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Xan Ravelli

Autocuidado é bem mais que comprar produtos para o corpo: é empoderamento

Xan Ravelli - La Belle Fotografia
Xan Ravelli Imagem: La Belle Fotografia

Colunista do UOL

26/07/2020 04h00Atualizada em 27/07/2020 09h38

O cuidado é a mais vitalícia, básica e a maior demanda humana. Em algum, ou em muitos momentos da vida todes nós precisamos de cuidados. Somos integralmente dependentes de uma pessoa adulta quando bebês, crianças e na velhice podemos voltar a essa condição de necessitar cuidados integrais.

Durante a revolução industrial, ficou acertado que homens trabalhariam e receberiam o suficiente para prover financeiramente tudo que fosse necessário a família e que mulheres cuidariam da casa, das refeições e dos filhos porque, afinal, sem cuidados não existe sociedade, empresas, corporações, família, riqueza.

Quando mulheres precisaram fazer parte da força de trabalho, ficou acertado que o estado ajudaria a cuidar de quem precisa através de creches, serviços públicos de lazer, saúde e a aposentadoria remunerada. Com o tempo (e com o neoliberalismo) o cuidado passou a ser cada vez mais "privatizado", ou seja, recebe mais cuidado quem pode pagar mais por isso. Dentro desse contexto, não é errôneo afirmar que aqui no Brasil mulheres cuidam mais que homens e que pessoas brancas cuidam muito menos e recebem muito mais cuidados que pessoas negras.

De acordo com o Ipea em 2018, 92% das pessoas responsáveis pelo trabalho doméstico remunerado são mulheres, o que corresponde a 5,7 milhões das quais 3,9 milhões são negras.
Nessa semana celebramos o dia do Autocuidado (24 de Julho) e o Dia de Tereza de Benguela e da Mulher negra (25 de Julho).

Tereza de Benguela foi rainha do Quilombo do Quariterê, no século XVIII, ela assumiu o quilombo após a morte do seu esposo e liderou por 2 décadas comandando a estrutura política, econômica e administrativa. Eu gosto muito de imaginar como pensavam e se portavam figuras históricas que eu admiro. Vislumbro Rainha Tereza de coração partido por um luto que ela não teve tempo de chorar, já que o quilombo precisava de uma liderança naquele clima constante de guerra e ameaça a liberdade.

Tensa, precisou de muito axé e sabedoria para reorganizar as defesas o mais rápido que pôde para que idoses, homens, mulheres e crianças negras e indígenas que viviam lá não sofressem mais perdas. Penso que ninguém nunca deve tê-la visto chorar porque existe algo que une todas nós, mulheres negras: passamos a vida escutando que precisamos ser fortes independente do que nos retalhe... Quem cuidava de Tereza de Benguela? Quantas mulheres negras hoje precisam resistir a dor da morte seus filhes, e seguir lutando, trabalhando, sobrevivendo? Quantas mulheres negras deixam seus filhes para cuidar de filhes dos outros? Quem cuida dessas mulheres?

O conceito de autocuidado feminino é urgente mas não é novo. O termo foi cunhado na década de 80 por uma mulher negra, feminista, lésbica; a maravilhosa escritora Audre Lorde. Importante para todas as mulheres, é verdade, o autocuidado "não é autoindulgência, é uma autopreservação e isso é um ato de guerra política" porque numa escala de opressão, mulheres negras são as últimas a serem lembradas, afinal quem cuida de si tendo que cuidar de tantas pessoas e coisas ao mesmo tempo?

Procurando por autocuidado pela internet encontramos muito e nada ao mesmo tempo. Confuso, né?! Peraí que eu explico: autocuidado é tão importante quanto lucrativo, então não é raro ver esse conceito aplicado meramente a venda de cosméticos, cursos de terapias, alimentação saudável e a um monte de fotos de mulheres brancas, magras, #goodvibes, tomando sol em suas sacadas, em posturas de yoga, com máscaras hidratantes no rosto ou roupas de academia correndo no parque.

Deixo registrado aqui, que eu sou A VAIDOSA apaixonada por maquiagem, produtos de cabelo, acessórios, skincare e moda, mas pensando apenas sob essa esfera, banalizamos o autocuidado e o submetemos a mercadorias, enquanto o conceito proposto por Audre é muito mais sobre empoderamento (aquele que de fato é coletivo) e maximização do próprio potencial. É buscar ajuda, dizer não, é um processo de constante aprendizado. É cuidar de si para ajudar as que estão ao lado.

Nas próximas 4 semanas gostaria de conversar melhor com vocês sobre esse Autocuidado idealizado por Audre Lorde e como ele pode ser posto em prática no nosso dia-a-dia, pensando dimensões essenciais e complementares: físico, emocional, social e espiritual. Bora? Combinado.