Polanski ganha César de melhor direção e atriz se retira da cerimônia
Roman Polanski ganhou hoje o César francês de melhor direção por seu filme, "J'accuse", em meio a protestos de grupos feministas que rejeitam o reconhecimento do cineasta franco-polonês, acusado de estupro.
A atriz Adele Haenel, que tinha dito que premiar Polanski equivaleria a "cuspir no rosto das vítimas", deixou a sala parisiense onde era celebrada a cerimônia do Oscar do cinema francês assim que o prêmio foi anunciado. O diretor tinha renunciado a assistir à festa.
Ela foi a primeira atriz francesa de renome a denunciar ter sido vítima de abuso sexual na indústria cinematográfica.
Antes mesmo do início da cerimônia de premiação, considerada o Oscar do cinema francês, sentia-se uma forte tensão devido às 12 indicações de filme.
"J'accuse" ("O oficial e o Espião"), o mais recente filme de Polanski sobre o histórico caso Dreyfus, lidera as indicações, ao lado de "Les Misérables" ("Os Miseráveis"), retrato de uma periferia parisiense indicado ao Oscar.
Este reconhecimento provocou a revolta de associações feministas, que destacam que Polanski é objeto de várias acusações de estupro.
Entre 300 e 400 manifestantes se concentraram horas antes da cerimônia na sala Pleyel, repetindo palavras de ordem como "Tranquem Polanski".
Várias pessoas com sinalizadores tentaram se aproximar da sala, protegida por policiais e cercas de metal. Os manifestantes que tentavam derrubar as grades foram repelidos pelos agentes.
A pressão levou Polanski, de 86 anos, a desistir de participar da cerimônia. Em 2017, ele já havia renunciado a presidir a cerimônia pelo mesmo motivo.
"Lamento tomar esta decisão, a de não enfrentar um tribunal de opinião autoproclamado disposto a pisotear os princípios do Estado de direito para que o irracional triunfe novamente", afirmou o cineasta em um comunicado.
Sua decisão foi seguida da equipe do filme, inclusive seu protagonista, o ator Jean Dujardin, ganhador do Oscar.
O produtor do filme Alain Goldman informou nesta sexta à AFP sobre esta ausência, lamentando a "escalada de declarações e de comportamentos inadequados e violentos" e apontando particularmente ao ministro da Cultura, Franck Riester.
Riester avaliou que seria um "sinal negativo para a tomada de consciência" sobre a violência machista que Pokanski obtenha o César de melhor diretor, embora não tenha visto inconveniente em que ganhe o prêmio de melhor filme.
A polêmica teria contribuído para a demissão em bloco deste mês da diretoria da Academia dos César, acusada em paralelo de gestão obsoleta, opacidade e falta de paridade.
Premiado em Veneza
"J'accuse" recebeu o Grande Prêmio do Júri no Festival de Veneza. No César, também compete com "La belle époque" (11 indicações) e "Retrato de uma mulher em chamas", com dez indicações.
Mais de 1,5 milhão de pessoas assistiram ao filme de Polanski na França, embora sua estreia tenha marcado com um apelo ao boicote ao coincidir com novas acusações contra ele: uma fotógrafa francesa, Valentine Monnier, assegurou que o diretor a estuprou em 1975, quando ela tinha 18 anos. O diretor negou a acusação.
Polanski é considerado foragido da Justiça dos Estados Unidos, onde foi acusado, em 1977, de violentar uma adolescente de 13 anos.
Outras mulheres afirmaram nos últimos anos que foram vítimas de agressões sexuais por parte do diretor de "O Pianista", o que o diretor nega.
"Cuspir na cara das vítimas"
O ressurgimento da polêmica em torno do cineasta coincide com a condenação esta semana do ex-magnata de Hollywood Harvey Weinstein - considerado culpado de agressão sexual e de estupro - um escândalo que lançou o movimento global #MeToo.
Haenel estimou em entrevista ao New York Times que a França "deixou partir o trem" do #MeToo.
"Premiar Polanski é cuspir na cara de todas as vítimas. É o equivalente a dizer: 'não é tão grave estuprar mulheres'", disse.
Antes da cerimônia, a Academia francesa anunciou uma nova presidente interina, Margaret Menegoz, à espera de uma renovação do organismo.
A antiga diretoria demitiu-se após ser acusada por 400 personalidades do cinema francês de "mau funcionamento", "opacidade nas contas" e "cooptação".
Um sinal deste mal-estar dominante, os César não anunciaram nenhum prêmio de honra este ano. Segundo o jornal Le Parisien, Brad Pitt teria aceitado em um primeiro momento esta distinção, mas depois voltou atrás.