Para Ana Flávia D'Oliveira, médica sanitarista e professora da Faculdade de Medicina da USP, o aborto é a ponta do iceberg em uma discussão sobre reprodução, gravidez indesejada – assunto comum, mas pouco explorado no âmbito social e da saúde –, orientação sobre contracepção, questões econômicas e liberdade sexual feminina.
“Há carências de métodos contraceptivos. As mulheres não são orientadas sobre quais são os mais indicados para cada uma delas – algumas não podem consumir hormônios, outras não podem colocar DIU de cobre (modelo oferecido pelo SUS). E, por mais que se usem todos eles, haverá falha. Sem contar que há médicos de família que não oferecem contracepção por conta de princípios religiosos”, afirma a médica
A propagação e a crença de que ser mãe é uma “bênção de Deus” deixa de lado dados que mostram que 55,4% das gestações no Brasil não são planejadas. De acordo com uma pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) de 2016, o número é mais alto do que a porcentagem média encontrada no mundo -- as Nações Unidas dizem que 85 milhões de gestações foram indesejadas, ou seja, 40% do total.
Há mais de 20 anos trabalhando com o tema aborto, Flávia Motta de Mattos, professora da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e conselheira titular no Conselho Estadual de Direitos Da Mulher (CEDIM-SC), acredita que a problemática vai além do debate de saúde pública.
“É uma forma de violência contra a mulher e seu aspecto violento se revela nas consequências sobre a vida e o corpo da mulher. Estando criminalizado o aborto no Brasil, a mulher é obrigada a recorrer a métodos clandestinos, duvidosos, com sofrimentos emocionais, físicos e consequências drásticas para sua saúde.
Num país supostamente laico, códigos morais de base religiosa orientam ações no campo da Saúde, Justiça e Legislação
Flávia Motta de Mattos, do Conselho de Direitos da Mulher (SC)