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Apesar do medo, mulheres tentam resistir em reduto talibã no Afeganistão

No Afeganistão, mulheres convivem com o medo - Getty Images/iStockphoto
No Afeganistão, mulheres convivem com o medo Imagem: Getty Images/iStockphoto

09/10/2021 14h26

Em Kandahar, berço do Talibã no Afeganistão, quase nenhuma mulher foi vista nas ruas desde o retorno ao poder dos fundamentalistas islâmicos. Mas Fereshteh, Fauzia e outras colegas tentam superar seus medos para continuar trabalhando ou estudando.

Fereshteh e Zohra têm quase a mesma idade, 23 e 24, e o mesmo medo: que um talibã se aproxime de surpresa e jogue ácido em seu rosto.

Desde seu retorno ao poder em meados de agosto, o Talibã não atacou fisicamente mulheres que estudam ou trabalham em Kandahar (sul), de acordo com vários depoimentos. E o último ataque com ácido a estudantes da mesma cidade data de mais de doze anos.

Mas a memória dos anos 1990, quando o Talibã impedia as mulheres de trabalhar, estudar ou sair sozinhas ou sem burca, basta para que estas abandonassem as longas e poeirentas avenidas comerciais de Kandahar.

As poucas mulheres vistas nas ruas são como sombras em burcas, correndo pelas lojas, com sacolas de compras nas mãos.

"Antes éramos felizes por vir trabalhar, agora isso nos aflige", diz à AFP Fereshteh Nazari, diretora da escola feminina Sufi Sahib em Kandahar.

"Na rua, os talibãs não dizem nada, mas dá para ver que eles nos olham de soslaio".

Na escola onde trabalha, "a maioria dos pais não manda mais suas filhas com mais de 10 anos para a aula", porque "elas não se sentem mais seguras".

Naquele dia, 700 meninas foram para a escola, em comparação com 2.500 que frequentavam antes.

"Além das compras, que fazemos muito rapidamente, não vamos mais a lugar nenhum, vamos muito rápido para casa", confirma Fauzia, uma estudante de medicina de 20 anos que prefere não revelar seu nome verdadeiro por questões de segurança.

Já os homens aproveitam para bater um papo por horas na calçada, em restaurantes ou bares de "shisha".

Zohra, uma estudante de matemática que também não quer dar seu nome verdadeiro, decidiu parar de ir às aulas, como várias de suas amigas, após rumores de possíveis ataques de ácido.

"Para mim, a vida é mais importante do que qualquer outra coisa", diz.

Mas outras não podem se dar ao luxo, como Fereshteh e suas colegas professoras, que aguardam seus salários, congelados desde a queda do governo anterior há quase dois meses.

"Podemos acabar pedindo esmolas no mercado", suspira a jovem diretora, morena de grandes olhos pretos realçados com kohl, que usa um lenço preto bordado com lantejoulas cintilantes nos cabelos.

"Não temos mais dinheiro. Meu marido perdeu o emprego e tenho que alimentar nossos dois filhos", explica uma colega de Fereshteh, que prefere não revelar seu nome e que, como muitas mulheres no Afeganistão, diz que está "deprimida" .

"Problema delas"

Fauzia também está com problemas. Órfã, ela é responsável por alimentar seus quatro irmãos com entre 13 e 17 anos. Até agosto, trabalhava em uma rádio local, onde dava voz a comerciais.

Mas depois de tomar a cidade, o Talibã "postou mensagens no Facebook dizendo que não queria mais música ou vozes femininas nas rádios", disse uma das autoridades da estação.

"Paramos e é uma pena, porque as vozes das mulheres funcionam melhor para atrair a atenção do público", acrescenta.

Desde então, Fauzia deixou seu currículo por toda a cidade, principalmente para cargos de professora. Mas tudo parece estagnado. "Eles me dizem para esperar", diz.

Mas começa a desesperar, porque "o Talibã não diz mais nada".

Oficialmente, os fundamentalistas negam querer retornar ao regime extremista dos anos 1990. "Não proibimos nada às mulheres", disse o mulá Noor Ahmad Saeed, um dos líderes talibãs da província de Kandahar.

"Se não se sentem seguras ou não voltam ao trabalho, é problema delas", afirmou, indiferente. Os talibãs, que vão seguir "as regras do Islã" acima de tudo, "ainda estão estudando" o assunto, acrescentou, sem dar mais detalhes.

Fauzia vê a pressão social aumentar, mesmo em sua própria casa. "Meu irmão me diz para cobrir o rosto, para não ver mais meus amigos, para não ir a lugar nenhum, exceto para a escola".

No pátio da escola, uma das alunas de Fereshteh, Shahzia, de 12 anos, sente falta do governo anterior, que havia promovido a educação de meninas. "Queremos liberdade", mas na realidade "teremos que fazer o que eles nos dizem, caso contrário, teremos problemas".