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Xan Ravelli

Como você se relaciona com a aparência que o outro tem?

Chadwick durante o lançamento de Star Wars em Los Angeles, em 2017 - Kevin Mazur/WireImage/Getty Images
Chadwick durante o lançamento de Star Wars em Los Angeles, em 2017 Imagem: Kevin Mazur/WireImage/Getty Images

Colunista do UOL

06/09/2020 04h00

Chadwick Boseman faleceu de um câncer que só veio a público após a sua morte. O acontecimento causou comoção em todas as mídias e representou luto para muitas pessoas negras ao redor do mundo, já que o ator interpretou um dos maiores símbolos de representatividade do cinema dos últimos anos. Como boa fã do universo de super-heróis que sou, acompanho algumas comunidades, e há meses atrás surgiram preocupações e piadas feitas sobre a aparência de Chadwick.

Realmente acredito que seja legítima uma preocupação sobre a mudança repentina da aparência de alguém. A questão é que na maioria das vezes essa preocupação se apresenta cheia de julgamentos, e pré-verdades. Há ainda outras situações em que o que chega são piadas e comentários completamente destituídos de empatia.

É fato que sua aparência comunica ao outro, assim como a aparência do outro comunica a nós também. Mas qual é a mensagem? Uma vez que sua interpretação é cheia de saberes construídos desde seu nascimento numa sociedade cheia de tantos preconceitos, tanto machismo, racismo, gordofobia, homofobia e valores aprendidos.

A empatia é muito mais um exercício de escuta que de qualquer outra coisa. Perguntar o que leva a outra pessoa a ser quem é, agir como age, gostar do que gosta e se apresentar ao mundo da forma como se apresenta. Uma mulher que anda sempre maquiada pode ser uma vaidosa inveterada e feliz por pintar a cara e se enfeitar da maneira que gosta; mas também pode estar escondendo manchas e uma insegurança com o rosto cara-lavada; também pode estar usando maquiagem para esconder marcas de violência doméstica.

Ganho de peso pode sinalizar ansiedade, mas também pode sinalizar libertação da bulimia, da anorexia e de padrões de magreza impostos socialmente.

A aparência de alguém é muitas vezes um grito de/por atenção, cuidado ou afirmação. Eu tenho esse olhar empático a cada mana negra, PCD, indígena, gorda que produz e fala sobre moda e beleza na internet, porque eu, enquanto uma delas, sei que a afirmação dessa beleza não veio de graça pra gente, ela não saiu do lugar comum da princesa, da beleza em padrões europeus. Essa beleza pertence a um não-lugar que aprendemos a tomar posse depois de muito desaforo e humilhação.

Segundo Daniel Goleman, uma das principais referencias sobre inteligência emocional, existem 3 tipos de empatia: A Empatia Cognitiva, que é a habilidade de ouvir e entender o ponto de vista de outra pessoa (mesmo que não concorde com ele). A Empatia Emocional, é a habilidade de ouvir e compreender profundamente o que e como o outro se sente.

E a Preocupação Empática que é ouvir sinais e saber identificar quando o outro precisa da sua ajuda ou precisa de espaço. Percebem que em todas as formas de empatia a palavra OUVIR se faz presente? Porque a observação traz pistas mas é muito pouco para estabelecer julgamentos e chegar a uma conclusão sobre quem é a outra pessoa e o que se passa com ela.

É preciso tomar muito cuidado com a racionalização do olhar. Seres humanos são cheios de subjetividades e qualquer tentativa de julgamento a partir do que vemos pode resultar numa análise estereotipada, reducionista e que reforça preconceitos.

E na prática é chamar na conversa mesmo: Fulana, como você está se sentindo nessa sociedade pandêmica, me conta | Oi Beltana, vim caçar assunto com você, me conta como anda sua vida | Cicrana, mandando uma cervejinha pra sua casa, bora abrir juntas aqui na frente do pc a noite e conversar, quero te ouvir... e ouça, sem interrupções, viu.

Deixe que a outra pessoa fale 5 minutos, 10 minutos e ouça atentamente. Só depois interaja sem julgamentos. Empatia é um superpoder, te faz mais forte, dá sentido aquilo que realmente importa: impactar positivamente a vida da outra pessoa em momentos tão duros como esses.

Chadwick Boseman - presente.