Homofobia é crime? Saiba o que é, como denunciar e qual a pena
Por mais que ainda não exista uma lei exclusiva, a homofobia é considerada crime desde 2019 após decisão do Supremo Tribunal Federal. Contudo, o número de pessoas que sofrem esse preconceito não vem caindo.
Para entender mais como é caracterizado o crime de homofobia e qual a pena nesses casos, Universa conversou com duas advogadas para entender melhor o que é homofobia, o que configura o crime, como denunciar, entre outros.
Homofobia: o que é, saiba se é crime e mais
O que é homofobia?
O termo homofobia é definido como a aversão ou rejeição a homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais.
Segundo artigo publicado por Débora Diniz e Tatiana Lionço, "homofobia define-se como uma manifestação perversa e arbitrária da opressão e discriminação de práticas sexuais não heterossexuais ou de expressões de gênero distintas dos padrões hegemônicos do masculino e do feminino".
Amanda Scalisse, advogada criminalista e sócia do escritório Angotti e Scalisse Advogadas, explica que homofobia se trata da "hierarquização das opções sexuais e identidades ou expressões de gênero tomando como ideal a heterossexualidade e seus padrões".
Dessa forma, por mais que existam outros termos específicos, como transfobia e lesbofobia, a homofobia pode indicar o desprezo e o ódio a toda comunidade LGBTQIA+.
O que configura homofobia?
"A homofobia se caracteriza, principalmente, pela aversão e discriminação de um grupo cuja sexualidade e identidade sempre foi hegemônica contra outros grupos que fogem aos padrões estabelecidos", explica Ligia Fabris, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Direito Rio e coordenadora do Programa de Diversidade e Inclusão da FGV Direito Rio.
Scalisse completa dizendo que engloba agressão psicológica, moral, física e/ou sexual à população LGBTQIA+, além de questões de esfera pública e institucionais, como a negativa de direitos fundamentais.
Homofobia é crime?
Por mais que a Constituição Federal Brasileira determine que a lei deve punir qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, não há ainda uma legislação específica que criminalize a homofobia no Brasil.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em 2019, que casos de homofobia e transfobia se aplicavam na lei que trata do racismo, fazendo, assim, com que a homofobia seja considerada crime.
Qual a pena para casos de homofobia?
Como prevê o artigo 20 da Lei do Racismo, a pena para este crime é de um a três anos de reclusão, podendo chegar a cinco anos se houver divulgação do ato homofóbico em meios de comunicação, como redes sociais, e multa para quem cometer essa conduta.
Scalisse ressalta que, por ser equiparada ao crime de racismo, a homofobia se torna crime inafiançável e imprescritível, ou seja, não admite que a pessoa seja solta por pagamento de fiança e permite que ela seja processada, julgada ou tenha a pena executada a qualquer tempo - não há um prazo como em outros crimes.
"Há, ainda, a possibilidade de enquadrar uma ofensa homofóbica como injúria, segundo o artigo 140, parágrafo 3 do Código Penal", ressalta Fabris. A pena neste caso é de reclusão de um a três anos e multa.
Como provar um crime de homofobia?
A vítima pode, e deve, produzir todo e qualquer tipo de registro da prática criminosa, como gravar áudio ou vídeo no momento do crime, exportar mensagens de aplicativos de comunicação ou tirar print da tela de celulares e computadores. Tais elementos devem ser entregues à Polícia para instruir as investigações, mas não podem ser divulgados para terceiros, como nas redes sociais, pois a pessoa que está sendo acusada pode reverter a denúncia e processar a vítima por calúnia, aconselha Scalisse.
Como e onde denunciar homofobia?
O crime de homofobia deve ser denunciado em qualquer Delegacia de Polícia ou em delegacias especializadas (como o Decradi, em São Paulo), caso sua cidade tenha esse departamento.
Além disso, a denúncia pode ser feita por telefone pelo número 190 em casos de flagrante delito ou Disque 100 ou no Disque Denúncia da sua cidade.
Vale lembrar que terceiros que presenciem ou saibam de uma prática de homofobia também podem, e devem, fazer a denúncia em uma Delegacia de Polícia ou uma instituição ou empresa.
Há algum novo projeto de lei referente ao tema?
Fabris cita um Projeto de Lei (PL) de 2015 (PL 2138/2015), de autoria da Deputada Erika Kokay (PT-DF) que visa alterar a Lei do Racismo para punir a discriminação ou preconceito quanto à identidade de gênero ou orientação sexual. Existem também alguns apensos a ele, como o PL 2206/2021.
Scalisse diz que está tramitando no Senado Federal o Estatuto da Diversidade Sexual e Gênero (PLS 134/2018), apresentado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados com intuito de garantir direitos à população LGBTQIA+, que visa desde direitos familiares e previdenciários, até a definição de penas em casos de preconceito e intolerância sexual e de gênero.
Há ainda diversos outros projetos de lei e propostas, no Congresso Nacional, em relação à criminalização da homofobia. Scalisse cita alguns deles.
O PL 4240/2019, em trâmite perante o Senado Federal, que tem como objetivo alterar a Lei n. 7.716/1989 (Lei do Racismo). O projeto de lei n. 515/2017, também busca a alteração da Lei do Racismo e do Código Penal (Decreto-Lei n. 2.848/1940) a fim de punir a discriminação ou preconceito de origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero.
Em trâmite perante a Câmara de Deputados, há também o projeto de lei n. 6418/2005 que tem como objetivo a inclusão dos crimes de discriminação no mercado de trabalho, injúria resultante de preconceito, apologia ao racismo, atentado contra a identidade étnica, religiosa ou regional e associação criminosa à Lei n. 7.716/1989.
Quais são os números mais recentes de crimes de homofobia no Brasil?
De acordo com o Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTI+ divulgado em 2021, um LGBTQIA+ foi assassinado a cada 27 horas. Ao todo ocorreram 316 mortes LGBTQIA+ no Brasil entre janeiro e setembro do ano passado, contra 237 em 2020. O aumento foi de 33,33%.
A pesquisa mostrou que, das 316 mortes, 262 foram homicídios (82,91%) e 23 latrocínios (7,28%); e que as pessoas mais afetadas foram gays e mulheres transexuais.
Outros dados divulgados no dossiê mostram que 112 vítimas eram pretas e pardas, e 127 brancas. Além disso, 96 vítimas tinham entre 20 a 29 anos. Entre as regiões do país, 116 mortes aconteceram no Nordeste e 103 no Sudeste.
Ainda segundo o levantamento, o estado de São Paulo é o que mais mata integrantes da comunidade LGBTQIA+. Em 2021, foram 42 mortes no estado, seguido pela Bahia com 30 mortes - é bom lembrar que São Paulo também é o estado mais populoso do Brasil.
Qual proteção os direitos humanos assegura àqueles que sofrem homofobia?
Os direitos humanos têm como objetivo proteger qualquer pessoa e sua possibilidade de viver uma vida digna, desenvolvendo livremente sua personalidade e exercendo sua orientação sexual e identidade de gênero com a qual se identifica.
Scalisse explica que é "dever do Estado garantir que nenhuma pessoa seja desprezada ou violentada em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero".
A advogada sugere que essa garantia possa ocorrer por meio de ações afirmativas que busquem corrigir desigualdades já existentes que estimulam o preconceito, como o aumento da participação de grupos vulneráveis no processo político e a garantia de maior acesso à educação e ao mercado de trabalho ou através da repressão direta a condutas homofóbicas, que pode se dar através da aplicação de sanções civis e penais a seus autores.
"Caso a discriminação ocorra, o direito procura proteger e reparar a vítima, punir agressores, bem como evitar que outras pessoas sejam alvo daquela agressão", explica Fabris.
Tivemos avanços para a comunidade LGBTQIA+ nos últimos anos?
A comunidade LGBTQIA+ conseguiu conquistar a regulamentação da união estável e do casamento entre pessoas do mesmo sexo (reconhecida pelo STF em 2011); a possibilidade de alteração do registro civil em cartório por pessoas trans (autorizada pelo STF em 2018); e a queda da restrição para doação de sangue por homossexuais (discutida pelo STF em 2020).
"No entanto, todos os avanços que podem ser visualizados nos últimos dez anos ainda alcançam dimensões muito básicas e, ao mesmo tempo, as estatísticas que registram a violência contra a população LGBTQIA+ no Brasil são alarmantes. Ainda há um longo caminho a ser percorrido", opina Fabris.
Para Scalisse, é preciso que haja uma lei própria sobre homofobia capaz de promover "as alterações legislativas necessárias para a efetivação da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da não discriminação e que preveja a responsabilização daqueles que praticarem a discriminação em razão da orientação sexual e da identidade de gênero".
Dessa forma, a comunidade LGBTQIA+ terá seus direitos garantidos e não ficarão sujeita a mudanças de entendimentos do Poder Judiciário.
Há comunidades e/ou redes de apoio para quem sofre homofobia?
Há diversas casas de acolhimento para pessoas LGBTQIA+ em todo o Brasil. Além disso, nas redes sociais, há diversos espaços de troca de experiências, apoio psicológico, oportunidades de estudo e emprego voltadas a essa população, o que permite que se estabeleçam mais vínculos, redes de apoio, reconhecimento e inclusão social.
Scalisse recomenda o Acolhe LGBT+, uma plataforma online que conecta pessoas LGBTQIA+ que precisam de acolhimento psicológico com profissionais voluntários.
Como se policiar para não cometer homofobia?
Fabris acredita que a chave para evitar atos homofóbicos é a educação e informação. Por mais que existam diversos conteúdos sendo compartilhados nas redes sociais que ajudem a evitar expressões e comportamentos ofensivos inapropriados ou até mesmo violentos, é necessário o papel do Estado.
"É preciso que haja políticas públicas de sensibilização e informação sobre a multiplicidade das experiências humanas e das maneiras de ser e de amar. É necessário ainda, uma mobilização estatal no sentido de coibir condutas e violências de natureza LGBTQIA+fóbicas", aconselha a advogada.
Scalisse cita três regras básicas que podem ajudar no policiamento cotidiano:
- tratar as pessoas LGBTQIA+ pelo nome (nome social, se houver), nunca por sua orientação sexual, identidade de gênero ou por apelidos vexatórios;
- não transformar a orientação sexual ou a identidade de gênero um assunto a ser explorado, com perguntas, por exemplo, de como é ser homossexual, quando se descobriu transexual ou outros questionamentos íntimos que dificilmente seriam feitas a um heterossexual;
- nunca compactuar com comentários e nem dar risada de piadas que desqualificam pessoas LGBTQIA+, além de se posicionar publicamente contra essa postura.
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