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Tatiana Vasconcellos

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

'Bronca pra jovem tirar título de eleitor não ajuda', diz ativista política

Helena Branco, cofundadora da campanha #seuvotoimporta, que pretende despertar o interesse dos jovens para as eleições - Arquivo pessoal
Helena Branco, cofundadora da campanha #seuvotoimporta, que pretende despertar o interesse dos jovens para as eleições Imagem: Arquivo pessoal

Colunista do UOL

08/04/2022 04h00

Fui uma adolescente que teve aulas de OSPB (Organização Social e Política Brasileira), um resquício da ditadura militar que obrigou a inclusão da disciplina no currículo escolar, para dar um verniz de normalidade e passar aquele pano para os crimes e os horrores do regime. Estudava numa escola particular de classe média em São Paulo, e tive um professor ótimo que, hoje, conversando com ex-colegas de escola, temos certeza, era subversivo. Até onde nos lembramos, ele não aliviava para a ditadura, não.

Foram aquelas aulas que me deram noção de política. Toda vez que abro as redes sociais e leio o analfabetismo político escancarado e orgulhoso, me lembro delas e me pergunto por que não temos aulas sobre o tema nas grades de todas as escolas. Por que não se ensina a diferença entre os sistemas políticos, regimes de governo, república, monarquia, anarquia, ditadura, totalitarismo, autocracia, democracia, teocracia, oligarquia. O que são partidos políticos, como eles se organizam, o que são coligações e, agora, federações, Como funciona o sistema proporcional e o majoritário, o que é quociente eleitoral. A divisão entre os poderes, a função de cada um, o papel da imprensa e da comunicação.

Foi aprendendo como as coisas funcionavam que passei a me interessar por política aos 13, 14 anos. Foi na adolescência que aprendi que o voto é mais um instrumento de funcionamento da democracia, não o único —e não deveria ser entendido assim pela sociedade. Acontece que fui adolescente nos anos 1990, antes da revolução tecnológica, o que significa que estava exposta a muito menos estímulos a fim de capturar minha atenção. Mas, e hoje? Por que dedicar atenção e tempo à política?

Será que é suficiente dizer para uma garota que daqui a um mês vence o prazo para tirar o título de eleitor? "Vamos votar para derrotar o fascismo" é uma frase que vai fazer o moleque se mexer? Eles sabem o que é fascismo e por que deve ser condenado e combatido? Que diferença isso faz no dia a dia deles? Fui conversar com Helena Branco, 19, representante da Girl Up, um movimento global criado pela Fundação ONU que conecta e incentiva meninas a serem líderes pela igualdade de gênero. Helena estuda relações internacionais e políticas públicas na UFABC (Universidade Federal do ABC) e é cofundadora do #seuvotoimporta, campanha que pretende despertar o interesse dos jovens para as eleições. Abre o peito, respira fundo e vem.

Como você se interessou por política?
Estudei até o sétimo ano em escolas públicas e nunca tive aula sobre política. Não fazia a mínima idéia do que era o Congresso Nacional, o que era a Câmara, o que era o Senado até pouco tempo, quando entrei para o Girl UP, em 2018. Fui estudar por conta própria. Comecei o movimento #LivreParaMenstruar, para incluir absorvente como item essencial na cesta básica, haver educação menstrual nas escolas. Com o grupo, comecei a trabalhar na elaboração de políticas públicas, de projetos de lei municipais relativos à dignidade menstrual. Em novembro, fui ao Congresso conversar com parlamentares sobre o assunto. Em dezembro, voltei para uma audiência pública a que fui chamada para falar. Nunca na vida achei que conheceria Brasília porque, afinal, "vou fazer o que lá?" Me apaixonei especialmente pelas mulheres que estavam naquele espaço tão hostil a elas.

Ativistas do movimento Girl Up no Congresso Nacional - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Ativistas do movimento Girl Up no Congresso Nacional
Imagem: Arquivo pessoal

O que tem achado da campanha entre artistas e personalidades para que jovens tirem o título de eleitor? É suficiente?
Falar sobre a facilidade de tirar o título, ressaltar que é online, que o jovem não vai ter de se deslocar nem ficar em grandes filas é um incentivo. Mas ajuda até certo ponto. O chamado, muitas vezes, tem vindo em tom de bronca. "Ei, jovem que quer ver o país mudar mas não está fazendo nada, levanta desse sofá e vai fazer alguma coisa". Não adianta vir com esse tom sem entender os nossos motivos para não tirar o título, para não votar, sem escutar um pouco o que essa juventude tem a dizer.

Sobrevivemos a uma pandemia, estudando, começando a trabalhar. Tem um peso em cima dessa juventude. Então, é preciso mudar essa narrativa de modo a construir autoestima política no jovem, porque muitas vezes ele não se vê representado. Se ele se importa com a emergência climática, dizer, por exemplo: "Olha, provavelmente tem alguém que encampa essa pauta na política institucional, vê se vale seu voto, estuda, vai procurar saber".

O que leva o jovem a querer se envolver com política?
Primeiro, indignação. Porém, ela sozinha não resolve nada. Precisa de apoio para sustentar e desenvolver essa indignação, aí tem uma fórmula importante para a participação do jovem. Precisa investir nessa indignação com apoio para desenvolvimento pessoal sobre o que é política. Também é importante humanizar, entender que as pessoas eleitas são pessoas. Quando vemos imagens do congresso na TV estão lá homens, mais velhos, brancos, parece muito distante de nós, mulheres e meninas. Não tem a nossa cara. Mas quando vemos jovens mulheres eleitas nas redes sociais ou mesmo quando a gente vai a Brasília e dá um abraço, conversa, é outra história.

Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), só 17% dos jovens de 16 e 17 anos têm título. O que explicaria isso?
A gente faz campanha pelo voto jovem a cada quatro anos e se assusta com os números. Mas como iria mudar se a gente só investe nisso a cada quatro anos, com a mesma narrativa e sem envolvê-los nesse processo? Estamos insistindo no erro. Precisamos eliminar a burocracia que afasta o jovem da política.

Universa publicou recentemente que o Brasil levará pelo menos 120 anos para ter paridade de gênero na política. Mas isso só vai acontecer se meninas se envolverem com o meio. É um desejo das jovens?
Muitas meninas do Girl Up, quando viram que fazer política pública e construir um projeto de lei com apoio era possível, passaram a se ver como mulheres eleitas daqui a alguns anos. Uma delas, a Rebeca Sousa, de Sergipe, quer se candidatar um dia, seguir carreira política, inclusive, ser presidente do Brasil. Quando fomos a Brasília, uma conversa com uma deputada nos marcou muito. Ela olhou para a gente e disse "Peço uma coisa a vocês: se imaginem nesse lugar. Nestes corredores, neste Congresso". É importante apoiar candidaturas femininas, mas se as meninas não veem na política um caminho possível, elas não vão querer se candidatar. Não é falta de interesse. É negado para nós o acesso, o direito à participação política. E só vamos conseguir acabar com esse vácuo quando as meninas virem um caminho possível e um espaço de atuação, não só de inspiração. Com mulheres no poder, as meninas voltam a sonhar.


Escuta atenta, apoio e validação é o que Helena reclama para a juventude criar autoestima e corpo político. Ouvir Helena me devolveu um pouco da fé na humanidade. Agora, não vejo a hora e espero, ansiosa, a chegada do dia de votar na Rebeca. Sobe o som do Gonzaguinha: "Eu acredito é na rapaziaaaaaada?"

Para ouvir: "E Vamos à Luta" - Gonzaguinha.