Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Rihanna e o corpo: mãe sente fome, frio, desejo. Mãe tem tesão
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
A primeira mulher mãe que me lembro de admirar não foi a minha própria, foi a Carolina Dieckmann. Ela, que tem mais ou menos a minha idade, teve filho muito antes de mim e me recordo com riqueza de detalhes das muitas matérias no "Ego Notícias" (quem viveu lembrará) da Carolina de minissaia, de barriga de fora e mais do que isso: se divertindo, trabalhando, indo a festas, tomando sol...
Até então, no meu imaginário imagético, ser mãe era um negócio chato, de mulher conservadora e mal vestida. Lembro de ver essa mulher famosa fazendo desse outro jeito e pensei: "Uau, dá pra ser mãe e continuar vivendo! Não precisa virar uma serva da maternidade!". Eu nem sempre quis ter filho, mas ver a Carolina Dieckmann sendo uma mulher de 20 e poucos anos que se divertia e usava a roupa que tava afim, certamente, contribuiu pra que eu enxergasse uma maternidade que não era maria-mãe-de-jesus, que não era uma doação sem fim.
E, talvez porque eu esteja imersa até o ultimo fio de cabelo no mundo materno, ver a Rihanna usando na gestação o mesmo estilo de roupas que ela já usava antes, me causa zero espanto e zero comoção. Mas não dá pra negar que é importante demais. Em um artigo da Vanessa Friedman no "New York Times", ela levanta a ideia de que mostrando a barriga em todos os looks e se mantendo super sexy na gravidez, Rihanna está politicamente fazendo um encontro de dois temas importantes: o direito sobre o próprio corpo e o direito de se vestir como quer. Não tem como discordar.
Tenho certeza, entretanto, que junto com essa ideia, vai vir aí uma discussão sobre o quanto, de fato, ela quer ser sexy até na gravidez e o quanto ela se sente pressionada a ser, a hipersexualização do pop e toda a pressão que a mulher contemporânea sofre pra ser extremamente feminina em toda e qualquer situação.
Ainda que, vale frisar, o feminino esperado da gravidez não é esse, de corpo de fora. O que esperam das mulheres na gravidez é doçura e não sensualidade.
Para mim, mais do o que direito sobre o próprio corpo e o direito de se vestir como bem entende, Rihanna cruza uma fronteira que aí sim me interessa muito: mãe é gente. Mãe sente fome, frio, desejo. Mãe tem tesão. Deve ter pouco tema mais polêmico e delicado que falar sobre sexo e gravidez, sexo e maternidade. A gente vive uma cultura que adora vincular maternidade a sacrifício, que realmente acredita que a maternidade precisa enterrar a mulher que havia ali pré filho.
Quando vejo Rihanna de baby doll transparente e calcinha, sutiã e barrigão o que eu vejo, na verdade, é uma mulher que se recusa a ser beatificada pela maternidade. Que continua gente, que continua tendo desejo, que se sente bem, que se acha gata e que não pede licença para ocupar os espaços. Que tem tesão em ser ela mesma e que não está disposta a abrir mão de toda a mulher que ela já é para se tornar mãe. Dá para adicionar sem subtrair.
E, confesso, não sei se concordo com a matéria do "NY Times", não acho que o jeito que a Rihanna se veste é inédito, acho que ele é uma evolução natural do momento que vivemos. Muitas grávidas pré Rihanna foram empurrando essa fronteira do que pode e o que não pode na gravidez, né? De cabeça, sem pensar muito, consigo citar Laura Perlongo em um prêmio da MTV usando uma jaqueta aberta, sem blusa e sem sutiã e, claro, da Kim Kardashian —que apareceu em um evento com um vestido de renda 100% transparente e durante a sua gravidez em 2015 foi muito criticada e comparada a Kate Middleton— justamente por ter se mantido com o estilo pré filho: super sexy.
Na minha vida como personal stylist, o que eu mais vivo, vejo e ouço são mulheres pedindo peloamordadeusa uma moda que caiba a barriga de grávida e o peito enorme, sem transformá-las em fadas etéreas com coroas na cabeça fazendo fotos divinas em parques floridos. Ou em sacos de batatas que tem como única função esconder o corpo.
O mais importante nessa história toda, pra mim, é justamente como ela, sem fazer alarde e sem puxar o assunto na militância, simplesmente veste as roupas que quer. Não justifica, não faz textão, ela só segue sendo ela mesma. Já fiz um texto aqui em Universa dizendo porque eu acredito que a gente ainda assista red carpet. E pra mim o estilo mãe da Rihanna entra no mesmo espaço: é muito importante ver que ela segue sendo ela mesma, mostrando a barriga —coisa considerada cafonérrima na moda por aaaaaanos— sobretudo por ser uma referência e um "abre caminhos" para que outras mulheres também se vistam como bem entender, pra que outras mulheres entendam que há muitos jeitos de ser mãe e todos eles são legítimos.
O statement está em ousar ser quem se é inclusive nesse momento em que esperam que ela se torne outra pessoa. A maternidade não pode ser um terreno para que tirem de nós a nossa identidade e a Rihanna vai ser a Carolina Dieckmann de muita gente, tenho certeza.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.