Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Não se deixe enganar por coach: você não é desesperada por estar solteira
Vagava pelo que restou do Instagram quando, como sempre, parei para ouvir a Carol Tilkian, do Canal Soltos, falar sobre amores possíveis. Discípula de bell hooks que somos (porque sei que ela é também), pesquei algumas referências e aprendizados possíveis a partir da obra dela sobre o amor. E um deles é: desconstruir e reconstruir a nossa forma de amar também é reformar as nossas relações, sem as idealizações que formaram nosso entendimento sobre o que é o amor e de que maneira devemos ser e nos portar ao praticá-lo.
Vale para todas as relações amorosas que estabelecemos na vida, mas, sobretudo, para relações "românticas". A nossa própria idealização, com metas inatingíveis de como devemos ser, parecer, de o que devemos falar, como se houvesse um objetivo de comportamento a ser alcançado. Metas imaginárias que inventamos do que o outro espera de nós. A idealização do outro, que deve ser à imagem e semelhança de um ser que esperamos que nos complete. Completar? Como bem pontuou Carol no vídeo, nossas faltas são muitas e é impossível que elas sejam todas preenchidas por uma única pessoa —quiçá por todas.
Não tenho provas, mas tenho convicção de que enquanto nós, mulheres, continuarmos vivendo essa idealização em que baseamos a nossa noção de amor vamos continuar vagando em busca de algo que jamais encontraremos. Se libertar da idealização do amor, enxergá-lo e principalmente praticá-lo de forma mais real e menos fantasiosa também nos liberta desse tipo de armadilha: homens que flertam com o masculinismo continuam ditando regras e normas de comportamento a mulheres que buscam o ideal do amor romântico. A quem esse ideal de comportamento serve? É pra ser gostosinho pra quem? Pra gente?
O que faz com que mulheres ouçam homens, mas não troquem com outras mulheres sobre o próprio comportamento?
Quando um sujeito desse diz que mulheres acima de 30 anos estão desesperadas, ele está reforçando a cultura machista vigente, que exalta a juventude em todos os seus aspectos, de que mulheres são "velhas" aos 30 anos e de que não há possibilidade de felicidade e de uma vida plena na "velhice" e numa "velhice" sem um par romântico, filhos e tudo aquilo que manda o figurino patriarcal e retrógrado.
A mulher que não se enquadra nesses parâmetros é imediatamente vista como inadequada. E ninguém gosta de ser vista como inadequada.
De acordo com a lógica dele, estão desesperadas. Para se enquadrarem em uma regra que criaram para nós. Velha aos 30 anos. 30 anos não é nem metade da vida, minha gente. Já acreditei nisso também. Quando fiz 30 anos comemorei com um almoço de domingo porque achei que estava velha demais para balada. Foi uma delícia, mas? Velha? Ora, tenha dó.
E assim continuaremos nos comportando de modo a agradar ideias masculinas de comportamento, alimentando a "cultura da novinha", não importa o quanto isso nos custe.
Tudo isso não te parece um grande convite à frustração?
Não depositar no outro a responsabilidade pela nossa "felicidade" —e tenho mil ressalvas a essa tal busca pela felicidade— já me parece um grande começo. É como aquele meme do cara que promete pra moça: "eu vou te fazer feliz" e ela responde: "eu já venho feliz de casa", porque não precisa de um ser humano que a complete para "ser feliz", apesar de querer ou gostar de formar um casal, um par.
A escritora Liana Ferraz resume isso genialmente: "Você quer ser a metade da minha laranja... amor, eu sou uma tangerina."
Para ler:
"Sede de Me Beber Inteira", Liana Ferraz, ed. Planeta.
"Tudo Sobre o Amor", bell hooks, ed. Elefante.
Para seguir:
Canal Amores Possíveis, de Carol Tilkian.
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