com muitas horas de olho no olho e muitos silêncios compartilhados.
Sinto que de uns anos para cá, criou-se um imperativo de que a vida tinha que ser sempre muito incrível, tão linda quanto nosso feed de Instagram. E olhando para trás, os momentos de mais intimidade com esses amigos de longa data foram momentos ou nada instagramáveis (tipo vendo sessão da tarde comendo brigadeiro no sofá) ou momentos difíceis como quando minha irmã sofreu um acidente e ficou 6 meses internada.
Nessas horas tão simples e humanas, os vínculos foram sendo sedimentados com muito afeto e parceria. E quando eu fui analisar as relações com os colegas soltos com quem eu convivia antes da pandemia, elas tinham sido construídas com base em muitas horas dançando ou em expedições rumo a um destino de solteiros. Com certeza foram momentos divertidos, mas os vínculos verdadeiros não são feitos só de luzes piscando e sorrisos ao pôr do sol.
Eu tinha construído minha casa na areia, mas decidi que vou fazer diferente esse ano.
Faça a Bela Gil afetiva, substitua colegas por amigos
Pelo visto teremos mais alguns longos meses de pandemia, graças à incapacidade do governo de implementar a vacinação em massa. E pra sobreviver ao inverno que já chegará, pensei em um plano pra fortalecer os vínculos com os colegas e, quem sabe, ganhar novos amigos. Vou trabalhar ativamente (separar tempo na agenda mesmo) pra ver, conversar e encontrar, mesmo que virtualmente, com as pessoas que conheci e com quem mais me identifico.
Pegar o telefone e ficar de papo pro ar ou mesmo um jantar em casa, assim que a situação pandêmica melhorar. Investir meu tempo no fortalecimento desses afetos e construir novas bases de apoio emocional.
Afinal de contas, visto a minha experiência e tudo que escutei no soltos nos últimos anos, se queremos nos sentir menos solitários e carentes, é muito mais seguro a gente dedicar tempo e energia na construção de amizades do que buscando um mozão. Não é mesmo?
A pandemia me trouxe esse ensinamento: nas relações humanas, menos é mais.
Menos festa e mais momentos de intimidade.
Menos paquera sem futuro e mais amigos pra todas as horas.
Menos vínculos, porém mais fortes.
E você, tem feito a manutenção dos seus vínculos?
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