O que é feminismo? Quais as vertentes do movimento e o que defendem?
À medida que a sociedade avança, principalmente em um mundo em que as mídias sociais aceleram as discussões, os entendimentos sobre um tema tendem a ser retomados e revistos de maneira constante. Perspectivas se somam, trazendo camadas de complexidade aos assuntos. É o caso do feminismo.
Universa, então, reuniu abaixo algumas das dúvidas mais recorrentes sobre o pensamento feminista, buscando trazer referências de pensadoras para cada um dos casos, das clássicas às contemporâneas - um caminho das pedras para quem deseja seguir se informando.
Feminismo: o que é, quais as vertentes e mais
O que é feminismo?
Em essência, o feminismo defende a igualdade de direitos entre os gêneros e a manutenção de direitos já conquistados pelas mulheres, levantando pautas que giram em torno das desigualdades e opressões várias e suas consequências: acesso à educação, pobreza e dignidade menstrual, violência doméstica, violência obstetrícia, feminicídio, desigualdade salarial entre gêneros, objetificação de mulheres, segurança pública etc.
Como surgiu o feminismo?
A publicação "Reivindicação Pelos Direitos da Mulher", de 1792, escrita pela inglesa Mary Wollstonecraft, é considerada um dos primeiros registros do pensamento feminista. Mary é, portanto, entendida como uma das fundadoras do movimento.
A francesa Olympe de Gouges é também um nome associado ao surgimento do feminismo. As pautas defendidas por elas envolviam a educação das mulheres, o direito ao voto e a igualdade no casamento, conquistas que só viriam a partir do século seguinte, partindo das sufragistas.
Há, porém, autoras que reforçam que outros países fora da Europa também tinham um movimento de mulheres organizadas por seus direitos. Em "Feminismos: Uma História Global" (ed. Compahia das Letras), lançado no início de 2022, Lucy Delap revê a história do movimento e cita alguns exemplos, como em Serra Leoa, na África, onde, também em 1792, um grupo de mulheres já havia conquistado o direito ao voto por meio da própria luta.
Qual é o contexto atual do feminismo?
Cronologicamente, o feminismo é dividido em ondas, que nada mais são que períodos de grande movimentação e articulação de pautas feministas, com as devidas observações*. O momento atual é, então, considerado por pessoas que estudam o assunto a quarta onda feminista, em que a massificação do debate por conta das mídias contribui para a identificação com o movimento e suas correntes.
É também um momento em que direitos anteriormente conquistados se veem ameaçados ou até retirados, como foi o caso da derrubada da decisão que garantia o direito ao aborto nacionalmente nos Estados Unidos, autorizado desde 1973.
É, ainda, um momento em que violências contra o corpo feminino são normalizadas e até banalizadas, situação que se amplia quando vêm a público casos como o de Klara Castanho ou o estupro da mulher grávida pelo anestesista Giovanni Quintella. É um contexto onde um estupro a cada 10 minutos e um feminicídio a cada 7 horas ocorre, só no Brasil. Tudo isso mais que justifica o feminismo enquanto fundamental ainda hoje.
*É o que as escritoras Koa Beck e Rafia Zakaria pontuam em seus livros "Feminismo Branco: Das Sufragistas às Influenciadoras e Quem Elas Deixam para Trás" (ed. Harper Collins) e "Contra o Feminismo Branco" (ed. Intrínseca), respectivamente
O que significa ser feminista e quais as principais vertentes?
Assim como as mulheres, o feminismo também é múltiplo. Embora de nome único, ao longo do tempo o movimento foi percebendo as próprias camadas e ativistas passaram se desdobrar em diferentes correntes, isto é, o entendimento de feminismo pode ser diferente a depender das bandeiras e prioridades que cada corrente levanta e defende. Veja abaixo algumas vertentes.
Feminismo liberal
Inaugurado no período da Revolução Francesa, tem Mary Wollstonecraft como principal nome. De maneira geral, tem a ver com a luta de mulheres pela ocupação de espaços de poder e por direitos iguais aos dos homens, via legislação. É por vezes criticado por ter nascido em um contexto que não incluía uma visão de raça e classe e por pautar a luta apenas sob uma perspectiva branca.
Feminismo negro
Inclui as necessidades e pautas de mulheres que não se viam representadas pelo movimento, majoritariamente branco, até então e parte do princípio da dupla opressão, por ser mulher e por ser negra. São referências do pensamento feminista negro bell hooks, Angela Davis e as brasileiras Sueli Carneiro, Lélia Gonzalez e Djamila Ribeiro.
Feminismo interseccional
Entende a luta feminista como inseparável de lutas contra o racismo ou a LGBTfobia, visto que o racismo, o capitalismo e o patriarcado —com a predominância de uma lógica cisgênera, heterossexual e machista— existem juntos, o que leva as opressões a se somarem: sofre-se por ser mulher, preta, trans e/ou não hétero.
São referências a própria autora do termo "interseccional", Kimberlé Crenshaw, e as pesquisadoras brasileiras Jaqueline Gomes de Jesus e Carla Akotirene, autora do livro "Interseccionalidade" (ed. Jandaíra), da coleção "Feminismos Plurais".
Feminismo social, socialista ou marxista
É a corrente que aponta no capitalismo o ponto de partida das opressões sofridas por mulheres, visto que ele se constrói a partir de uma estrutura de dominação. São feministas sociais as pensadoras Silvia Federici, Nancy Fraser, Wendy Goldman e Rosa Luxemburgo.
Ecofeminismo
De maneira simplificada, é o feminismo que crítica a visão do homem enquanto superior a outros seres vivos, esbarrando em questões como a objetificação do corpo feminino a violência contra a mulher. São referências de ecofeminismo as autoras de "A Política Sexual da Carne" (ed. Alaúde), Carol J. Adams, e "Manifesto Ciborgue" (ed. Monstro dos Mares), Donna Haraway.
Feminismo radical
É a corrente que prevê um reordenamento da estrutura da sociedade, eliminando os gêneros e, como consequência, seus papeis sociais, única alternativa possível de combate às opressões da lógica dominante. Algumas pautas associadas ao feminismo radical são a maternidade compulsória e a abolição da prostituição e da pornografia. Shulamith Firestone e Judith Brown são as fundadoras da corrente.
Hoje, há críticas em relação ao feminismo radical por ser uma corrente que pode cair em um lugar de marginalização e exclusão de grupos sociais, como as mulheres trans. Como o entendimento de gênero está ligado ao nascimento, algumas mulheres que se afirmam feministas radicais acabam justificando a luta com ideias consideradas transfóbicas.
Vale mencionar que as outras correntes feministas não necessariamente excluem umas às outras; pelo contrário, a junção de entendimentos diversos pode ser benéfica para a ampliação da visão de mundo. A sociológica Sabrina Fernandes, por exemplo, do canal Tese Onze, se autointitula ecofeminista marxista.
Como posso me aprofundar na questão do feminismo?
Além das autoras clássicas como Virginia Woolf ("Um Teto Todo Seu", ed. Tordesilhas, de 1929), Simone de Beauvoir ("O Segundo Sexo", ed. Nova Fronteira, de 1949) e Judith Butler ("Problemas de Gênero", ed. Civilização Brasileira, de 1990), muitas outras mulheres, históricas ou contemporâneas, são dignas de atenção e reconhecimento pela contribuição ao debate.
Angela Davis, bell hooks, Lélia Gonzalez e Djamila Ribeiro são algumas delas, além das demais mencionadas até aqui. Universa reuniu abaixo algumas referências para quem deseja saber mais sobre as diferentes correntes e perspectivas feministas.
Primeiras referências
- "O Feminismo é Para Todo Mundo: Políticas Arrebatadoras", bell hooks, ed. Rosa dos Tempos (2000)
- "Sejamos Todos Feministas", Chimamanda Ngozi Adichie, ed. Companhia das Letras (2014)
- "Mulheres, Raça e Classe", Angela Davis, ed. Boitempo, (2016)
- "Quem Tem Medo do Feminismo Negro?", Djamila Ribeiro, ed. Companhia das Letras (2018)
- "Feminismo Para os 99%: Um Manifesto", Cinzia Arruzza, Nancy Fraser e Tithi Bhattacharya, ed. Boitempo (2019)
Produção brasileira
- Coleção "Feminismos Plurais", organizada por Djamila Ribeiro, ed. Jandaíra (2017-2020)
- Coleção "Pensamento Feminista", organizada por Heloisa Buarque de Hollanda, ed. Bazar do Tempo (2019 e 2020)
- "Monumento Para a Mulher Desconhecida: Ensaios Íntimos Sobre o Feminino", Renata Corrêa, ed. Fábrica 231 (2022)
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