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'Ainda falta muito', lamentam parentes de vítimas de feminicídio na Argentina

Protestos acontecem há 7 anos; nesta foto, mulheres denunciam violência nas ruas de Buenos Aires, em 2017 - SOPA Images/SOPA Images/LightRocket via Gett
Protestos acontecem há 7 anos; nesta foto, mulheres denunciam violência nas ruas de Buenos Aires, em 2017 Imagem: SOPA Images/SOPA Images/LightRocket via Gett

04/06/2022 11h46

"Quiseram nos enterrar, mas não sabiam que éramos sementes", diz uma faixa pendurada em frente ao Congresso argentino, em um dia de manifestação contra os feminicídios e a violência de gênero, sete anos após a primeira passeata sob o lema "Nem Uma a Menos".

Na praça dos dois Congressos, cerca de 150 pares de sapatos, sandálias e botas pintados de lilás - cor da luta feminista - evocam as mulheres assassinadas, em muitos casos ainda à espera de justiça.

"Os sapatos vazios representam o vazio que deixaram em nossas vidas", explicou à AFP Marcela Morera, 52, uma das fundadoras da organização Famílias Atravessadas pelo Feminicídio.

Sua filha, Julieta Mena, tinha 22 anos e estava grávida de três meses em 11 de outubro de 2015 quando foi morta por seu companheiro sete anos mais velho, em sua casa na periferia de Buenos Aires.

"Ele queria que ela fizesse um aborto, ela se negou e ele a chutou na barriga e nos genitais para provocá-lo até matá-la", conta a mãe, agora madrinha de um abrigo para vítimas da violência de gênero.

Com um colete com a foto da filha na parte da frente, Morera reconhece que eu seu caso a justiça foi rápida. O assassino foi entregue pela própria família e dois anos após o crime, foi condenado à prisão perpétua, sem o benefício da liberdade condicional por se tratar de feminicídio.

O movimento Nem Uma a Menos nasceu em 3 de junho de 2015, quando dezenas de milhares de mulheres foram às ruas exigir justiça pelo feminicídio da adolescente Chiara Páez, que estava grávida e foi assassinada por seu namorado, condenado a 21 anos de prisão.

- 'Estão nos Matando' -Sob o lema "Vivas nos queremos", dezenas de milhares de mulheres voltaram às ruas nesta sexta em diferentes cidades do país para reforçar o pedido de justiça, assim como o cumprimento de leis de proteção às vítimas e de formação de funcionários sobre a questão de gênero, cuja aplicação ainda é deficiente, segundo as vítimas.

"Contra a violência machista, resistência feminista... Nem uma a menos", dizia um cartaz.

Foram cometidos em 2021 na Argentina 251 feminicídios, o que representa um a cada 34 horas ou dois a cada três dias, segundo o registro nacional realizado pelo Gabinete da Mulher da Suprema Corte de Justiça. Um total de 81% dos casos ocorreram em contextos de violência doméstica e 62% foram cometidos pelo companheiro ou ex-companheiro, segundo o relatório.

O número de vítimas mostra uma queda de 13% em relação a 2020, quando foram registrados 287 casos, e foi o menor desde o início do registro, em 2015. Essa redução "reflete o impacto das políticas públicas em matéria de gênero e diversidade", tuitou o presidente Alberto Fernández, que recebeu nesta sexta-feira um grupo de familiares de vítimas de feminicídios.

Desde 2015, quando começou a contagem, foram registrados cerca de 2.000 feminicídios.

- 'Incêndio' -Muitas famílias de vítimas enfrentam dificuldade para fazerem valer seus direitos e, sobretudo, o dos filhos dessas mulheres, que, às vezes, ficam nas mãos do agressor ou não recebem o auxílio adequado, disse à AFP Eva Domínguez, 58, que precisou recorrer à Comissão Interamericana de Direitos Humanos pelo feminicídio de sua cunhada, Vanesa Celma, ocorrido em Santa Fé em 2010.

O assassino continua livre. "A causa foi classificada como incêndio, como se ela fosse uma mesa, uma coisa", lembrou Eva, afirmando que os policiais e promotores mandaram limpar a cena do crime, que nunca foi investigado.

Apenas seis anos depois, conseguiu mudar a classificação para "investigação da morte", mas, antes de arquivar o caso, "a promotora me disse que Vanesa morreu por amor", denunciou.