Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
O que aprendi em 8 anos trabalhando na internet: escolha suas tretas
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Tem oito anos que eu estou diariamente na internet. Nesse meio tempo eu tive dois filhos, mudei de carreira, criei duas empresas, tive 4 mil alunas, separei, casei, morei em cinco casas diferentes, escrevi livro e, mesmo assim, consigo contar nos dedos de uma única mão o número de dias que eu fiquei off-line. E, se tem uma coisa que aprendi ao longo desses montes de horas penduradas nas redes sociais é que só dá para encarar uma treta a cada 15 dias.
Eu já fui aquele meme que vê uma discussão boa na internet e sai correndo para abraçar porque eu, de verdade, sempre achei que virava uma pessoa melhor depois de estressar assuntos que eu, muitas vezes, não tinha pensado a fundo. Foi-se o tempo. Hoje em dia sinto que aprendo pouco, divido menos e gasto mais tempo brigando que, de fato, me abrindo para pensar diferente.
Aprendi-to-apredendo que uma treta a cada 15 dias é uma métrica que funciona para minha saúde mental. Até porque tem polêmica e polêmica, né?!
Na minha bolha, não tem polêmica quando um genocida defende a ditadura militar. Dá pra ficar puta da cara, dá pra demarcar claramente que isso é inaceitável, mas, no meu universo internético, não tem ninguém defendendo nem genocida nem ditadura. Logo, é só um reforço de posicionamento, não configura polêmica. Tem também um grande grupo onde eu, tranquila e honestamente, não opino porque eu-não-sei. É quase um crime em 2022 a pessoa dizer que não sabe alguma coisa, mas eu amo e cada vez mais aceito e admito o que não sei. Guerra na Rússia? Não sei opinar.
Mas, nessa última semana, teve muito tema quente: teve TSE e a censura no Lollapalooza (que desemboca em eleição, ministro da educação, gasolina e por aí vai). No Oscar a gente nem conseguiu "xingar muito no Twitter" pelos prêmios injustos. Tivemos que discutir a piada inaceitável do Chris Rock com a Jada Smith (que desemboca em autoestima da mulher negra, masculinidade tóxica ou não, o que é violência e o que não é?), papo para um doutorado, né? Mas que na internet se resume em 15 segundos de stories, 140 caracteres de tweet.
Mal saí da polêmica da família Smith (que abracei, briguei com amigos, fiquei puta) e já veio a onda conservadora e moralista —pronto, já dei minha opinião— sobre os perigos da hiperssexualização das divas do pop. Polêmica essa, que eu fiquei sabendo já levando voadora no peito: colaborei em uma matéria bem legal sobre a Anitta, aqui em Universa, e soube que a cantora levou o sexo a outros patamares por meio de uma seguidora me xingando por DM.
Eu, que tava completamente por fora dessa corrente de pensamento (grazadeusa!!!), só consegui pensar "gente, mas a pessoa veio brigar comigo, que escrevi um livro inteirinho dizendo que roupa não resolve nem promove sozinha desigualdade de gênero? Ela tá me confundindo se ela acha que eu vou problematizar a pouca roupa da Anitta". Não vou.
Da Anitta sou fã e, falando do que eu sei, acho genial como ela consegue criar imagens de moda, usar marcas de luxo e nem assim abandonar a estética periférica que sempre fez parte de tudo que ela faz.
E eu não sei como foi pra você aí, mas daqui a sensação é que na última semana a covid acabou, a Guerra na Rússia nunca existiu e eu sequer consegui pensar no ovo de páscoa, que vem sempre com uma polêmica já amarrada que é o preço da barra X o preço do ovo —e, nesse ano de inflação absurda, eu não tenho nem coragem de dizer que "putz, eu gosto de ovo de páscoa, faço aniversário na semana santa, páscoa é meu rolê."
As tretas foram tão pesadas e intensas que, a cada três dias, a gente já tava se enfiando em um furacão diferente. Tão grande e tão intenso que o anterior já tinha ficado muuuuito velho. Pandemia e guerra viraram nota de rodapé.
A internet tem mesmo esses momentos em que tudo vira um grande programa do Datena e todo mundo acha que tá mudando o mundo quando na real tá só jogando álcool num circo pegando fogo.
Aliás, minto. Não é na internet, é nas redes sociais. A internet é muito maior, mas a gente insiste em fincar o pé na treta.
E, se eu aprendi alguma coisa em oito anos trabalhando com internet é que as tretas não são melhores ou piores quando eu participo. Que é raro, muito raro, quase nunca acontece, de eu, de fato ter algo muito relevante e inédito para dizer. Em geral, a minha função é só levar para minha galerada uma opinião sobre um tema —e quase nunca minha opinião é tão relevante assim que precise realmente ser dada. Mas é muito fácil ser engolida pela vontade de falar, mesmo sem ter nada de muito novo a dizer?
No tema da Anitta, por exemplo, eu compartilhei com amigas que estudam gênero e sabem mais sobre o tema que eu. Não consigo passar batido, mas compartilhar quem disse mais e melhor é quase sempre mais eficiente.
E eu sei que não parece, mas juro que comecei esse texto pensando em fazer uma análise da roupa que a Kristen Stewart usou no Oscar, fiquei pensando que é legal demais quem se propõe a quebrar as regras, esgarçar os limites.
Vim pensando nisso porque vi alguém da moda dizendo que o look era legal demais e que Kristen podia ignorar o dress code porque ela é jovem e linda. Que preguiça. Eu queria muito fazer um texto aqui sobre como ninguém aguenta mais esse discurso de "pode". Que ninguém suporta mais esse pensamento de que jovem podem, velho não.
Mas me faltou espaço interno para puxar essa nova treta, foi uma semana bélica, cansativa e, para completar, tô com um bebê doente, sem conseguir ir pra escola. Força, guerreira.
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