Violência doméstica no Brasil: o que é, tipos e como denunciar
A violência doméstica pode se manifestar através de agressões físicas, sexuais, psicológicas, patrimoniais e morais. Mas, independente de qual tipo da violência, os números continuam crescendo - e deixando milhares de pessoas mortas, sobretudo mulheres, pelo país.
Durante o primeiro ano da pandemia, a cada minuto 8 mulheres apanharam no Brasil. No mesmo período, 2,1 milhões sofreram ameaças com faca ou arma de fogo e 1,6 milhão foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento.
De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, publicado em julho deste ano, foram 230.861 vítimas de lesão corporal culposa no contexto da violência doméstica pelo Brasil em 2021 - contra 227.753 registrados no ano anterior. Os números do Conselho Nacional de Justiça, que comparam os últimos cinco anos, assustam ainda mais: uma alta de 49,2% - foi de 422,718, em 2016, para 630,742, em 2021.
Com isso, aumentou também o número de medidas protetivas de urgência concedidas: de 323.570 para 370.209, comparando 2020 e 2021, respectivamente - uma alta de 14,4%. Universa reuniu as principais dúvidas sobre violência doméstica e te ajuda a reconhecer e denunciar uma ocorrência, seja você a vítima ou não.
Violência doméstica: o que é e principais tipos
O que é violência doméstica?
O termo violência doméstica define todo tipo de violência entre pessoas que dividem o mesmo ambiente familiar. Por isso, ela não é exclusiva de relações que possuem laços sanguíneos, como entre pais e filhos. As agressões entre uniões civis, como entre marido e esposa, ou genro e sogra, também podem ser classificadas como violência doméstica.
Em geral, a violência doméstica pode ser psicológica, moral, sexual, patrimonial ou física. E, ao contrário do que se pensa, esse tipo de agressão não é cometida apenas contra a mulher - também pode atingir homens, crianças e idosos, independente do gênero. E, apesar de possível relação, esse tipo de violência não acontece somente sob efeito de álcool ou drogas, e não tem apenas o ciúmes como motivação.
Por definição, de acordo com o artigo 5º da Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é "qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial". A legislação tem como objetivo coibir e proteger mulheres da violência doméstica.
Como reconhecer a violência doméstica?
Ao contrário do que muitas pessoas pensam, a violência doméstica não se limita a agressões. Na verdade, é muito comum que, no início, os ataques sejam muito mais sutis - fazendo a vítima se questionar se aquela é ou não uma situação de violência.
Neste momento, é comum a agressão verbal, a intimidação, perseguição e ameaças. Mas, atenção: a violência doméstica não respeita, necessariamente, uma escala gradativa. Ela pode passar por todas as formas (psicológica, moral, sexual, patrimonial e física) ou não. Por isso, é importante que todas as mulheres, e pessoas ao redor delas, saibam reconhecer todos os tipos de violência para procurar ou oferecer ajuda.
Quais são os tipos de violência doméstica?
- Violência física: é o uso da força física contra alguém, que pode causar ou não lesões, e não necessariamente emprega o uso de algum tipo de arma. Alguns exemplos desse tipo de violência, são: tapas, chutes, empurrões, mordidas, socos, queimaduras, cortes e estrangulamento. Obrigar outra pessoa a tomar medicamentos, álcool ou droga, contra a própria vontade, também é uma violência física - assim como ordenar castigos repetitivos e abandoná-la em locais desconhecidos.
- Violência psicológica: é toda ação que pode causar problemas de autoestima, à identidade de alguém ou ao desenvolvimento pessoal ou profissional do outro. Alguns exemplos de violência psicológica, são: insultos, xingamentos, chantagens, humilhações, desvalorizações e ridicularização. Outra forma comum desse tipo de violência é privar o outro de estudar, trabalhar ou cumprir com outras tarefas do dia a dia - como se arrumar e sair sem a companhia do parceiro ou parceira.
- Violência sexual: é o ato de tentar ou consumar uma relação sexual sob coação ou força física. Ainda que exista um relacionamento entre as pessoas envolvidas, não é normal forçar o sexo com o parceiro ou exigir favores sexuais em troca de favores. A negação do direito ao uso de métodos anticoncepcionais, inclusive da camisinha, também é uma forma de violência sexual, bem como o aborto forçado. Também é caracterizada como violência sexual o abuso de pessoas mental ou fisicamente incapazes.
- Violência patrimonial: são todas as atitudes que acabam na retenção, subtração ou destruição de objetos - seja instrumentos de trabalho, documentos, dinheiro ou outros bens de valor "incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades", de acordo com a Lei Maria da Penha.
- Violência moral: são todas as ações que configurem calúnia, que é a atribuição mentirosa de que alguém cometeu um crime; difamação, que é quando se espalha informações que podem prejudicar a reputação da outra pessoa publicamente; ou injúria, que é também um ato de ofensa da dignidade, mas que não é tornado público.
Apenas mulheres podem ser vítimas de violência doméstica?
Não, qualquer pessoa pode ser vítima de violência doméstica. Estima-se que, todos os dias, cerca de 2 mil queixas desse tipo de crime são recebidas pela polícia.
Mas as mulheres são o principal alvo desse tipo de violência. Por conta disso, apenas elas podem ser amparadas pela Lei Maria da Penha, independente da orientação sexual. Alguns tribunais de Justiça já fizeram a lei valer, inclusive, para mulheres transexuais.
De qualquer forma, também existem casos de violência doméstica contra homens. Neste caso, serão aplicados os dispositivos previstos no Código Penal contra o agressor. Idosos e crianças, independente do gênero, também podem ser vítimas de violência doméstica.
Violência doméstica só atinge pessoas de baixa renda?
Esse é mais um mito acerca do tema. Ao contrário do que alguns pensam, a violência doméstica não faz distinções. Pessoas de todas as classes sociais, raças, etnias, religiões, orientações sexuais, rendas, culturas, idades e graus de escolaridade estão passíveis de ser vítimas da violência doméstica.
A violência doméstica se agravou na pandemia?
Infelizmente, sim. Com as políticas de quarentena e isolamento social por causa da covid-19, muitas mulheres passaram a ficar mais tempo com seus agressores dentro de casa. Os números confirmam isso: em 2020, o Disque 180 recebeu 36% mais ligações em casos de violência contra a mulher. Nos primeiros meses da pandemia, entre março e maio daquele mesmo ano, o aumento de feminicídio foi de 2,2%.
No entanto, houve queda no número de lesões corporais dolosas (27,2%), de violência sexual (50,5%) e nas ameaças contra mulheres (32,7%). No entanto, não há o que comemorar: os números podem significar uma subnotificação dos casos, ainda em decorrência das políticas de isolamento contra o vírus e da consequente ampliação da manipulação física e psicológica sobre a vítima.
Os dados são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ainda de acordo com eles, entre março de 2020 e 2021, 17 milhões de mulheres com mais de 16 anos afirmaram ter sofrido algum tipo de violência ou agressão. No mesmo período, 5 em cada 10 brasileiros relataram ter visto uma mulher sofrer violência no bairro/comunidade.
O que é o ciclo da violência?
De acordo com o Instituto Maria da Penha, o Ciclo da Violência é uma série de comportamentos habituais e repetitivos, identificados pela psicóloga americana Leonore Walker, que acontecem em um relacionamento abusivo.
Em geral, esse ciclo tem três fases:
- Fase da Tensão: é onde acontece intimidações, ameaças e agressões verbais;
- Ato de violência: é a fase de "explosão", quando as agressões passam a ser físicas e, até mesmo, sexuais;
- Fase da Lua de Mel: é o momento do arrependimento, quando o agressor pede desculpas e promete que os atos não vão mais se repetir.
É muito importante que todas as pessoas conheçam as fases do Ciclo da Violência e tentem rompê-lo o mais rápido possível. Em algum momento, o desfecho pode ser o feminicídio, que é quando a morte é motivada apenas pelo fato da vítima ser mulher.
O que é a Lei Maria da Penha?
A Lei Maria da Penha (11.340/06) cria mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Foi sancionada em 7 de agosto de 2006 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e tem 46 artigos distribuídos em sete títulos.
De acordo com a legislação, através da Lei, "serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária".
Para isso, é preciso fazer uso de um conjunto de políticas públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais. E ela deve ser amparada "conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso".
Como funciona o atendimento do Disque 180?
O Disque 180 é a Central de Atendimento à Mulher. Por lá, é possível fazer denúncias de violência doméstica, reclamações sobre os serviços da rede de atendimento e receber orientações sobre direitos e a legislação, além de ser encaminhada para outros serviços caso exista necessidade.
Segundo o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, o Disque 180 funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana, inclusive finais de semana e feriados. Além disso, o número pode ser acionado de todas as unidades federativas do Brasil e outros 16 países.
Só posso denunciar violência doméstica na Delegacia da Mulher?
Não, a violência doméstica pode ser denunciada em qualquer delegacia de polícia. No entanto, a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM) é considerada a mais capacitada para prevenir, proteger e investigar crimes de violência que envolvam gênero.
Hoje, de acordo com um levantamento do Instituto AzMina, existem cerca de 400 unidades de Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM) pelo Brasil e só 15% delas ficam abertas 24 horas - 92% das cidades não têm atendimento especializado para mulheres em situação de violência doméstica.
O que são as medidas protetivas de urgência? Como elas funcionam?
De acordo com o governo federal, as medidas protetivas de urgência foram criadas pela Lei Maria da Penha e têm o objetivo de proteger a integridade de mulheres, independente da idade, em situações de risco de violência doméstica e familiar.
Elas podem ser solicitadas contra qualquer tipo de agressor (parente, namorado, marido, ex-companheiro, etc) e todos os tipos de violência doméstica, principalmente quando a mulher sentir sua saúde ou vida sob risco.
Existem dois tipos de medidas protetivas de urgência: as que obrigam o agressor e as que protegem as mulheres. Confira a diferença:
Na primeira, estão previstas punições como restrição ao porto de arma; proibição de se aproximar da mulher, dos filhos, parentes ou testemunhas; afastamento do lar; proibição de frequentar lugares predeterminados; proibição de manter contato; e comparecimento a programas de recuperação ou reeducação.
Já a segunda prevê acompanhamento policial para que a mulher possa recolher suas coisas em casa; encaminhamento dela e dos filhos para abrigos, garantindo a proteção deles; e afastamento da casa, sem que ela perca seus direitos em relação aos bens do casal.
Depois de solicitada na delegacia, promotoria ou defensoria, a polícia tem 48 horas para enviar o pedido de medida protetiva de urgência ao juiz, que tem mais 48 horas para responder. Para o processo, a mulher não precisa estar acompanhada de advogados.
Sou vítima de violência doméstica. Como pedir ajuda ou denunciar?
As vítimas de violência doméstica possuem diversas opções para denunciar o agressor. Entre as principais, estão: Disque 100, Disque 180, Disque 190, Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM) e Centro de Referência da Mulher.
- Disque 100: O Disque Direitos Humanos funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana, inclusive feriados, em todas as cidades do Brasil. Ele recebe denúncias de violações aos direitos de crianças, adolescentes, idosos, portadores de deficiências físicas e de grupos em situação de vulnerabilidade. A pessoa não precisa se identificar.
- Disque 180: A Central de Atendimento à Mulher funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana, inclusive feriados, em todas as cidades do Brasil e mais 16 países. Ela recebe denúncias de violência, reclamações sobre os serviços da rede de atendimento e orienta as mulheres sobre seus direitos e sobre a legislação vigente, encaminhando-as para outros serviços quando necessário. A pessoa não precisa se identificar.
- Disque 190: O canal da Polícia Militar funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana, inclusive feriados, em todas as cidades do Brasil. Ele deve ser acionado em momentos de necessidade imediata e socorro rápido, como por exemplo: quando se está ocorrendo ou acabou de ocorrer um crime e quando a integridade física do cidadão ou o patrimônio estiver em risco.
- DEAM: As Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher são a porta de entrada de muitas denúncias contra violência doméstica. Porém, o número de unidades disponíveis ainda é um desafio: pouco mais de 7% dos municípios brasileiros possuem uma DEAM. Ainda assim, outro problema enfrentado é o horário de funcionamento dessas delegacias - muitas não são 24 horas e nem abrem aos finais de semana e/ou feriados. Uma alternativa é acessar, pela internet, alguma delegacia eletrônica do Estado para registrar a ocorrência.
- Centro de Referência da Mulher: O Centro de Referência da Mulher é um espaço que presta acolhimento e atendimento humanizado a mulheres vítimas de violência. Lá, acontecem atendimentos psicológicos e sociais, além de orientação e encaminhamento jurídico. Atenção: não são todas as cidades ou estados que possuem o atendimento.
Conheço alguém vítima de violência doméstica. Como ajudar?
Apesar do mito de que "em briga de marido e mulher não se mete a colher", é de extrema importância saber reconhecer e denunciar casos de violência doméstica.
Ao encontrar uma mulher em situação de violência, o primeiro passo é conversar e oferecer ajuda através da escuta ativa. É importante que a vítima se sinta acolhida, e não julgada. Informe-a sobre seus direitos, sobre a Lei Maria da Penha e possibilidades de denúncia em seu estado e município. Entre as opções estão os canais 100 e 180. Se há risco iminente, o ideal é ligar para a Polícia Militar através do 190.
Fonte: Instituto Maria da Penha; Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos; Secretaria Nacional de Política para as Mulheres; Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da Juventude.