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Xan Ravelli

Como manter os sonhos profissionais depois que a gente se torna mãe?

Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Colunista do UOL

20/09/2020 04h00

Sua vida já virou de cabeça pra baixo de um dia pro outro? Viu sonhos, planos, certezas, tudo que você reconhece como parte da sua identidade e afirmação de seu papel social ruir de um dia pro outro? Hoje eu quero falar com as mães e futuras mães também.

Porque foi assim que começou a minha relação com a maternidade. Numa manhã de segunda-feira, Jade, que agora tem 8 anos, chegou, querida, sonhada e bem-vinda. Mas em pouco tempo eu vi ruir a Xan que eu gostava de ser e os planos e sonhos que eu tinha.

Eu atuava com musicoterapia na época, e trabalhava na área social em um abrigo recebendo crianças vítimas de abuso sexual. Foi pra esse cenário que eu voltei 15 dias após o parto e EU NÃO DEI CONTA.

Escrevo chorando ao lembrar que não dei conta, com um bebê recém-nascido e o corpo energética e fisicamente aberto e frágil como fica no puerpério, de retomar a vida que eu tinha anteriormente. Três anos depois, fui mãe de novo e esse segundo puerpério foi uma das piores experiências da minha vida - olha eu chorando de novo - mais planos, mais sonhos, mais da Xan ruindo, esvanecendo, desaparecendo.

xan ravelli com as crianças - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Duas crianças, um esposo que passava 14 horas por dia fora de casa, rede de apoio zerada: eu cozinhava, eu lavava, eu limpava, eu brincava, eu dava amor, eu cuidava, eu, eu, eu... Mas não era eu de verdade ali, era eu me caçando, sobrevivendo, até que entendi que a questão não era retomar algo, mas construir algo diferente.

Carolina Amanda me disse um dia que "a mulher renasce mais forte cada vez que entra em contato com a morte", morte essa que é subjetiva, por isso abrangente de acordo com as fases e circunstâncias.

A estrada das mães em direção a seus sonhos perpassa outras vidas, incluindo aquelas que você gerou e carrega. E é desafiador demais comparar seu caminho ao de outras que atravessam sendo individual enquanto você é duas ou três vidas. A caminhada de um dia às vezes é feita em uma semana, por mais que se planeje e programe, no meio do caminho tem joelhos ralados, febres inesperadas, corações partidos, mudanças de rotas.

Michelle Obama contou o quanto se sentiu arrasada ao perceber o frágil equilíbrio entre maternidade e vida profissional. Quando a filha mais nova tinha 4 meses de idade, ela se viu sem babá e recebeu uma oportunidade de trabalho no Hospital da Universidade de Chicago.

Decidiu ser o mais honesta possível: "Essa sou eu, tenho um marido que está fora, dois bebês que são minha prioridade, eu quero muito trabalhar aqui, mas além do meu salário, eu preciso de flexibilidade". Em resposta, recebeu um "Claro que sim" e se tornou vice-presidente do hospital.

Obviamente isso não acontece com a maioria das mulheres, que seguem fazendo seu malabarismo para dar conta de realizar seus sonhos e ambições profissionais sem abrir mão do cuidado com suas crias.

Mas que a gente não desista. É a clássica simbologia da máscara de oxigênio, primeiro coloque em você pra depois colocar nos outros. O melhor dos sonhos é que eles se realizam ou mudam. Deixe que eles mudem, mas não deixe de ter sonhos que são seus, para além do que você faz hoje e para além da maternidade.

Me conectar com esse corpo que carregou outro ser por quase um ano e que nutria esse ser através do que comia foi meu primeiro e importante passo: me acariciar com hidratante, lavar, nutrir e finalizar o cabelo mesmo que demorasse o dia todo para isso, testar um batom que achei bonito, resgatar paixões, músicas, dança e o que me dava prazer.

michelle obama - Reprodução - Reprodução
Michelle Obama com as mulheres da família
Imagem: Reprodução

E Michelle me abraçou novamente nesses tempos de pandemia que a gente segue tentando equilibrar o que seria ideal pros pequenos com nossas necessidades e sonhos profissionais: "Não faz muito tempo que eu mesma era uma mãe trabalhadora. E eu sei que às vezes, embora a gente odeie admitir, é mais fácil colocar as crianças na frente da TV por algumas horas, para que a gente consiga pagar as contas, lavar a roupa ou simplesmente ter alguma paz e um pouco de silêncio".

E está tudo bem. São tempos atípicos. Sigamos, nos encontrando, realizando sonhos e sendo a melhor mãe que podemos ser hoje.