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Xan Ravelli

Como preparar a alma e o espírito para enfrentar as batalhas do dia a dia?

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Colunista do UOL

23/08/2020 04h00

O que te eleva? O que te faz seguir e pensar que talvez sua existência tenha uma dimensão e um propósito maior?

O assunto hoje aqui é autocuidado e espiritualidade, que é um lugar tão subjetivo e tão particular que leva nossa conversa para um lado muito mais sensorial, hoje eu estou aqui pra falar com seu coração — e ouvir o meu enquanto a gente conversa. Eu cresci numa família muito católica e desde muito cedo aprendi a estabelecer uma relação muito próxima a Deus, mas sempre conectada a religiosidade e seus rituais no catolicismos: ir a missa, jejuar, rezar o terço, estar em retiros, grupos de oração e celebrar festas religiosas. Mas não foi a igreja que me ensinou a liberdade de pensar Jesus como amor profundo e incondicional, um amor que liberta da culpa e que não demoniza religião alheia. Não foi na igreja que aprendi a pensar na Deusa (sim, no feminino) como criadora suprema que nos deu cristais, óleos essenciais, plantas para chás e inteligência para observar como nosso corpo responde às estações, às faces da lua, ao dia e à noite.

Nessa série de cinco textos sobre autocuidado, em que conversamos em dimensões física, emocional e social, deixei espiritualidade por último justamente porque estou passando por esse processo de repensar minha existência espiritual de forma totalmente individual pela primeira vez: o que eu (pisciana) que tenho essa necessidade tão grande do sagrado quero transmitir para os meus filhos? O que eu enquanto corpo, ser, espírito e energia preciso para continuar existindo de forma não materialista?

Pensar espiritualidade fora de uma perspectiva religiosa de fato é um processo ainda elitizado, visto que nas periferias o que encontramos é uma igreja evangélica a cada esquina. Há terreiros, centros de umbanda, kardecistas e saberes ancestrais em diversos bairros, é verdade. Mas informações sobre espiritualidade e fé dependem de capital social para serem acessadas, da mesma forma que benefícios da yoga, da alimentação saudável, de chás, de meditação, da ciclicidade menstrual e outros saberes que até encontramos gratuitos na internet, mas que dependem de indicações de pessoas do nosso círculo de convivência.

Além disso ainda existem alguns fatores que afastam, em especial, mulheres negras de pensar nosso autocuidado espiritual. O primeiro é o mito da mulher negra forte, que já citamos aqui algumas vezes e que faz com que a gente pense que não precisa de ajuda, que podemos viver praticando o "Namastreta" porque é isso que o mundo precisa: que sejamos guerreiras o tempo todo (herança do período escravocrata esse lance de pensar o corpo negro como um corpo desprovido de alma, que não precisa de descanso que não possui uma mente que adoece). Outro ponto é enxergar esses saberes como um não lugar, o famoso "isso não é pra mim" , grande equivoco, porque embora muitos desses saberes ancestrais sejam vendidos como tecnologia branca, possuem origem africana pouco ou nada divulgada: a yoga antes de ser hindú era praticada no Egito — procure por Yoga Kemética —, constelação familiar já existia entre povos Zulu antes de Bert Hellinger chegar, alimentação etíope tem muito a nos ensinar.

Como preparar a alma e o espírito para enfrentar as batalhas do dia-a-dia?

1. Conecte-se com sua religião, se faz sentido e te preenche.
2. Medite. Existem muitas técnicas de respiração e meditação disponíveis on line
3. Busque saberes ancestrais como cristais, óleos essenciais e chás
4. Utilize o banho como momento de recarga energética. Vale usar velas, um sabonete gostoso, aquela trilha sonora caprichada e deixe que a água caia com consciência, limpando corpo e alma.
5. Dance
6. Acenda uma vela e peça licença e a benção dos mais velhos para ser diferente e para viver a sua vida de um jeito diferente

E que nos passos de Audre Lorde a gente pense autocuidado como prática revolucionária de destruição do patriarcado e de forma constituir uma existência interiormente mais sustentável. Não vamos abraçar o estereotipo de pretas fortes, não vamos aceitar ser essas figuras inabaláveis que nasceram para aguentar tudo, suportar todas as dores e seguir firmes, belas e sorridentes, mesmo que destruídas internamente. Precisa ser por nós... em primeiro lugar PRECISA SER POR NÓS.

Separei uma playlist especial para o momento de sentar e escrever esse texto aqui... Nesse instante está tocando "Jorge da Capadócia" na voz de Jorge Ben e eu estou com o coração inflado de uma energia que me invade toda vez que eu ouço os acordes dessa música. Vai lá no meu Instagram que vou deixar essa playlist pra você aproveitar se quiser. E um brinde a esse série sobre possibilidades de autocuidado. Sigamos buscando novas formas de desaprender tudo que nos oprime e não nos impede de ir adiante. "Os orixás seguram sua mão nessa jornada que começou antes de você nascer" (Beyonce em Black is King).