'Pílula do divórcio': a onda de fake news nos EUA sobre anticoncepcionais
Eles costumam falar sobre ioga e alimentação saudável. Mas alguns "influenciadores" dedicados ao bem-estar colocaram na mira as pílulas anticoncepcionais, às quais acusam, sem provas, de causarem uma série de doenças, alertam especialistas nos Estados Unidos.
Esta explosão de desinformação sobre a pílula nas redes TikTok e Instagram - que ameaça provocar um aumento de gestações indesejadas - surge no momento em que as questões do aborto e da contracepção estão no centro da campanha para as eleições presidenciais de novembro nos Estados Unidos, nas quais o democrata Joe Biden enfrentará novamente o magnata republicano Donald Trump.
Este último orgulha-se de ter sido, quando foi presidente (2017-2021), o arquiteto de inúmeras restrições e até proibições do direito ao aborto em todos os Estados Unidos. Taylor Gossett tem quase 200 mil seguidores no TikTok. Ele chama a pílula de "tóxica" e oferece um curso sobre anticoncepcionais "naturais".
Na mesma plataforma, a conservadora Candace Owens sugere, sem fornecer provas, que o medicamento causa problemas de infertilidade. Por sua vez, o autoproclamado técnico Naftali Moses disse aos seus 280 mil assinantes que a pílula "muda seu comportamento sexual".
Em um vídeo visto mais de 550 mil vezes, a podcaster Sahara Rose chegou a denunciar uma "pílula do divórcio", que levaria quem a tomasse a se interessar pelo parceiro errado.
O impacto da pílula anticoncepcional nas mulheres tem sido debatido há décadas. Algumas particularmente se queixam de diminuição da libido ou de aumento de peso.
Embora existam mulheres que sofram efeitos colaterais, os especialistas em saúde acreditam que estas experiências individuais não refletem uma verdadeira ligação causal.
Eles também sustentam que não há evidências de efeitos generalizados da pílula na fertilidade ou no comportamento sexual.
Maus conselhos
A nova campanha de desinformação poderá "dissuadir" as pessoas de usarem a pílula, alertou Michael Belmonte, membro da ACOG, uma importante associação de obstetras e ginecologistas americanos.
E "o mais preocupante no atual cenário político dos Estados Unidos" é que essas mesmas mulheres "podem não ter acesso ao aborto", sublinhou à AFP.
O médico afirmou que ele próprio tratou pacientes que engravidaram após interromperem o método anticoncepcional devido à "desinformação prejudicial".
Desde que a Suprema Corte anulou a garantia federal do direito ao aborto em 2022, vinte estados americanos proibiram ou restringiram severamente sua prática.
A pesquisadora Jenna Sherman observou "uma correlação entre este aumento da desinformação sobre contraceptivos e a restrição do acesso ao aborto".
"As pessoas precisam de mais conselhos para tomar decisões sobre saúde reprodutiva e têm cada vez mais medo de falar com um profissional", disse ela à AFP. Por exemplo, alguns influenciadores recomendam monitorar o ciclo menstrual e a temperatura corporal para programar sexo fora das janelas férteis.
Mas os especialistas consideram que estas recomendações são muito menos eficazes, com uma taxa de insucesso de até 23%, provocando gestações indesejadas.
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Quero receberVergonha e estigma
Outros aconselham abandonar os anticoncepcionais para perder peso, muitas vezes com a ajuda de vídeos espetaculares de "antes e depois". No entanto, novamente sem fornecer evidências científicas.
Mas esta informação falsa pode ter um impacto psicológico: "é provável que contribua para o aumento da vergonha, estigmatização e distorção da imagem corporal", argumentou Jenna Sherman.
Os especialistas consideram a pílula anticoncepcional segura e eficaz mas, como muitos outros medicamentos, pode ter efeitos colaterais: náusea, dor de cabeça, sangramento entre os períodos menstruais.
Em casos raros, também podem causar coágulos sanguíneos e acidentes vasculares cerebrais.
O risco de coágulos pode afetar entre três e nove mulheres que tomam a pílula de um total de 10 mil pessoas, segundo as autoridades de saúde.
"As pessoas não percebem que muitos influenciadores têm os seus próprios interesses financeiros em espalhar informações falsas ou enganosas e não dão prioridade à saúde das pessoas às quais se dirigem", disse Sherman.
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