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Thais Farage

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Blusa da vingança: Dilma celebra com Lula usando roupa do pós-impeachment

Dilma Roussef em 2016, saindo do Palácio da Alvorada após impeachment, e neste domingo (30), na vitória de Lula  - Pedro Ladeira/Folhapress/Roberto Sungi / Futura Press
Dilma Roussef em 2016, saindo do Palácio da Alvorada após impeachment, e neste domingo (30), na vitória de Lula Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress/Roberto Sungi / Futura Press

Colunista de Universa

31/10/2022 17h13

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A frase que eu mais gosto e uso para defender que moda não é futilidade é do [poeta] Jean Cocteau: "Estilo é uma maneira muito simples de dizer coisas complicadas". Nem sempre a gente tem espaço, palco e microfone para dizer o que queremos, mas a roupa fala e entrega a mensagem.

Para mim, uma das cenas mais bonitas e emocionantes da vitória do presidente Lula nesse segundo turno das eleições foi a presidenta Dilma que, sem dizer uma única palavra, disse tudo porque escolheu a roupa certa para o evento. A roupa por si só, não tem nada demais. É formal e funcional para situação, uma blusa vermelha com uma estampa abstrata em preto, totalmente dentro do esperado do estilo da presidenta e também da situação. Mas as roupas são especiais justamente porque elas não andam sozinhas; elas andam juntas com o intertexto, com a sutileza.

Não é à toa que associamos as camisas da seleção brasileira ao bolsonarismo, não é a toa vermelho é a cor do PT, não é à toa que no Brasil usamos branco no réveillon. A simbologia na eleição foi ficando tão forte e tão fora do eixo que Dom Odilo precisou defender seus trajes vermelhos e dizer que ele não estava apoiando nada e nem ninguém, que vermelho é a cor dos cardeais da Igreja Católica. E eu consigo entender o porquê. Em um país tão dividido, tão oprimido, tão violento com a diferença, a roupa é também um grito. É uma declaração. E, como ela depende também da interpretação do outro, às vezes o pensamento obtuso e limitado faz associações equivocadas, mesmo.

Mas a história é generosa e os discursos silenciosos atravessam o tempo. Dá pra citar o "revenge dress" que a princesa Diana escolheu para ser fotografada depois que Charles admitiu em rede nacional que traía a princesa; as fitas azuis usada pelas atrizes em 2017 no red carpet do Oscar em uma silenciosa oposição a Trump; Benedita da Silva, que sempre usou estampas afro em um congresso majoritariamente branco e engravatado; a [congressista] Alexandria Ocasio-Cortez com seu vestido sobre taxação de fortunas no Met Gala? Enfim, eu poderia escrever dez páginas só citando as pessoas que fizeram e fazem discursos por meio da roupa. Mas hoje eu vou me controlar e falar só da Dilma.

30.out.2022 - Lula faz discurso na Avenida Paulista - Reprodução - Reprodução
Dilma Rousseff ao lado de Lula no discurso da vitória na avenida Paulista
Imagem: Reprodução

Dilma apareceu no domingo (30) da vitória vestindo a mesma blusa vermelha que usou quando saiu do Palácio da Alvorada no pós-golpe de 2016. E essa foi, sem dúvida, a roupa mais importante da noite. É um jeito de amarrar dois tempos da história, é um jeito de dizer "eu não esqueci" e é também um jeito de anunciar: nós estamos de volta. Foi só no dia seguinte que os jornais se deram contam da escolha fashion da presidenta, mas não importa, essa foto, no palanque com o Lula, vai ficar para sempre.

E eu, como mulher, eleitora de Dilma e Lula, que vivi em apneia de 2016 até ontem, fiquei muito emocionada porque mais do que uma roupa política, é uma mulher certa do seu lugar, defendendo até o fim que ela estava certa e que foi, sim, vítima de um golpe. É das cenas mais bonitas e potentes ver que, apesar de todo ataque misógino que a Dilma sofreu, ela seguiu viva e inteira, capaz de fazer o seu próprio discurso e criar o seu próprio look da vingança, dizendo em alto e bom som "Nós voltaremos. Voltaremos para continuar nossa jornada rumo a um Brasil em que o povo é soberano". E voltamos, presidenta. Todas nós.