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Tatiana Vasconcellos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Se você é homem e está disposto a conversar sobre machismo, leia este texto

Sergio Moro ao lado do então aliado Arthur do Val, que foi expulso do Podemos após vazamento de áudios machistas - Reprodução
Sergio Moro ao lado do então aliado Arthur do Val, que foi expulso do Podemos após vazamento de áudios machistas Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

11/03/2022 04h00

Não sei mais como abordar o assunto de modo a trazer os homens para essa conversa. Por outro lado, também sei que a comunicação só se dá quando o receptor está disponível para receber a mensagem. Então, esse é o ponto de partida desta coluna: você está disposto?

Verdadeiramente disposto. Significa: a fim de ouvir, entender, reconhecer em si a reprodução de atitudes machistas e comprometido a mudar seu padrão de comportamento. Não é pouca coisa, hein? Sei, esse padrão também esteve e está em mim, em nós, mulheres. Portanto, é desse ponto que precisamos partir quando a gente fala em acabar com a desigualdade de gênero: o reconhecimento da existência e do funcionamento dele em nós. Bora? Eu e você nessa conversa incômoda? (um beijo para a Jade!)

Já falamos muito sobre o escândalo machista da vez, mas, nesse assunto, a repetição é importante e ajuda na compreensão. A machistada é o áudio vazado do, por enquanto, deputado estadual Arthur do Val (sem partido), que para nossa sorte desistiu de disputar a eleição para o governo de São Paulo (a autoconfiança é invejável) e deixou o Podemos antes de ser chutado por até ontem aliados, como o presidenciável, ex-juiz e ex-ministro bolsonarista Sérgio Moro (Podemos).

É provável que você reaja dizendo algo como "mas eu não sou igual a esse (insira aqui o seu insulto preferido)". Ou então com "imagina, comparar fila de refugiadas ucranianas à fila de balada, dizer que mulher é fácil porque é pobre, em um país em guerra, isso é (insira aqui o seu adjetivo condenatório favorito)". Antes de fazer isso, me escute.

A fala do, tomara, futuro ex-deputado, é realmente repugnante. Mas a lógica de pensamento que desemboca nessa fala é comum aos homens na nossa cultura. Antes de gritar "não generalize", eu te digo que a generalização é verdadeira e necessária nesse caso.

É só você olhar para o seu grupo de WhatsApp do futebol, por exemplo. Da faculdade. Dos caras do escritório, da agência, do trabalho. Todos eles são bem parecidos e funcionam na mesma engrenagem que foi construída sobre as mesmas bases culturais. E uma delas é a objetificação e a desumanização da mulher. Ou você nunca recebeu um vídeo ou foto assim nesses grupos?

São espaços em que os caras se sentem muito à vontade para expressar o que pensam e o que acham que os outros esperam deles: um comportamento másculo. Quando esse tipo de comportamento é percebido e criticado, é justificado com aquele já desgastado "foi uma molecagem, ele é imaturo, mesmo". Truco! Não é imaturidade. Isso tem nome. Se chama machismo.

É um comportamento padrão sendo reproduzido, às vezes de forma inconsciente, mas muitas vezes com consciência. No caso de Arthur do Val, tão consciente que ele acha mais grave roubar dinheiro público do que olhar para mulheres vulnerabilizadas por uma guerra como pedaços de carne para sua satisfação sexual.

Em "Tudo Sobre o Amor", a escritora estadunidense bell hooks diz que muitos homens dessa geração inserida na revolução cultural feminista ficaram contentes quando as pensadoras disseram que eles não precisavam ser machões e nem reproduzir comportamentos que reafirmassem suas masculinidades. Alívio, né?

"Entretanto, a única alternativa para não se tornar um macho convencional era não se tornar homem de jeito algum, permanecendo um menino. Ao escolherem continuar meninos, não precisavam sofrer a dor de romper os laços apertados demais com mães que os sufocaram com cuidados incondicionais", escreve hooks.

A tão propagada imaturidade é um dos refúgios do machismo. Mas, ao mesmo tempo, é o lugar quentinho em que alguns homens preferem estar justamente para não ter de confrontá-lo.

A escritora enfatiza a quantidade de homens que foram criados em lares de pais ausentes nos Estados Unidos (mas cabe bem pra gente aqui no Brasil). Conta que ficou contente quando encontrou um companheiro que "não pretendia ser patriarca", mas "o preço que paguei por querer que ele se tornasse adulto foi ele abandonar suas brincadeiras de menino e se tornar o machão com quem eu nunca quis estar".

Nesse raciocínio, amadurecer e tomar consciência de si é entendido como "se render aos padrões machistas de comportamento". Dá pra parar de apelar pro argumento da imaturidade, matar o machismo no peito e se comprometer a combater essa cultura no dia a dia com os seus pares. Quantas piadas escrotas você já ouviu ou leu de algum parça e, ainda que tenha reconhecido a escrotidão, preferiu sorrir amarelo e se calar?

Qual o custo de se indispor com o camarada apontando que aquilo não é legal? Sabemos que homens recebem muito pouco apoio quando se opõem ao sistema patriarcal. Difícil, né? E é mesmo. Como diz o Coldplay, "nobody said it was easy" ("ninguém falou que seria fácil").

Para transformar essa cultura, nós, mulheres, precisamos de vocês. Precisamos que vocês despertem e ajudem a despertar outros homens para a libertação do padrão de comportamento machista que também faz mal a vocês.

Você se reconhece nessa conversa? Reconhece algum amigo nesse papo? Se você chegou até aqui, primeiramente obrigada. Segundamente, deixo aqui a sugestão de alguns perfis do Instagram feitos por homens que abordam a necessidade de transformação das masculinidades:


Para assistir: documentário "The mask you live in", de Jennifer Siebel Newsom, na Netflix. Ou "o machismo faz mal aos homens a ponto de levá-los a tirar a própria vida, liberte-se."
Para assistir: a ficção francesa "Não Sou um Homem Fácil", de Éléonore Pourriat. Ou "é rindo que se diz verdades, coloque-se no meu lugar."
Para ouvir: "Garotos", Kid Abelha. Ou "a imaturidade é o refúgio do machismo".
Para ler: "Tudo Sobre o Amor", bell hooks, editora Elefante, para reaprender a amar.