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Nadia Murad, de escrava sexual do Estado Islâmico a vencedora do Nobel

A ativista Nadia Murad fala pela primeira vez após receber o Prêmio Nobel da Paz - AFP
A ativista Nadia Murad fala pela primeira vez após receber o Prêmio Nobel da Paz Imagem: AFP

07/12/2018 08h44

Com apenas 25 anos, depois de ter sobrevivido a meses de calvário nas mãos de extremistas no Iraque e de se tornar porta-voz da minoria yazidi, Nadia Murad recebe o Prêmio Nobel da Paz na próxima segunda-feira (10).

A jovem iraquiana foi agraciada com este prêmio em outubro, junto com o médico congolês Denis Muwkege, por seus esforços para "pôr fim ao uso da violência sexual como arma de guerra".

Primeira personalidade iraquiana a receber essa distinção, Nadia Murad segue, da Alemanha - país onde vive -, "o combate de seu povo para que os países europeus acolham os deslocados yazidis e para que se reconheça como genocídio as perseguições cometidas em 2014 pelo grupo extremista Estado Islâmico (EI).

Para isso, os yazidis contam com uma grande aliada: Amal Clooney, a advogada e ativista dos direitos humanos anglo-libanesa, que escreveu o prólogo do livro de Nadia "Eu serei a última".

Nadia poderia ter desfrutado de uma vida tranquila em sua cidade natal, Kosho, perto do reduto yazidi de Sinjar, uma zona montanhosa entre Iraque e Síria.

Mas o rápido avanço do EI em 2014 mudou seu destino.

Em agosto de 2014, ela foi sequestrada e levada à força para Mossul, um bastião do EI reconquistado há mais de um ano. Este foi o início de um calvário de muitos meses: torturada, disse ter sido vítima de múltiplos estupros coletivos antes de ser vendida diversas vezes como escrava sexual.

Naquele ano, o EI teve uma rápida ascensão e assumiu o controle de amplas faixas do país. Em agosto, foi o povoado de Murad, perto do reduto yazidi de Sinjar (norte), que sucumbiu à invasão dos jihadistas.

Nadia Murad - assim como sua amiga Lamiya Aji Bashar, com a qual venceu o Prêmio Sakharov do Parlamento Europeu em 2016 - repete sem cessar que mais de 3.000 yazidis continuam desaparecidas e que provavelmente permanecem em cativeiro.

Torturas e estupros

Os extremistas queriam "roubar nossa honra, mas perderam a honra deles", disse aos eurodeputados Nadia Murad, que foi nomeada embaixadora da Boa Vontade da ONU e luta pela proteção das vítimas do tráfico de pessoas.

Além de sofrer torturas e estupros, Murad teve de renunciar a sua fé yazidi, uma religião ancestral desprezada pelo EI, praticada por meio milhão de pessoas no Curdistão iraquiano.

"A primeira coisa que fizeram foi nos forçar a uma conversão ao Islã. Depois fizeram o que queriam", afirmou Nadia à AFP em 2016.

Assim como milhares de outras yazidis, ela foi obrigada a "casar" com um extremista que a agredia, como relatou em um comovente discurso no Conselho de Segurança da ONU em Nova York.

"Incapaz de suportar tantos estupros", ela decidiu fugir. Graças à ajuda de uma família muçulmana de Mossul, Nadia obteve documentos de identidade que permitiram sua viagem até o Curdistão iraquiano.

Após a fuga, a jovem - que disse ter perdido seis irmãos e a mãe no conflito - viveu em um campo de refugiados no Curdistão, onde entrou em contato com uma organização de ajuda aos yazidis. Esta ajudou em seu reencontro com a irmã na Alemanha.

'Castigados'

Depois do anúncio do Nobel da Paz, Nadia explicou que, para ela, "justiça não quer dizer matar todos os membros do Daesh [acrônimo do EI em árabe] que cometeram esses crimes", mas "levá-los a um tribunal e vê-los admitir diante da justiça os crimes que cometeram contra os yazidis e que sejam punidos por esses atos".

Para os combatentes do EI em sua interpretação ultrarradical do Islã, os yazidis são hereges.

De fala curda, os fiéis dessa religião esotérica ancestral acreditam no Deus único e no "chefe dos anjos", representado por um pavão real.

Na Alemanha, ela se tornou uma respeitada porta-voz de seu povo, que antes de 2014 tinha 550.000 membros no Iraque. Hoje, quase 100.000 abandonaram o país, e outros estão no Curdistão.

Murad conseguiu que as perseguições cometidas em 2014 fossem reconhecidas como genocídio. O Conselho de Segurança da ONU se comprometeu a ajudar o Iraque a coletar provas sobre os crimes do EI.

Seu "combate" também reservou algumas boas surpresas. No dia 20 de agosto, a jovem anunciou no Twitter que se casará com outro ativista da causa yazidi, Abid Shamdeen.

"O combate a favor de nosso povo nos uniu e seguiremos neste caminho juntos", escreveu.