Maioria da população brasileira (55,8%), pretos e pardos ainda enfrentam uma substancial invisibilidade social. O cenário se agrava quando os olhos se voltam à mulher negra, duplamente vulnerável. “Vivemos à margem de uma sociedade machista e racista”, afirma Maria Sylvia de Oliveira, advogada, ativista e presidente do Geledés Instituto da Mulher Negra.
São elas as que mais morrem. Segundo levantamento do Atlas da Violência 2017, divulgado pelo Ipea, o homicídio de mulheres negras aumentou 22%, ao passo que o das brancas caiu 7,4%. Um balanço da Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180, de 2015, constatou que 59,71% das vítimas de violência doméstica são negras.
“Esse ano, comemoramos 130 anos de abolição da escravatura, uma abolição inconclusa”, define Maria Sylvia. “Mulheres negras ainda não são reconhecidas como sujeitos de direitos e correspondem à base da pirâmide social.” Para ela, além dos dados anteriores, os do sistema prisional brasileiro são definitivos para essa avaliação.
Entre 2000 e 2014, o índice de mulheres encarceradas no Brasil saltou de 6,5 para 36,4 a cada 100 mil. O Ministério da Justiça estima que duas em cada três sejam negras e cometeram crimes não violentos, usualmente sob ordens de alguém, como o companheiro. Além disso, são impactadas pela violência racial que mata ou prende seus filhos, maridos, sobrinhos e netos.
O retrato da desigualdade não para por aí. A dimensão educacional revela que 23,5% das mulheres brancas têm ensino superior completo, um percentual 2,3 vezes maior do que o de mulheres pretas ou pardas (10,4%), de acordo com o levantamento do IBGE 2016. No mercado de trabalho, as negras recebem 40% do salário de um homem branco e 58% da remuneração de uma mulher branca.
“É de responsabilidade do Estado garantir o pleno desenvolvimento da população não branca”, diz Maria Sylvia, que também responsabiliza a sociedade civil pela desigualdade racial. “Eles não são culpados pelo nosso passado escravagista, mas são responsáveis pelos privilégios herdados desse sistema que são confundidos com direitos e meritocracia.”
Por isso, defende como fundamental a adoção de cotas raciais em todas as esferas. “Cota é reparação histórica, uma ação afirmativa temporária.”