Eu, sugar baby

Saí um mês com homens dispostos a pagar por atenção, vídeo erótico e até para ter a disfunção erétil resolvida

Talyta Vespa Colaboração para Universa
Marcos Farrell/Universa

Se você não sabe o que é uma sugar baby, explico: é uma mulher jovem, em geral, que quer ser mimada --com presentes caros, viagens, entre outras "cositas" a mais -- por um homem com grana, um sugar daddy. E há redes sociais especializadas em fazer com que um encontre o outro.

Decidi me inscrever em um site do segmento, para entender como um relacionamento -- tão explicitamente baseado em interesses -- funciona. A princípio, pensei que fosse como qualquer outra rede social do gênero, com aquele papo inicial na linha “o que você gosta de fazer”, “que tipo de música curte”... Descobri que não é bem assim.

Logo de cara me deparei com homens que queriam pagar para gozar na minha boca e com outros que gostariam de dirigir vídeos eróticos comigo.

Também me encontrei com um publicitário bem-sucedido, que buscava uma mulher para resolver sua disfunção erétil, e recebi incontáveis promessas de presentes. A mais bizarra foi para trocar a armação dos meus óculos.

Antes de qualquer conclusão a respeito da natureza dos relacionamentos sugar, é preciso dizer que os sites desse universo se descrevem como “uma forma de unir pessoas com interesses em comum”. Tá. Fui ver.

Seleção: fotos e português impecáveis

A principal rede social sugar no país se chama Meu Patrocínio – tentei me inscrever no site, mas estou há cinco meses na fila de espera e, até a publicação desta reportagem, nada.

Segundo a assessoria de imprensa, a relação entre o número de solicitações de sugar babies é dez vezes maior do que o de daddies, por isso há critérios para aprovação.

“Todas as inscrições entram em uma fila de espera, e o processo pode durar mais de uma semana”, afirmou Ana Maria Lima, assessora da empresa.

A equipe avalia, em primeiro lugar, a qualidade das fotos -- precisam ser nítidas, terem boa iluminação e não podem ser sensuais ou pornográficas. A qualidade do texto também é avaliada, tanto o conteúdo quanto a gramática.

“A forma como os usuários se expressam pode causar exclusão da inscrição”, explicou Ana.

Como minha aprovação nunca chegou, foi na concorrente gringa Seeking Arrangement que pude desbravar esse mundo.

Logo nos primeiros encontros, concluí que o universo sugar se desenvolve de forma oposta aos relacionamentos “normais”.

Quando a gente começa a sair com alguém, primeiramente, vem a química, depois, a paixão, o amor e só depois passa-se a pensar em questões da vida prática, como dinheiro.

No relacionamento sugar, antes de qualquer coisa, vem a parte financeira, em um segundo momento, pode ser que venha a paixão e o amor.

Eric dirigia nudes e vídeos eróticos

O primeiro homem com quem conversei foi Eric*, um americano de 45 anos a fim de uma amizade um tanto quanto incomum.

Assim que começamos a conversar, ele colocou as regras do jogo: não pretendia vir ao Brasil, muito menos que eu fosse aos Estados Unidos. O que ele queria era uma mulher que satisfizesse seus desejos à distância.

“Quero uma sugar baby que converse comigo durante o dia todo, que realmente sejamos amigos. E que, pelo menos uma vez ao dia, envie-me vídeos e fotos eróticas. Faço a transferência do dinheiro para a sua conta na mesma hora.” 

Os detalhes eram contratuais. Cada foto valia até 50 dólares, enquanto, por cada vídeo, ele pagaria cem.

A foto tinha de mostrar bastante. Era ele quem definia os ângulos: rosto e corpo nu rendiam a mim o prêmio máximo.

Só o corpo, com uma mão bem direcionada, ali no lugar certo, renderiam 30 dólares. Se eu quisesse registrar apenas as minhas partes íntimas, 20 dólares.

Os vídeos também tinham regras: deveriam ter de três a quatro minutos, e era o próprio Eric quem dirigiria as poses.

“Com a minha ex-sugar baby, eu definia o vídeo do dia. Procurava inspirações na internet, em vídeos pornôs. Ela intercalava. Em um dia, mandava gravações se masturbando com a mão. Em outra, usava objetos. Mas o que mais me agradava era quando ela transava com outro homem e filmava. Até pagava 50 dólares a mais, quando ela mandava esses”, contou Eric.

A dúvida que tomou conta de mim foi: por que raios esse homem paga para ver vídeos e não para transar com alguém? A resposta veio na lata: “Sou casado e não quero trair minha mulher. Fazendo isso, satisfaço meus desejos sem ser infiel”. Freud explica?

João queria 'uma novinha'

Dispensei Eric e marquei um encontro com João, um paulistano de 55 anos, empresário e solteiro.

Outro que, logo de cara, mandou um papo reto. “Busco uma novinha que queira viajar o mundo, beber um bom vinho, comer do bom e do melhor... Uma mulher que saiba se portar em público, para me acompanhar em grandes eventos.”

João e eu marcamos um encontro em um café. Grisalho, ele chegou usando uma elegante camisa social azul, uma calça preta e sapatos artesanais, que, fez questão de me contar, tinham custado quase R$ 3.000.

“Comprei hoje para te encontrar. Só não comprei um par para você porque não sabia que número usa”, disse.

João queria compromisso: transformar uma jovem estudante em uma primeira-dama cheia de roupas e sapatos de grife.

“Nunca me casei. Sempre achei a vida de solteiro a melhor escolha que alguém poderia fazer. Mas estou ficando velho, não sou mais bonito como era na juventude, então, decidi usar o meu dinheiro a meu favor”, contou.

“Não quero só sexo. Quero um relacionamento, alguém para cuidar de mim até eu ficar bem velho. É claro que estou disposto a pagar por isso, afinal, adoro sexo. Na cama, gosto de dominar. O que você acha disso?”, perguntou a mim. Diante da minha cara assustada, e tentando não parecer deselegante, ele mudou de assunto.

“Vou te contar porque meus últimos relacionamentos com sugar babies deram errado. Sou metódico. Não tem essa de ‘ah, hoje, não’, quando quero transar. Afinal, estou bancando.”

João pediu um café e disse que precisava do meu beijo para adoçar aquele amargo. Comentei que achava que ainda era cedo, afinal, estávamos nos conhecendo. Mas, como ele mesmo havia dito, não gostava de ouvir um não.

“O que preciso comprar para você mudar de ideia? Quer uma armação nova para os seus óculos? Essa te deixa com cara de criança. Posso te dar a marca que quiser.”

João era insistente. “Você não veio aqui só para tomar um café por minha conta, não é mesmo?” Ok, João, foi ótimo, acho que a gente não combina, mesmo. Até a próxima.

Histórias de babies

  • Larissa*, 23

    "Encontrei um daddy com quem me relacionei por três anos. Nós nos víamos uma vez por semana, ele era casado, passávamos o dia juntos e era muito legal. Ele pagava o aluguel da minha casa e me ajudava com todas as contas."

  • Giovanna*, 29

    "Fui sugar baby dos 19 aos 27 anos. Tive vários daddies e, às vezes, mais de um ao mesmo tempo. Eles tinham perfis diferentes: um queria um relacionamento, o outro, uma companhia para conversar. Eu me enquadrava em todos. Tive as melhores roupas de grife e finalizei a faculdade com a ajuda deles."

  • Luísa*, 18

    "Comecei agora no universo sugar. Por enquanto, só encontrei babaca que queria pagar por sexo. Um cara me ofereceu R$ 1.000 por três noites em um hotel no Rio. Segundo o daddy, a gente nem precisava se falar depois desse período."

  • Jéssica, 25

    "Nós dois buscávamos namoro dentro do sugar. Eu procurava alguém para me auxiliar nos estudos e investir na minha carreira, e ele procurava por uma mulher para relacionamento sério. A gente saiu e bateu afinidade, fui deixando acontecer naturalmente."

  • Patrícia, 32

    "Perdi o emprego e recorri ao universo sugar na tentativa de encontrar alguém que pudesse me ajudar. Só conheci homens dispostos a pagar por sexo. Meu desespero estava tão grande que precisei aceitar." | Nomes trocados a pedido das entrevistadas

Douglas: viciado em pornô e sem ereção

Antes mesmo de a gente se encontrar, Douglas, 30 anos, abriu jogo e disse não ser exatamente rico. Mas falou que estava disposto a se esforçar para conseguir mimar uma mulher.

Sugeri que nos encontrássemos em um café, mas ele devolveu um “que tal um bar ou um motel?”. A gente tinha trocado meias palavras até então. Fiquei com a primeira opção.

Ele era bonito, mesmo. Fiquei encucada. Por que um cara como esse estaria disposto a pagar por uma mulher? No meu terceiro sugar, já tinha entendido que, quanto mais direta fosse, mais respostas conseguiria. Questionei: “Sem que a gente tivesse se visto, você quis marcar em um motel. Por quê?”.

“O objetivo não é a gente transar? O site é para isso. Achei que não tivesse problema mandar a real”, devolveu.

Diretor de conteúdo de uma agência de publicidade, solteiro e sem filhos, ele falou que queria se apaixonar novamente. Tenso e aparentemente com medo de que alguém nos ouvisse, revelou: “Faz dez anos que não tenho uma ereção com uma mulher na cama”.

Arregalei os olhos, surpresa. “Sou viciado em pornografia. Quando comecei a trabalhar em agência, aos 22, a situação piorou. O ritmo de trabalho é pesado e a pressão, gigantesca. Todos os dias, ao chegar em casa, precisava me masturbar e assistir a um vídeo pornô. Por causa da rotina, mal tinha tempo para encontrar mulheres. Até que, seis anos atrás, marquei um encontro com uma moça que conheci em um bar. Na hora H, não consegui”, contou.

A princípio, disse não ter encanado, mas a situação passou a ser rotineira. Sempre que saía com alguém, não conseguia ter ereção. “Estou disposto a pagar por alguém que consiga mudar isso.”

Sugeri terapia, mas ele se ofendeu. "O pornô nos insere em uma realidade que não existe. Se pudesse voltar atrás, jamais teria assistido a um vídeo sequer. Estragou minha vida.”

Três horas de conversa depois, Douglas desistiu de tentar algo a mais comigo. “Obrigada por me ouvir, foi muito importante para mim. Vou continuar tentando mudar essa realidade. Estou há dois dias sem assistir a filmes pornográficos. Tenho tomado remédio para dormir, mas faz parte, um vício substitui o outro.”

Climão com o daddy português

Precisei de um intervalo de uma semana para tentar absorver tudo aquilo antes de encontrar meu último daddy. Desinstalei o app e, quando voltei, havia novos pretendentes no pedaço.

O primeiro que veio puxar papo foi Nuno –um empresário português que está no Brasil há 30 anos. Ele tem 50, é casado, tem filhos e família do outro lado do Atlântico. Buscava uma mulher para chamar de sua aqui no Brasil, mas “sem cobranças e com muito carinho”.

Marcamos um encontro perto da minha casa, em um café de um shopping. Cheguei às 11h, ele, 15 minutos depois. Avistei-o de longe. Alto, calvo, óculos de grau, de paletó e gravata. Quando me viu, abriu um sorrisão. Cumprimentou-me com um abraço apertado e me convidou para dar uma volta. Fomos.

A cada loja, perguntava o que mais me agradava nas vitrines. Chutava qualquer coisa, já que não estava ali para fazer compras.

Perguntei sobre seus antigos relacionamentos sugar e os motivos pelos quais eles acabaram. “Todos foram maravilhosos, conheci meninas lindas e as transformei em mulheres. Paguei faculdade, pós-graduação, e elas foram viver as próprias vidas. Eu me sinto um trampolim, que impulsiona garotas sem perspectiva.”

Resolvi dar uma provocada. “Elas eram pobres?”, rebati. “Não. Eram de classe média.” Não aguentei e fui além. "Se a intenção era ajudar, por que você não se relacionava com garotas que estudaram em colégio público, com mais dificuldade de ingressar em uma universidade?, questionei. “Gosto de mulher bem cuidada, com classe.”

Nuno falou que não queria uma mulher disponível sempre, mas que vivesse a própria vida, e que ele pudesse fazer parte dela. “E sexo?”, perguntei.

“Sexo faz parte de qualquer relacionamento, não?”, riu. “Mas se a ideia é ajudar as moças, você teria um relacionamento com alguém que não se sentisse à vontade para transar?”.

Ele pensou bastante antes de responder. “Acho que não. O relacionamento sugar é um namoro. Ajudo porque amo. Mas por que quer saber isso? Aposto que não é um problema para você, com essa carinha de safada.” Pausa no relato para dizer que esse foi o momento mais constrangedor de toda essa reportagem. Ignorei.

“Se ajuda financeiramente uma garota em troca de sexo, não acha que é um tipo de prostituição?”, continuei. Nuno se irritou e elevou o tom de voz. “Você é puta, por acaso? Se é, não é o que eu estou buscando. Está fazendo perguntas demais.”

Justifiquei que era apenas muito curiosa. Usei o climão como desculpa e finalizei o encontro.

Transparência x prostituição de luxo

As experiências que tive no universo sugar me fizeram concluir que se trata de um tipo de prostituição de luxo. Mas a CEO do site Meu Patrocínio, Jennifer Lobo, defende que são coisas bem diferentes.

“Trata-se apenas de uma relação transparente e honesta desde o início. Nos relacionamentos, há um tabu para se falar sobre dinheiro, finanças e expectativas em geral. Mas 57% de divórcios são causados por incompatibilidades financeiras. O estilo de vida deve ser combinado com o parceiro para evitar brigas”, afirmou Jennifer.

Segundo a CEO, no Meu Patrocínio, os usuários assinam um termo afirmando que não trabalharam nem pretendem trabalhar como profissionais do sexo. “Se alguém se comporta como tal e recebermos denúncia, o perfil é excluído.”

De acordo com o Seeking Arrengement, “não é permitido nenhum profissional do sexo entre os membros do programa nem nenhuma relação que envolva pagamento direto”.

O que aprendi com o universo sugar

Definitivamente, não sirvo para o universo sugar. Há diversos tipos de abordagem, mas, em todas elas, nós, mulheres, somos apenas um objeto para satisfazer o desejo de um homem.

Conheci algumas sugar babies que estavam muito confortáveis em suas posições. Diziam-se empoderadas, felizes e não diminuídas por seus daddies. E tudo bem. Cada uma lida com essa dinheirama toda de uma forma. Ninguém está aqui para fazer julgamentos.

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