Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Por que os homens mentem?
Tenho me deparado com histórias assustadoras de mentiras contadas e vividas por homens em relações heterossexuais aparentemente estáveis e duradouras. Até que elas são descobertas porque, mais cedo ou mais tarde, elas são descobertas. Na mesma medida, encontro mulheres profundamente machucadas.
Mentir não é uma exclusividade deles, mulheres também podem mentir. E mentem. Afinal, todo mundo quer ser o máximo aos olhos dos outros. Nem que para isso seja necessário inventar, esconder, dissimular. Parecer algo que não é, não faz, não sente.
Mentira tem a ver com poder. E, para destrinchar essa afirmação, recorro mais uma vez à escritora estadunidense bell hooks, uma das mais importantes intelectuais feministas contemporâneas, que se debruçou sobre a maneira como somos ensinados a amar.
Em "Tudo Sobre o Amor" (ed. Elefante), ela dedica um capítulo inteiro à honestidade e nos convida a ser verdadeiros com o amor. "Homens aprendem a mentir como forma de obter poder, e mulheres não apenas fazem o mesmo como também mentem para fingir que não têm poder", ela diz.
Na sociedade em que vivemos, meninos e homens são socializados como seres soberanos e superiores às mulheres. Aprendem desde cedo que ser transparente é ser "mole". Não podem chorar nem demonstrar emoções ou fragilidades, devem se manter durões e fazer o que quiserem. Para conservar esse poder usam a mentira, sem nem perceber que ela os afasta dos seus sentimentos. São comuns histórias de homens que se endividam, e as companheiras nem imaginam, pois não podem descer do pedestal do macho provedor em que os colocaram e onde gostam de estar.
"Quando os homens mentem para as mulheres, apresentando um 'eu' falso, o terrível preço que pagam para manter o 'poder' sobre nós é a perda de sua capacidade de dar e receber amor. A confiança é o fundamento da intimidade". Não poderia concordar mais com a escritora.
Nós, mulheres, também somos ensinadas a mentir. A sorrir e dizer que não estamos incomodadas quando estamos. A sinalizar que está tudo bem quando não está tudo bem. A dizer que o hematoma no corpo foi um tombo na escada e não um sintoma de violência doméstica. A dizer que gozamos quando só queríamos que aquilo acabasse logo. Quantas vezes você fingiu um orgasmo para agradar —ou não desagradar— o seu parceiro?
Como podemos nos relacionar com tantas camadas de verniz para escamotear o nosso verdadeiro eu? Não te parece artificial? Sempre desconfio de quem tenta me agradar demais. Se relacionar também é, eventualmente, desagradar o outro com facetas não muito admiráveis de si. A beleza está em ir aparando as arestas.
Uma vez um cara me disse que, para conquistar uma mulher, esconde o que ele considera defeitos. Acha que se se mostrar logo de cara, a mulher sairia fora. Ao menos tem consciência dessa possibilidade. E é óbvio que ela existe. Mas o que pode ser mais desonesto do que engambelar a mulher deliberadamente? Fazê-la acreditar numa versão inventada que ele considera mais amável para "te conquistar"? Depois da conquista, faz o quê? Mantém essa mentira? Até quando, até onde?
A mentira aprisiona. Ser honesto nas relações, todas elas, é um ato de amor. Dá ao outro chance de escolher. É legítimo não ter certezas para oferecer.
Às vezes, nós não sabemos o que queremos mesmo. Não sei se gosto disso, não sei se gosto de você, não sei se quero continuar essa relação como é hoje, não sei se quero entrar em uma relação. A dignidade está em posicionar o outro sobre as suas dúvidas e dar a ele ou a ela o direito de decidir se quer encarar essas incertezas.
"Quando ouvimos os pensamentos, os sentimentos e as crenças de outras pessoas, é mais difícil projetar nelas nossas percepções sobre quem são. É mais difícil ser manipulador", diz bell hooks. Acredito que amaríamos melhor e teríamos relações mais saudáveis e sinceras se as pessoas se mostrassem verdadeiramente, sem medo de parecer "emocionado" demais, de modo que ambos se conectassem com o que o outro é. E não com quem imaginam ou idealizam que o outro seja.
Um bom jeito de começar é dizer a verdade para nós mesmos, sem descuidar da responsabilidade afetiva. Ser adulto, afinal, é sustentar quem somos. Vamos? Coragem!
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