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Depilação e feminismo: existe machismo em cada pelo que arrancamos?

Anúncio antigo sobre depilação - Revista AzMina
Anúncio antigo sobre depilação Imagem: Revista AzMina

Carolina Oms

da Revista AzMina

13/06/2018 04h00

Pelos incomodam. Enquanto crescem, quando são (dolorosamente) retirados e se insistem em ocupar o lugar que a natureza lhes colocou: nosso corpo. As justificativas para arrancá-los são muitas. São feios, são sujos, são masculinos. Crescemos assistindo nossas mães, irmãs e amigas passarem por semanais rituais de purificação dessa que só é uma maldição para quem se torna mulher.

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Apesar da dor, dos custos e do trabalho, assim que a puberdade chega, a maioria encara com tamanho nojo o esperado aumento da quantidade de pelos nos seus corpos que naturaliza cada passo dado em direção a uma vida livre deles. Mas não precisa ser assim. E nem sempre foi.

A propaganda começou a convencer as mulheres que pelos são um “embaraço” nas primeiras décadas do século 20, quando as roupas se tornaram menores e mais decotadas e a indústria de produtos de beleza começou a produzir os primeiros cremes e equipamentos depilatórios para mulheres.

Desde então, os métodos se sofisticaram e as exigências por uma pele “limpa” atingem cada centímetro do corpo feminino. Cera, cremes, laser, máquinas ou lâminas: todas as armas são válidas. “Eu tinha 13 anos e me lembro de deitar na maca e aguardar em pânico, com as pernas abertas, aquela cera quente tocar em lugares que nem eu mesma tocava ainda”, conta Aline *.

“Lembro de falar pra depiladora que não queria depilar meu cu, que não tinha planos de usar biquíni fio dental, e de ser ignorada. Quando tudo acabava, ela me olhava com ar de triunfo e anunciava que agora eu estava limpa e bonita e poderia ir à praia tranquila.”

Hoje com 32 anos, Aline se descobriu feminista há pelo menos dez anos e começou a se questionar sobre a obrigação de se depilar no último ano. “Ainda não consegui abolir totalmente, mas mudei a minha relação com meus pelos. Antes sentia nojo e vergonha deles. Me recusava a transar e a usar certas roupas se a depilação estava atrasada”, conta. Ela diz que ainda tem aprendido a encarar os pelos com mais naturalidade, mas que ainda não abandonou a depilação para sempre por medo da discriminação dos parceiros e no ambiente de trabalho.

“Quando estamos discutindo a relação das mulheres muçulmanas com o véu ou de mulheres africanas com a mutilação genital, a discussão sobre pelos pode ajudar a iluminar a maneira como mulheres ocidentais permanecem estranhamente complacentes com expectativas culturais e sociais”, diz Breanne Fahs, professora de Estudos de Gênero na Universidade do Arizona, nos Estados Unidos.

Por dois anos, ela conduziu um experimento com seus alunos. Ao longo de dez semanas, as mulheres deixariam de se depilar, enquanto os homens removeriam todos os pelos do pescoço para baixo. O trabalho final, que, assim como o experimento, não era obrigatório, consistia em um diário com as reflexões sobre a experiência. Entre os 87 estudantes participantes, 79% eram mulheres. “O experimento desafiou nas minhas alunas feministas a noção de que elas ‘escolhiam’ o que fazer com seus corpos”, conta.

Em entrevista para a Revista AzMina, Breanne conta que se surpreendeu com a intensidade e quantidade de reações negativas vindas dos colegas de trabalho, mães, amigos e namorados de suas alunas. “Há um grande desdém por mulheres que fazem escolhas sobre seus corpos que não cabem em padrões tipicamente heterossexuais. Se as mulheres não são facilmente consumíveis pelo olhar masculino, elas são rejeitadas”, avalia.

A professora conta ainda que as reações também intensificaram preconceitos de classe e de raça. “Mulheres negras e hispânicas e trabalhadoras relataram muito mais punições sociais por não se depilarem do que mulheres brancas ou de classes sociais mais altas.” Já os homens relataram dificuldades para se adaptar à depilação. “Eles acharam trabalhoso, demorado e inútil”, conta Breanne. “Descoberta” que não é nenhuma novidade para a maioria das mulheres.

Uma breve história da depilação

Historicamente, pelos ajudaram a definir masculino e feminino como opostos. Enquanto para os homens pelos simbolizam poder e virilidade, sua ausência para mulheres simboliza feminilidade e fragilidade na maioria das culturas ocidentais. Na Europa, por exemplo, o excesso de pelos em mulheres já foi associado à bruxaria, insanidade e descontrole sexual.

Para as mulheres ocidentais, relata Breanne, a imposição da remoção de pelos vem com força total depois da década de 20, com o incentivo de campanhas publicitárias e as mudanças nas roupas, com maior exposição das axilas e pernas.

“Excluindo as breves rebeliões dos hippies e das feministas entre os anos 60 e 70, as regras de remoção de pelos permanecem. Atualmente, feministas argumentam que a ausência de pelo, especialmente na região genital, significa que as culturas ocidentais enxergam a emancipação feminina como ameaçadora e respondem erotizando a juventude”, diz Breanne.

O fetiche com meninas adolescentes se disseminou depois que o feminismo cresceu a ponto de desafiar a dominação masculina, segundo Roger Friedman, professor de mídia, cultura e comunicação da Universidade de Nova York. “Essa erotização de meninas capturava o feminino puro, a virgem subordinada e sem pelos contra quem um homem era claramente um homem.”

Friedman aponta ainda para a tendência da nossa sociedade de suprimir todos os odores naturais ao corpo humano.

“Como uma menta para a vagina, a ausência de pelos pubianos anuncia que a vagina deve ser purificada para o gosto masculino”, diz.

Aline Oliveira, médica do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, em São Paulo, avalia que a preferência por uma região genital depilada advém das imposições estéticas e do maior acesso a lâminas ou outras técnicas de depilação, mas destaca o papel da pornografia na construção deste padrão de beleza.

“A prática sexual da pornografia virou uma espécie de norma e nisso, certamente, a genitália sem pelos entra como regra para as gerações que consomem mais pornografia. A genitália padrão da pornografia é rosada, pequena e sem pelos, que é o comum das mulheres que ainda não entraram na puberdade, estabelecendo um padrão, muitas vezes, pedófilo das preferências sexuais”, alerta Aline.

A artista plástica Clarice Gonçalves conta que começou a considerar parar de se depilar por volta dos 17 anos, depois de processos traumáticos e dolorosos com a cera e inflamações e coceiras causadas pelas lâminas e cremes depilatórios. “Acredito que assumir meus pelos melhorou minhas relações, firmando na minha vida desde cedo pessoas sintonizadas com a própria liberdade, sexualidade, prazer, mais bem resolvidas, mais criativas verdadeiras, mais ousadas e sinceras”, conta.

“Desde então meus parceiros/as a priori ja devem ser bem resolvidos com o fato de que buceta cheira a buceta, ser humano tem cheiro de ser humano, adultos tem pelos.”

Então feminista não pode se depilar?

Ao contrário do machismo, o feminismo não é obrigação nem vem com uma cartilha pra dizer como cada mulher deve viver sua vida. “Não consigo me sentir confortável se não estou depilada. Me sinto bonita e gosto do toque macio que fica na pele. Sei que existe um padrão estético por trás dessa escolha, mas sei também que não vou ‘perder a carteirinha de feminista se optar por me depilar”, diz a estudante Camila Ramos.

Para a médica Aline, é preciso deixar claro que a preferência por pelos curtos, longos, nenhum pelo é totalmente individual.

“A principal mensagem é que a cobrança por uma normatização dos pelos pubianos não precisa existir e muito menos virar uma questão médica.”

Há ginecologistas que alertam, porém, que a remoção total de pelos pubianos deixa a vagina menos protegida e, por isso, mais vulnerável à bactérias e inflamações.

“Cada um sabe e deve tomar conta de seu corpo. As pesquisas não comprovam cientificamente se é melhor se depilar ou não”, resume a médica dermatologista Betina Stenanello.

* Sobrenome preservado a pedido da entrevistada.

Reportagem originalmente publicada na Revista AzMina.