Meu cabelo não nega
Estamos vivendo semanas doloridas, não se pode negar. Dói ser mulher e ter que ouvir sobre uma menina violentada desde os 6 anos, grávida aos 10 e todos os desdobramentos dessa história, dói ser mulher-mãe preta e ver Jacob Blake ser alvejado à queima-roupa, dói pensar em todas as famílias que choram as vítimas que Covid já fez.
Cada um com suas rezas, seus processos, seus cuidados para manter a sanidade nesse momento. E como é importante estabelecer uma relação profunda com aquilo que te equilibra.
Meu refúgio é - e sempre foi - pensar estética, vaidade, rituais de beleza, não como uma forma de legitimar a superficialidade, mas como um ato de ocupação desse corpo que eu habito. Corpo preto, retinto, de cabelos crespos que eu cuido com o maior carinho e amor.
Falando de cabelos, nessa semana um cabeleireiro conhecido por cuidar de cabelos de muitas celebridades negras crespas e cacheadas disse: "Patrão comeu aqui e gerou isso" para definir a textura do cabelo crespo de uma modelo negra, reproduzindo um racismo que dessa vez foi filmado.
O pedido de desculpas veio, como sempre, em close dos olhos marejados pela culpa e, entre outras coisas, esse cabeleireiro afirmou com orgulho "entender de crespos, entender de cachos". Isso nitidamente não basta. É preciso entender do existir enquanto mulher negra. Entender o que é SER crespa, SER cacheada. Entender que essa beleza cheia de orgulho que hoje nós ostentamos não veio de graça, ela foi guerreada e segue passando por cima de comentários iguais e piores do que esse.
E eu tô aqui para falar de beleza e cuidado com esses cabelos por um viés afetivo e ancestral. Eu lembro a primeira vez em que estive num salão afro. Eu tinha uns 15 anos quando fui ao Primo's Black Power na Galeria da 24 de Maio, aqui em São Paulo, e foi ali que eu entendi que muito mais do que um espaço de estética, os salões afro funcionam como um lugar de troca, acolhimento e reconhecimento da própria beleza —uma vez que é possível nos enxergar em nossos iguais que ali frequentam também.
Em tempos sombrios e desafiadores como estes que estamos vivendo, eu te convido a transformar momentos de beleza num lugar político de afirmação e orgulho.
Seguem 3 técnicas simples e eficientes de cuidado de tratamento de cabelos crespos que são ancestrais e eu amo:
Fitagem
A famosa finalização onde se divide o cabelo em fitas com os dedos ou com pentes para maior definição do crespo e cachos. O povo Afar, do nordeste da Etiópia, usa varas de bambu para fazer a técnica e passam gordura de vaca e manteiga para texturizar e proteger.
Umectação
Tratamento queridinho para crespas é muito eficiente também em cabelos que passaram por qualquer procedimento químico. Hoje usamos óleos vegetais ou azeite extra virgem para esse processo, mas no antigo Egito era utilizado óleo vegetal e gordura animal em partes iguais para esse cuidado. Em Gana, o uso da manteiga de Karitê nos cabelos para essa prática (e no corpo) é bastante antiga e tradicional.
Finalização com óleo-gel
Para penteados e finalização com mais volume, vale essa dica que veio da minha mãe, que observava minhas avós e tias fazerem: no interior de São Paulo elas finalizavam o cabelo com banha de porco aquecida e babosa numa proporção de 4 para um. O cabelo fica extremamente macio e brilhante.
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