Meu marido está de dieta, mas explico ao nosso filho que beleza não é tudo
Eu cresci observando minha mãe e irmã fazerem mil dietas - regime como elas diziam - na minha lembrança infantil as modalidades eram muito variadas: regime da sopa, da melancia, 15 dias sem carboidratos etc. Lembro da minha irmã se enrolando em sacolinhas plásticas de supermercados, se apertando com faixas, se privando de chocolates, bolos e outros doces.
Hoje me orgulha vê-la uma mulher livre e em paz com as próprias curvas, seios fartos e vivendo dissociada da ideia de que precisa emagrecer, potencializada pela minha mãe, uma diplomada fiscal do corpo alheio.
Outro dia uma cena me fez parar tudo e observar Jade brincando com seus bonequinhos: era uma festa de aniversário naquele universo das bonecas, mas foi um bonecO que recusou o bolo "não posso, estou de regime", afirmou o boneco com voz infantil refletindo a criatividade de Jade.
Exímia observadora do cotidiano, Jade obviamente não tirou esse roteiro do nada, o pai de Jade tem muitas questões com o próprio corpo, o que foi agravado pela pandemia, com o fechamento das academias, dias todos em casa e várias coisas gostosas que tivemos a oportunidade de cozinhar.
Paulo engordou, assim como eu e a maioria da população. Amo que ele seja um homem vaidoso e que não alimenta ideias machistas sobre cuidado e beleza, mas Paulo se sente mal - aliás ele sente um pouco do que nós, mulheres, sentimos e passamos a vida toda sobre cobranças por um padrão estético inalcançável.
A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica constatou em pesquisa que a procura por procedimentos estéticos masculinos aumentou 30% nos últimos 5 anos, o que representa um número gigantesco dentro do país que mais realiza cirurgias plásticas no mundo.
Isso não se deu por acaso, sendo que a tendência já havia sido apontada a quase 10 anos atrás. Os homens serão cada vez mais cobrados em relação à aparência, coisa que nós mulheres temos sofrido por gerações. Para mim, enquanto mãe de um menino, funciona como alerta, mas uma coisa para observar na educação do meu pequeno.
Paulo é um homem negro. Um homem negro, orgulhoso, forte, lindo e sorridente. Como é comum numa sociedade racista não demorou para que ele fosse hiperssexualizado. Levado a entender que seu valor enquanto homem viria da sua aparência, beleza, força e virilidade, sendo os elogios a ele dirigidos sempre nesses moldes.
Paulo é muito inteligente, estratégico, sensível. Ele é a pessoa mais paciente que eu conheço, o que aliado a sua proatividade e socialização faz dele um exímio gerenciador de equipes... mas ele teve muita dificuldade em se enxergar assim, e demorou para explorar essas características em beneficio profissional.
Veio o sucesso profissional, o reconhecimento, mas ainda assim, o que mais incomoda o Paulo é não estar com o corpo que ele almeja, então faz regime, toma vitaminas, suplementos, remédios. Essa semana veio me contar que está pensando em uma cirurgia plástica para daqui a um ano se não alcançar os resultados que ele julga satisfatórios.
O Body Positive embora criado e utilizado por pessoas gordas e fora do padrão pertence a todos nós, todos os corpos e todos os gêneros. É mais uma perspectiva de vida, uma valorização do autoconhecimento que traz a descoberta e a priorização de novas qualidades, não apenas na aparência, mas para muito além dela, o que nos liberta e renova.
Alexandra Gurgel, minha xará querida é criadora do movimento Corpo Livre que fala muito sobre Body Positive, Body Neutrality e aceitação corporal sob os mais diversos paradigmas. Aos homens o movimento grita que tudo bem não ser o "The Rock", tudo bem não ser o rei do cross fit, a masculinidade vai muito além disso.
Paulo não precisa de cirurgia plástica, 98% das pessoas que fazem também não precisam, mas ele é adulto e tem plena capacidade de escolha e de fazer suas próprias ponderações. Mais uma anotação para lista da educação do Rael: reforçar todos os dias o quanto ele é inteligente, sensível, carinhoso, empático e o quanto isso é muito mais importante e valioso que sua nítida beleza.
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