117 anos

Ex-agricultora, alagoana nascida em 1902 desafia o Guinness como a pessoa mais velha do mundo

Carlos Madeiro Colaboração para Universa
Carlos Madeiro/UOL

A aposentada Josefa Maria da Conceição completou 117 anos no dia 2 de fevereiro deste ano. Moradora de Pilar, na Grande Maceió, a ex-agricultora é um ano mais velha que a japonesa Kane Tanaka, que, aos 116 anos, foi declarada em março a pessoa mais velha do mundo.

"Graças a Deus tô muito bem de saúde, não sinto nada", disse dona Josefa, que recebeu Universa em sua pequena casa revestida de azulejos brancos no último dia 20. Lá, Universa teve acesso aos documentos que comprovam a idade dela, e que agra estão à disposição do Guinness Book para um possível reconhecimento.

Dona Josefa não é de muitas palavras, apesar da se mostrar lúcida em praticamente tudo que fala. Para andar, ela precisa da ajuda de uma pessoa ou se apoia na parede.

A aposentada mora com dois dos 22 filhos —apenas 13 deles "se criaram", como diz. Desses 13 que conseguiram passar dos seis meses, apenas 4 estão vivos hoje. Netos? A própria família perdeu as contas do número.

A memória ainda guarda muitas lembranças, mas falha em alguns momentos. Quando perguntada sobre a idade, ela diz não saber com exatidão. "Uns cento e pouco", diz. Também não sabe a data de morte do marido, nem a quantidade de exata de filhos.

Mas dona Josefa guarda um hábito incomum para quem chega a uma idade centenária: fumar. "Fumo, e muito", revela, entre um cigarro e outro. Mas o fumo não é desses industriais "cheio de porcarias", mas sim de palha. "Não gosto desse cigarro, nunca gostei", diz ela, enquanto fuma e conversa com a reportagem.

Segredo para viver tanto? Dona Josefa diz que não tem.

Deus que consentiu de eu viver. Eu não fiz nada.

Ela se diz uma mulher feliz. Além da saúde, a maior alegria são os filhos e os amigos. "Não tenho intrigado nenhum, nunca fiz inimizade", diz. "Não dou conselho a ninguém, porque ninguém me ouve, não."

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O mundo era outro em 1902

Quando dona Josefa nasceu, o mundo era bem diferente. Por exemplo: as mulheres ainda esperariam 32 anos até que o voto feminino fosse colocado na Constituição brasileira.

O país ainda não possuía o Acre (negociado com a Bolívia em 1903), e ainda não tinha enfrentado uma de suas maiores revoltas, a da Vacina, que ocorreria em 1904.

No mundo, o avião 14 Bis ainda não tinha marcado época ao realizar seu voo em Paris. O planeta também não tinha vivido nenhuma de suas grandes guerras que assolaram especialmente a Europa.

A centenária se lembra de muitos acontecimentos históricos, e conta com sorrisos alguns causos do passado de sua vida em Pindoba, na zona da Mata alagoana. Foi lá que ela nasceu, foi criada, cortou cana e trabalhou por muitos anos na roça. Só depois de aposentada veio morar em Pilar. "Meu exercício era na roça, plantando batata, inhame, macaxeira", lembra. "Faço nada hoje não, fico só descansando e comendo", conta.

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Comportada, mas queima camisas com o cigarro

A filha que mora com ela, Cícera Rosane da Silva, 72, conta que a mãe não dá trabalho e é "comportada". "É assim o dia todo, da cama para o sofá. Anda agarrada na parede, mas vai só", diz.

O único problema que afeta dona Josefa, afirma a filha, está na visão. "Ela não anda enxergando mais nada", lamenta.

Por conta da pouca visão, ela conta que a mãe já queimou várias camisas ao manter o hábito de fumar. "Aí eu brigo com ela, e quando digo a ela que não vou mais comprar cigarro, ela fica brava", conta, aos risos, mostrando uma das camisas com diversos furos.

É Cícera quem faz a comida da casa onde vive dona Josefa. "Ela se alimenta muito bem, come só galinha sem o couro, uma carne magra, um charquezinho no feijão, arroz branco. Ou come uma bolacha, pãozinho, nada errado", assegura.

A filha ainda revela que a rotina da mãe é totalmente caseira. "Há mais de quatro anos que não sai de casa, só para ir ao médico", conta.

Numa das vezes que foi, no ano passado, teve diagnosticado câncer de pele no nariz, mas nada que tenha preocupado muito a família. "Disse que não precisava mexer", lembra.

Arquivo Pessoal Arquivo Pessoal

Saúde vai bem, obrigada

O médico que acompanha dona Josefa é Renato Rezende. Para Universa, ele afirmou que a saúde de dona Josefa está ótima, mesmo com o câncer de pele.

"Ela esteve no meu consultório há um tempo atrás com uma pequena lesão, ferimento na face, mas que pela idade não justifica mexer. Ela é lúcida, consciente, tem lembranças do passado e se alimenta sozinha. É uma pessoa extremamente saudável para os 117 anos", conta.

Segundo o prontuário do posto de saúde próximo de sua casa, a última vez que ela foi ao médico foi em janeiro.

Rezende diz que ainda se impressiona com a longevidade de dona Josefa. "É uma pessoa pobre, sem nenhuma cultura para se prevenir, fuma até hoje. Embora isso [fumar] não deva ser nenhum estímulo para uso de cigarro, é incrível como ela com essa idade ainda fuma e não tem nenhum problema de saúde", diz.

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Os 117 anos chegaram, mas ela continua como se tivesse bem menos, com boa memória de coisas do passado, se alimentando só, caminhando. É algo que impressiona

Renato Rezende, médico de Dona Josefa

O que fazer para viver tanto?

Para o geriatra e professor de medicina da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), Hugo Moura Melo, apesar de raro, é possível uma pessoa conseguir chegar a essa idade. Mas é preciso que exista "uma conjunção de fatores e que em algumas pessoas vão pesar mais para um lado do que para outras".

"A genética tem influência. Há pessoas que expressam oncogenes -que são genes relacionados ao surgimento de alguns tipos de cânceres- ainda na juventude, fato que se relaciona a maior risco de óbito precoce", diz.

Entretanto, ele diz que os hábitos de vida são até mais importantes que a genética. "Uma alimentação saudável com mais vegetais frescos, alimentos antioxidantes e sem agrotóxicos e menos produtos processados industrialmente; atividade física regular; não fumar; ter um ritmo de vida mais lento e menos estressante" são preponderantes, afirma o geriatra, citando também a saúde mental como exemplo.

"Conexões pessoais mais fortes, com relacionamentos felizes e que envolvem o cuidado do outro, são alguns dos fatores que comprovadamente influenciam na longevidade", completa.

Sobre o hábito de fumar cigarro de palha, ele afirma que não necessariamente o tabaco afeta todas as pessoas fumantes da mesma forma. "Tem atleta que morre de câncer com vida supersaudável. Tem tabagista que chega aos 100 anos. Nosso organismo tem mecanismos de correção de erros -poderíamos dizer que o câncer é um erro na diferenciação celular- que dependem de vários fatores, intrínsecos e extrínsecos. Alguns conseguem controlar e outros não", explica.

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Em busca do Guinness

O fato de dona Josefa ser a pessoa mais velha do mundo veio à tona em março, quando a japonesa Kane Tanaka, de 116 anos, foi considera pelo Guinness a mais idosa viva do mundo.

A descoberta de dona Josefa motivou a prefeitura da cidade a querer colocar dona Josefa no livro dos recordes. O prefeito da cidade, Renato Filho (PV), fez contato com o Guinness Book no Brasil. Ele afirma que os responsáveis pela auditoria de idade do livro cobram um valor de US$ 12 mil dólares (em torno de R$ 50 mil).

"Recebi o e-mail deles informando que, para poder constar esse tipo de informação, eles precisavam vir aqui fazer a aferição, e havia esse custo", diz.

Renato Filho diz que, inicialmente, ficou apreensivo em justificar o investimento público na busca, mas conta que pretende arrumar um meio de fazer o pagamento e colocar dona Josefa no Guinness. "Uma divulgação na mídia nacional nos ajudará muito nessa justificativa", afirma.

O Guinness Book no Brasil foi procurado por Universa, mas não respondeu.

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