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Violência, saúde mental: impactos de dois anos de covid na desigualdade de gênero

Segundo a ONU, duas em cada cinco mulheres sentiram o impacto negativo da pandemia em sua saúde mental - iStock
Segundo a ONU, duas em cada cinco mulheres sentiram o impacto negativo da pandemia em sua saúde mental Imagem: iStock

Da AFP, em Paris

07/03/2022 08h38

Os dois anos de pandemia de covid-19 deterioraram as condições de vida das mulheres no mundo, especialmente a saúde mental, o retorno à vida profissional e o aumento da violência de gênero.

Violência sexista em alta

A agência ONU Mulheres publicou em novembro de 2021 uma investigação baseada nos depoimentos de 16.154 mulheres em 13 países de renda média (Colômbia, Ucrânia, Marrocos, Bangladesh...). Do total, 45% disse ter sido vítima de violência desde o início da pandemia.

"A incerteza econômica, o fechamento de escolas ou a sobrecarga mental do trabalho doméstico criaram um ambiente propício ao conflito intrafamiliar", explicam LynnMarie Sardinha e Avni Amin, pesquisadoras da Organização Mundial da Saúde (OMS).

E como acontecia antes da pandemia, as mulheres sofrem com a violência presente nas redes sociais, mais do que os homens.

"O 'revenge porn' (disseminação não autorizada de conteúdo pornográfico filmado com uma pessoa) e o risco em termos de pedofilia aumentaram de forma preocupante", acrescenta Muriel Salmona, psiquiatra especializada no estudo do choque pós-traumático.

Alteração da saúde mental

A investigação da ONU revela que duas em cada cinco mulheres sentiram o impacto negativo da pandemia em sua saúde mental.

A sobrecarga mental do trabalho doméstico causa "maiores riscos de estresse e depressão entre as mulheres do que entre os homens", explicam LynnMarie Sardinha e Avni Amin.

Essa sobrecarga mental foi reforçada pelo teletrabalho, cuidados com os filhos em casa e restrições de mobilidade.

Outro indicador são os estudos realizados sobre a mobilidade das mulheres. Durante os confinamentos, elas tiveram que informar as autoridades sobre seus movimentos, assim como os homens. Mas também muitas vezes aos seus parceiros, explica Marion Tillous, professora de geografia e estudos de gênero da Universidade de Paris VIII.

Este contexto muito particular reduziu a confiança das mulheres, "que agora ousam menos se afastar" de suas casas, acrescenta.

Difícil adaptação ao teletrabalho

LynnMarie Sardinha e Avni Amin criticam a rigidez das empresas, que dificultam a conciliação entre teletrabalho e trabalho doméstico.

"Muitas outras mulheres foram forçadas a renunciar porque não conseguiam lidar com o duplo estresse de sua profissão e a sobrecarga mental do lar", dizem as pesquisadoras da OMS.

A análise da mobilidade feminina durante a pandemia mostra que elas passavam mais tempo nos afazeres domésticos do que no trabalho, em comparação com os homens e em comparação com a situação anterior à pandemia.

Esses estudos revelam que "as desigualdades aumentaram, provocando um retrocesso de vinte anos", explica Tillous.

Em contrapartida, trabalhar em casa causou uma diminuição lógica no assédio no transporte público, dizem os especialistas consultados pela AFP.

No entanto, o retorno ao escritório, por transporte público, aumenta a sensação de insegurança. Três em cada cinco mulheres questionadas pelo estudo da ONU consideram que o assédio sexual no transporte aumentou em comparação com antes de 2020.

Visibilidade das mulheres

"Vemos um esforço real (por parte de associações e poderes públicos) para ser mais reativo e mais eficaz contra a violência doméstica" desde a pandemia, explica a Dra. Salmona.

Marion Tillous discorda desta visão. Os dispositivos de ajuda são idênticos desde o início da pandemia, lamenta esta estudante universitária. "As mulheres vítimas de violência são mais ouvidas, mas suas palavras caem em ouvidos surdos."

Para LynnMarie Sardinha e Avni Amin, a crise de saúde demonstrou as consequências da desigualdade na divisão do peso das tarefas domésticas.

"A pandemia foi uma oportunidade de imaginar um futuro diferente e mais igualitário para as mulheres, especialmente para aquelas que mais sofrem com a exclusão e a marginalização", explicam.