Macron propõe inscrever 'liberdade' ao aborto em Constituição francesa
O presidente da França, Emmanuel Macron, propôs, nesta quarta-feira (8), inscrever na Constituição francesa a "liberdade" ao aborto para as mulheres, uma iniciativa que já deu seus primeiros passos no país, em resposta ao revés nos Estados Unidos.
Macron anunciou a medida, que fará parte de um projeto de lei sobre a revisão da Carta Magna nos "próximos meses", como parte de uma homenagem à falecida advogada Gisèle Halimi, ícone na luta pelo aborto.
"Quero que a força desta mensagem nos ajude a mudar nossa Constituição para marcar a liberdade das mulheres a recorrer à interrupção voluntária da gravidez", declarou ele no Palácio da Justiça, em Paris.
A anulação do direito ao aborto em nível nacional pela Suprema Corte nos Estados Unidos chocou o mundo em junho e, na França, resultou no anúncio de iniciativas governamentais e da oposição para blindá-lo.
Em novembro, os deputados aprovaram a inclusão do aborto como um "direito" na Constituição, mas essa proposta da esquerda foi modificada no Senado (Câmara Alta), que acatou sua inclusão em fevereiro como "liberdade".
O impacto entre as denominações, contudo, não é o mesmo.
"O direito à interrupção voluntária da gravidez é a garantia de que, se uma pessoa desejar ou se necessário, poderá realizá-la", explicou a especialista Mathilde Philip-Gay na época à rádio France Inter.
Para a professora de Direito da Universidade de Moulin, em Lyon, ao definir como "liberdade", a lei continuará determinando o "regime jurídico do aborto e o legislador poderá, sem problemas, limitar o número de semanas ou as condições de acesso por menores", explicou.
A oposição de esquerda já havia pedido ao presidente que apresentasse um projeto de lei próprio para acelerar o registro. A iniciativa parlamentar deveria ter sido submetida a um referendo.
Como um atual projeto de governo, o presidente agora pode optar que as duas Câmaras, reunidas, deem a aprovação final por maioria de três quintos.
Proibido em alguns países e autorizado sob mais ou menos restrições em outros, o acesso ao aborto continua a ser um direito desigual e sofreu uma série de retrocessos nos últimos meses.
Na Hungria, desde setembro, o primeiro-ministro ultraconservador Viktor Orban obriga as mulheres que desejam se submeter a um aborto a ouvirem primeiro os batimentos cardíacos do feto.
'Instrumentalização política'
O aborto foi descriminalizado na França em 1975 por uma lei promovida por Simone Veil, símbolo da emancipação feminina e sobrevivente do Holocausto. Sua última modificação em 2022 estendeu o prazo para a realização do procedimento para até 14 semanas.
Mas o caminho para esta despenalização foi pavimentado anos antes, através do chamado julgamento de Bobigny. Em outubro de 1972, este tribunal absolveu uma jovem de 16 anos acusada de ter sido submetida a um aborto após um estupro e cuja advogada era Gisèle Halimi, falecida em julho de 2020 aos 93 anos.
A medida do presidente, no entanto, foi criticada por um dos filhos de Halimi e pela associação que fundou com a filósofa Simone de Beauvoir em 1971, que caracterizaram a homenagem como um "oportunismo político" de Macron em plenos protestos contra a reforma da Previdência.
Segundo Violaine Lucas, presidente da associação "Choisir la cause des femmes" (Escolha a causa das mulheres), planejar esta homenagem em meio aos maciços protestos contra a impopular reforma da Previdência se configura como uma "instrumentalização política".
A figura de Gisèle Halimi transcende sua luta pelos direitos das mulheres. A advogada, política e escritora também foi detida por denunciar o uso de tortura pelos militares franceses durante a guerra de independência da Argélia.
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