Câncer de mama

A doença que muda a feminilidade de mulheres comuns transforma suas vidas em histórias extraordinárias

Cíntia Marcucci Colaboração para Universa
Priscila Barbosa/Universa

Uma das coisas que mais intriga quando se fala em câncer de mama é o enorme número de variáveis que envolve a doença: não tem tumor igual, não tem tratamento igual, não tem processo igual. Ele acomete pessoas sem um padrão: mulheres jovens, com estilo de vida saudável, que tiveram filhos, mais velhas, pobres, ricas, famosas ou não. Pessoas comuns que, depois do diagnóstico, precisam encontrar seu método para lidar com a doença.

Por ser um tipo de câncer principalmente de mulheres (apenas 1% dos pacientes é do sexo masculino) e que atinge uma parte do corpo ligada à identidade feminina, quem passa por ele geralmente passa também por um processo de ressignificação da própria imagem.

Há muito envolvido quando uma pessoa descobre um câncer e se torna paciente: tem o tratamento, questionamentos e mudanças de estilo de vida que são pontos comuns a todos. As mulheres enfrentam ainda uma inversão do seu papel social de cuidadoras, já que agora passam a ser as que precisam ser cuidadas. O câncer de mama especificamente mexe com a sexualidade e com o autoconhecimento do corpo feminino, que até hoje são tabus.

Priscila Barbosa/Universa
Priscila Barbosa/Universa Priscila Barbosa/Universa

Autoconhecimento é o melhor autoexame

Melhor do que ter uma rotina de apalpar as mamas em momentos específicos do ciclo, hoje os especialistas recomendam que a mulher conheça seu corpo. Ela pode ainda apalpar as mamas, sempre que sentir que deve, sem determinar um ponto no calendário mensal.

O importante é conhecer o seu organismo como ele é saudável: qual o tamanho dos seus seios, se um é maior que o outro, mais voltado para um ou outro lado, a coloração e a forma dos mamilos, se há alguma secreção são fatores que devem ser observados. Verificar a textura da pele, a densidade (o quanto é rígida ou flácida) da mama e se ela dói sempre no mesmo momento do ciclo também é importante.

A partir daí, é mais fácil notar qualquer alteração e procurar um médico em caso de dúvida. Os exames de ultrassom devem ser feitos anualmente pelas mulheres adultas e a mamografia é indicada para quem tem mais de 40 anos ou quem tenha alguma suspeita ou risco aumentado (como casos de câncer de mama na família).

Ressiginificar o próprio corpo e seu lugar no mundo

Amanda Perobelli/Universa Amanda Perobelli/Universa

Outra pessoa no espelho

"Não tive coragem de me assumir careca fora de casa. Fiquei em casa na fase da queda intensa e doei a peruca depois para mulheres que não podem comprar uma. O duro do câncer é que você não sente a doença. Aí começa o tratamento e se olha no espelho e vê outra pessoa, com olheiras, pálida, sem cabelos. Via uma mulher morrendo no espelho e eu não sentia nada. Eu me lembro de acordar da anestesia e colocar a mão imediatamente para ver se o seio estava lá. E chorar quando o senti, mesmo sendo a prótese." Camila Oliveira, 33 anos

Thamires Santiago/Universa Thamires Santiago/Universa

Parei de sentir pena de mim mesma

"Todos te olham com piedade, você se sente um ET. Por conta de uma complicação na segunda mastectomia eu fiquei sem prótese da mama direita por alguns meses. Senti pena de mim mesma por uns 20 minutos e depois parei. Meu marido aprendeu a fazer nós e flores nos lenços que eu usava e eu descobri outro visual, outra beleza. A gente aprende a se ver bonita para além da aparência." Priscila Borges, 38 anos

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Aquilo mudou meu corpo e meu jeito de ser

"Eu não sou tão ligada nas questões de aparência, mas ver as unhas fracas e escuras me incomodava muito. Acho que o mais difícil de tudo é encontrar o lugar que você vai ocupar. O que você irá fazer dali pra frente, com aquele obstáculo que mudava meu jeito de ser, mudava meu corpo como eu o conhecia." Ana Cecília Schutzer, 55 anos

Priscila Barbosa/Universa
Divulgação/Tati Stramandinoli Divulgação/Tati Stramandinoli

No corpo feito tatuagem - que é para dar coragem

Em alguns tratamentos, há mulheres que precisaram também retirar os mamilos e a aréola optam por fazer tatuagens no local. O procedimento já foi foco de várias campanhas ligadas ao Outubro Rosa e cada vez mais tatuadores se especializam em fazer o procedimento, como é o caso de Bárbara Nhiemetz, de Curitiba e o estúdio Led’s Tattoo, de São Paulo.

Há quem faça desenhos realistas que reproduzam a cor e formato de mamilos reais e há quem prefira cobrir as cicatrizes com outros desenhos. O procedimento não tem contraindicações e a única restrição é que ele não deve ser feito durante o tratamento por conta da queda na imunidade das pacientes.

Dar o peito não faz bem só para o bebê

A função biológica das mamas é também uma forma de prevenção contra o câncer. Embora os tumores não sigam um roteiro definido para se formarem em uma ou outra pessoa, estudos apontam que a cada 12 meses de aleitamento as chances de câncer de mama caem de 4,3% a 6% (de acordo com uma revisão de estudos epidemiológicos de 30 diferentes países, incluindo mais de 140.000 mulheres, publicado em 2002 e ainda hoje referência para o tema).

Uma das explicações para isso é que muitos tipos dos tumores que afetam as mamas são influenciados por hormônios como o estrogênio, que fica com a produção alterada durante o aleitamento – o que acaba protegendo, de certa forma. Além do câncer de mama, a amamentação também auxilia na prevenção do câncer de ovário.

A amamentação após o tratamento do câncer não é impossível. Depende do tipo de mastectomia realizada e de suas variáveis (se ocorreu nos dois seios, se foi radical ou só no quadrante afetado e se foi possível preservar os ductos e tecidos mamários, além dos mamilos e aréola).

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Compartilhar as crises também faz bem

Nem só de fotos de viagens e amigos sorrindo são feitas as redes sociais. O tema da campanha Outubro Rosa de 2018 é #CompartilheSuaLuta. Falar sobre o câncer de mama, além de desmistificá-lo e ajudar na prevenção, faz bem para pacientes e familiares que estão passando ou já passaram pela doença.

Para facilitar esse compartilhamento de experiências, diversas instituições investiram na criação de redes sociais e plataformas que unissem pessoas de acordo com seus interesses e momento.

Um deles é o Mamatch, aplicativo criado pela Femama (que coordena o Outubro Rosa no Brasil). O mesmo match dado nos aplicativos de paquera ocorrerá entre pacientes, profissionais de saúde, familiares, ONGs de apoio, usando a localização geográfica como referência. Também é possível tirar dúvidas com um atendente virtual. Assim, é possível formar redes de apoio mais amplas e diversas, e facilitar o encontro dessas pessoas e de suas lutas. 

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As mulheres superam, cada uma a sua maneira, ninguém é personagem de novela, somos humanas. Não é fácil, nos sentimos sozinhas, mas passa

Ana Cecília Servulo da Cunha Schutzer, 55 anos

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Nem heroína, nem guerreira

No dia de sua formatura como advogada, seis anos atrás, Ana Cecília Servulo da Cunha Schutzer, 55 anos, estava de peruca. Ela tinha começado a quimioterapia poucas semanas antes para o tratamento do tumor no seio direito que havia descoberto nos exames de rotina no final de 2011 e confirmado a malignidade um dia antes de sua colação de grau, em janeiro de 2012.

Além dos três centímetros do tumor, o câncer tinha comprometido também os linfonodos. Nas cirurgias, retirou primeiro o quadrante da mama afetada e depois os linfonodos. Ana Cecília é mãe de dois filhos que hoje têm 29 e 25 anos. Diz que tanto na cirurgia quanto nas sessões de quimioterapia e radioterapia não teve maiores problemas.

O mais difícil foi o depois. Os remédios que causaram insônia, a depressão que teve em 2013, a dificuldade do filho ainda muito novo para lidar com tudo, a aceitação de ser para sempre uma paciente de câncer e o pensamento constante de que a doença pode voltar.

Não gosta de ser chamada de heroína nem de guerreira, pois isso dá a impressão de que você precisa ser extraordinária e forte para supera um câncer. “Não precisa. As mulheres superam, cada uma a sua maneira, ninguém é personagem de novela, somos humanas. Não é fácil, nos sentimos sozinhas, mas passa”.

Thamires Santiago/Universa
Thamires Santiago/Universa Thamires Santiago/Universa

A surpresa da gravidez após um câncer

Em 2010, após 4 anos de casada, a jornalista Priscilla Borges, 38, e o marido pensavam em ter um filho. Ela já era mãe de um menino de outro relacionamento e a ideia fazia sentido. Em um exame de rotina no fim daquele ano, ela descobriu um caroço no seio esquerdo, mas não se preocupou muito. Fez o exame de ecografia e uma biópsia, mas nem abriu o envelope: esperou que o médico o fizesse na consulta do meio de janeiro.

Na sala de espera, ela abriu o exame. Leu carcinoma. O tumor tinha por volta de um centímetro e a opção de tratamento foi a mastectomia radical da mama esquerda para depois começar as sessões de quimioterapia.

Em um dos muitos exames que fez, a profissional que a atendeu falou sobre congelamento de óvulos antes da quimio. Ela e o marido então decidiram congelar embriões pra quando fosse possível retomar o projeto de ter um filho. Logo depois, Priscila descobriu que tem uma mutação genética que tornaria o risco do câncer voltar muito alto e, com os médicos, decidiu tirar também a outra mama como prevenção, em procedimento similar ao que fez a atriz Angelina Jolie.

Em outubro de 2016, Priscila terminou o ciclo de tratamento de hormonioterapia (que dura de cinco a dez anos). Mas não voltou a pensar em gravidez, até porque, além do seu corpo ainda estar em readaptação, precisou cuidar da avó doente e o marido passou meses fora do país a trabalho.

A maior reviravolta da história toda aconteceu em junho de 2017, durante uma ecografia de rotina, quando ela descobriu que estava grávida de 10 semanas. Gustavo nasceu no fim de dezembro e, contrariando tudo que a medicina poderia prever, Priscila ainda conseguiu amamentá-lo – complementando com fórmula – por três meses com o leite que “surgiu” da mama esquerda, exatamente a que teve o câncer.

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Aprendi a viver o agora, a ter mais empatia. Fiquei mais leve, mesmo que a cada exame tenha receio do resultado. Minha vida é agora

Camila Lima Verde Domingues de Oliveira, 33 anos

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Um dia eu acordei com câncer

Quando a economista Camila Lima Verde Domingues de Oliveira, 33 anos, acordou naquele dia, uma vermelhidão na parte superior do seio direito lhe chamou atenção. O vermelho saiu, mas ficou um caroço que a levou a marcar uma consulta o mais rápido que conseguiu. Era setembro de 2015, ela tinha feito exames de rotina em maio e estava tudo bem. Ela foi refazer exames e ali já percebeu que algo não ia bem, já que os profissionais a “reviravam” muito.

Do retorno ao consultório com os exames em mãos, o médico pediu para que ela saísse dali diretamente para o atendimento oncológico de um hospital em São Paulo. O tumor maligno que ela tinha era extremamente agressivo, era preciso eliminar todas as possibilidades do câncer já ter se espalhado para os ossos, o cérebro ou o pulmão. No dia seguinte, internada, ela comemorava cada vez que alguém da equipe entrava no quarto para dizer o resultado do exame era negativo para algum tipo de metástase. A suspeita é que seu câncer fosse do tipo genético, mas após os exames o resultado mostrou que não, que a causa era totalmente aleatória.

Camila não quis parar de trabalhar. Saia da quimio e da radio e ia para o escritório, a não ser quanto não tinha jeito. Lidar com os problemas da empresa, acabava tirando da cabeça o foco de sua própria doença. Começou a fazer exercícios físicos (se ela fortalecesse os músculos da região a aceitação da prótese após a mastectomia seria melhor), passou a adorar beber água, se alimentar melhor e mantém hoje esses hábitos. Passou por uma sofrida separação, do casamento que já não vinha bem antes da doença ser descoberta.

Retirou e reconstruiu a mama e segue em tratamento com a hormonioterapia. No início deste ano, descobriu precocemente uma mancha na perna que era metástase para os ossos. Também eliminou essa ameaça. Camila sabe que, se um dia quiser engravidar, talvez não possa amamentar. Mas não pensa nisso. “Eu acordei um dia com câncer. Então aprendi a viver o agora, a ter mais empatia. Fiquei mais leve, mesmo que a cada exame tenha receio do resultado. Minha vida é agora”.

Fontes: Equipe multidisciplinar do Hospital Santa Paula: Anezka Ferrari, oncologista;  Eduardo Petribu, cirurgião oncológico; Luiz Gonzaga, psicólogo especializado em oncologia; Milena Reis, médica paliativista e Tiago Kenji, oncologista. Moises Chencinski, pediatra e presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de São Paulo; Letícia Cecagno, Coordenadora de Comunicação Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de apoio à Saúde da Mama - FEMAMA.

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