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Thais Farage

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que a 'roupa de poder' das mulheres segue sendo a masculina

A candidata à Presidência Simone Tebet, em debate da Band - O Antagonista
A candidata à Presidência Simone Tebet, em debate da Band Imagem: O Antagonista

Colunista de Universa

03/09/2022 04h00

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Para além de todo o nervoso que a mulher brasileira progressista enfrentou no debate de domingo (28), na Band, eu passei uma tensão extra por não conseguir deixar de ver como a gente segue repetindo códigos de vestimenta tradicionalmente masculinos quando se propõe a disputar o poder.

As duas candidatas são, pra mim, praticamente idênticas: ambas advogadas, brancas, do Mato Grosso do Sul, ruralistas, de direita. Simone Tebet (MDB), que já foi professora da Soraya Thronicke (União Brasil), é contra ampliar as leis de aborto e Soraya também não é uma defensora do direito da mulher sobre o próprio corpo, como já deixou claro em um post super problemático no Instagram.

Politicamente, elas não me interessam. Tenho imensa dificuldade de me relacionar com mulheres que são contra o aborto. Mesmo. É o meu calcanhar de Aquiles. Mas fui além do meu mal estar inicial e segui pensando sobre a estrutura de poder, que é infinitamente maior que Soraya-Simone.

Em uma bancada predominantemente masculina, em uma eleição em que os dois candidatos favoritos são homens, com vices também homens, é de se imaginar que a imagem predominante seja mesmo a masculina. Em todos os sentidos. Para além do retrocesso que é ver uma bancada de debate onde só existem pessoas brancas, acho importante analisar como os símbolos de poder assumem um formato ainda mais retrógrado e tradicional justamente porque encontra conforto no status quo.

Não há a menor dúvida de que o símbolo de neutralidade, civilidade e poder é o terno. Desde que a burguesia ocupou o lugar de poder financeiro da monarquia, o terno tá aí, no nosso dia a dia, no nosso imaginário. E, a mulher, ao começar a buscar espaços de poder (lá pelos anos 1980, ou seja, dia desses), encontra no tailleur um conforto.

O tailleur é o segundo sexo na moda: não existe sozinho, só existe porque faz referência à roupa masculina.

Pensa na simbologia disso: uma mulher (branca, né?) vai então ocupar um espacinho de poder aqui e outro ali, mas, pra isso, precisa se vestir como homem e se comportar como homem. O power dressing —que é o look poderoso criado para as mulheres irem pro combate, quer dizer, para o mercado de trabalho, foi pensado assim: como fazemos com que se pareçam homem, mas sem perder o que elas fazem de melhor? Ou seja, sem perder a feminilidade embelezadora de ambiente? O tailleur é uma versão feminina do terno. Tem cintura e um tanto de sensualidade, tem ombros marcados —como os ternos— e, no geral, é feito em cores neutras.

Preto, vinho, bege e branco

Quando olho para Simone-Soraya no debate vejo que estamos tão acostumadas que nem questionamos mulheres usando códigos masculinos para disputar espaço de poder. Ambas estavam de camisa e blazer, ambas de cores neutras (preto, vinho, bege e branco). Ambas de cabelo liso e maquiagem suave. Não tenho como saber se elas gostam mesmo dessas peças e acham que, sim, fazem sentido com quem são. Mas, analisando a semiótica, é impossível não pensar que são duas mulheres tentando se adequar ao status quo.

E, mais uma vez, a gente se propõe a usar o "perfume masculino" na hora de ocupar os espaços. Quantas mulheres você consegue pensar que não usam blazer e não combinam com quem são, mas que se rendem quando o evento é super masculino? Eu consigo citar centenas, famosas ou não.

Dilma, mesmo seguindo os padrões, era atropelada também no tema roupas. Marta Suplicy, até hoje, ouve piada sobre as roupas que usou na prefeitura de São Paulo. Manuela D'ávila ouviu críticas quando se vestia de maneira casual —que é mesmo o jeito como ela se sente confortável— e também quando vestiu roupas mais formais, mas que faziam sentido com quem ela é.

Para finalizar, vale dizer que não tem problema nenhum usar blazer e camisa, essa talvez tenha sido uma estratégia inconsciente de defesa pessoal usada pelas candidatas para manterem o foco no discurso. Se a gente se camuflar, quem sabe vão deixar a gente falar?! E é muito triste viver nesse mundo masculino onde mulheres (até as conservadoras!) precisem se fantasiar para existir.

Acredito mesmo que roupa boa é aquela que funciona para o estilo de cada uma, mas vejo esse sintoma do blazer se repetindo todos os dias. Para mim, o importante dessa discussão não é se elas estavam bonitas ou feias. O que me importa quando analiso essas roupas é o quanto essa imagem é um reflexo do que estamos vivendo, é natural que se estamos regredindo nas pautas progressistas isso vai se refletir no que as pessoas vestem.

Mas meu papel aqui é levantar a pergunta: até quando vamos dar aos homens o direito de estabelecer até os parâmetros de quais roupas são formais e aceitáveis em ambientes de poder?