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Do #NãoéNão ao #EleNão, as mulheres impõem sua agenda na América Latina

Maycon Soldan/Fotoarena/Estadão Conteúdo
Imagem: Maycon Soldan/Fotoarena/Estadão Conteúdo

Da AFP

08/03/2019 14h34

"Não é Não", "Ele Não" ou "Me Too". Armadas com hashtags e argumentos que repercutem em todo o mundo, os movimentos feministas travam verdadeiras batalhas para promover uma mudança cultural que, em pouco tempo, atingiu poderosos e se impôs na agenda política global.

Na América Latina, cerca de 20 países modificaram sua legislação para tipificar o crime de feminicídio: o homicídio praticado contra uma mulher.

O assédio de rua não é mais considerado simples cantada em várias nações, a diferença de salário entre homens e mulheres diminui, embora se mantenha, e o tema do aborto está na ordem do dia.

"Há um processo social e político de empoderamento das mulheres, com uma maior compreensão de seus direitos fundamentais e novos espaços de participação, que não volta mais atrás", diz Mario Castillo, Oficial Superior de Assuntos Econômicos da Divisão de Assuntos de Gênero da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

No entanto, o questionamento sobre o papel da mulher - da qual nem os emojis ficaram de fora - ainda está engatinhando.

María Noel Vaeza, que assumirá em abril o cargo de diretora regional da ONU Mulheres para a América Latina e o Caribe, descreve o ocorrido nos últimos anos na região como uma revolução "incompleta e desigual" no que diz respeito aos direitos femininos.

Em busca de resultados 

A Cepal contabilizou 2.795 feminicídios em 2017.

No Brasil, que concentra 40% dos casos de feminicídio na região e um total de 4,7 milhões de mulheres agredidas em 2017, o governo de Jair Bolsonaro não parece oferecer um cenário promissor para rupturas.

Nos primeiros dias de seu governo, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, comemorou o início de uma "nova era", na qual "menino veste azul e menina veste rosa".

O último avanço institucional ocorreu em 2018, quando o Congresso aprovou uma lei que pune com prisão o crime de "importunação sexual" e aumenta a pena para estupros coletivos. A norma permite, por exemplo, punir com mais rigor agressões sexuais como a de homens que ejaculam em mulheres no transporte público.

Há poucos meses, o Peru promulgou uma norma que penaliza o assédio e a chantagem sexual.

E enquanto o México se dispõe a aprovar uma reforma constitucional que considera o feminicídio um crime grave, o Chile busca estender a pena dessa figura legal aos assassinatos de mulheres nas mãos dos companheiros.

Uma brecha que persiste

Segundo a ONU, quando uma mulher ocupa um cargo de comando em uma empresa, esta pode crescer até 25% mais. Mas na região ainda existe uma brecha que afeta as mulheres em diferentes níveis hierárquicos.

Sua participação no mercado de trabalho está longe dos 70% alcançados em outros continentes. "Na América Latina, só 56% das mulheres estão no mercado de trabalho. Se comparado com os 85% dos homens, vê-se que ainda há uma brecha importante", assegura Vaeza.

Apesar de ter havido avanços, como o aumento da educação formal feminina, também tem sido vista uma "estagnação" nos últimos cinco anos em seu acesso ao mercado de trabalho, diz Castillo.

É que, embora o velho modelo da mulher confinada na cozinha esteja ultrapassado, a morna mudança na dinâmica familiar não representa igualdade absoluta fora de casa: a diferença salarial chega a 25%, diz Vaeza.

O modelo atual de mulher multitarefas que complica seu acesso ou sua ascensão no trabalho tampouco a favorece.

O despertar feminista que o Chile viveu em 2018 obrigou o governo de Sebastián Piñera a anunciar uma "agenda de gênero", que entre várias medidas incluiu uma lei de creche universal para que se amplie a todas as mulheres.

Na contramão, o novo governo mexicano pôs fim aos subsídios para as creches onde vão filhos de mães trabalhadoras sem previdência social por suspeita de corrupção.

A situação é especialmente crítica em países da América Central, como El Salvador, onde feministas clamam por uma lei trabalhista contra a discriminação ao simples fato de ser mulher.

Além disso, os organismos alertam para a baixa presença feminina em cargos executivos e de diretoria nas empresas e lutam por aumentá-la em posições políticas.

Segundo um estudo da Cepal, em dezembro de 2017 sete países da América Latina e dois do Caribe registraram uma diminuição no número de ministras com relação ao mandato presidencial anterior. No entanto, México, Bolívia e Chile foram na direção oposta.

Aborto: debate sem fim

Fora Uruguai e Cuba, pioneiros na região, a discussão sobre o aborto era tabu até pouco tempo atrás. O epicentro da reivindicação feminista se deu em 2018 na Argentina, onde o tema chegou ao Congresso pela primeira vez, acompanhado de mobilizações maciças contra e a favor.

Após a rejeição do projeto no Senado, o país manteve uma lei de 1921, que permite a interrupção da gravidez em caso de estupro e risco de vida para a mãe, mais recente em países como o Chile, e em debate no Equador.

Mas não foi o fim da discussão: o projeto pode voltar ao plenário neste ano legislativo.

Desde que começou 2019, dois casos de meninas estupradas que deram à luz apesar de pedirem a interrupção das gestações no noroeste argentino geraram indignação.

Enquanto isso, El Salvador conta com uma criminalização absoluta do aborto. O país mantém presas quase vinte mulheres por este motivo e o Congresso estuda uma proposta para descriminalizar a prática em três casos.