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Com bancada mínima, direitos LGBTQIAP+ estão sob ataque no Congresso

Arte AzMina Imagem: Arte AzMina

Lu Belin;

de AzMina

01/07/2024 15h41

As bancadas antidireitos da comunidade LGBTQIAP+ no Congresso Nacional não deram trégua em 2023, e as pessoas transexuais e travestis foram o principal objeto de ataques . Levantamento do projeto Elas no Congresso, do Instituto AzMina, mostra que a ofensiva foi constante: com a composição mais conservadora da história da democracia brasileira, o Legislativo federal apresentou 51 Projetos de Lei relacionados a identidade de gênero ou orientação sexual no primeiro ano da legislatura 2023-2026, mais de 66% (34 PLs) nocivos a esses grupos.

Em vários casos, a atuação contra os direitos das pessoas LGBTQIAP+ é coletiva, mostrando uma frente unificada nas pautas conservadoras. O PL 337/2023, por exemplo, que ataca direitos das pessoas trans, travestis e não binárias ao restringir a circulação em espaços conforme o sexo biológico, foi escrito em co-autoria por 47 deputados(as). Já o PL 269/2023, que tenta proibir a hormonioterapia para menores de 18 anos, e a cirurgia de redesignação sexual para menores de 21, tem 27 assinaturas.

Direitos trans são os mais atacados

PL, Republicanos e União são os partidos que mais atuam contra os direitos das pessoas LGBTQIAP+. O trio soma 96 participações de autores ou co-autores em 31 dos 34 PLs avaliados como desfavoráveis. A maioria fala de pessoas trans, travestis ou não binárias.

O deputado federal Messias Donato (Republicanos-ES) é o mais ativo: apresentou seis proposições sozinho ou com colegas. Há propostas como restringir o acesso a banheiros e dormitórios com base no sexo biológico ou "criminalizar condutas de pessoas que instigam, incentivam, influenciam ou permitem criança ou adolescente a mudar seu gênero biológico, bem como a de prestar auxílio a quem a pratique". Existem até duas propostas para vetar hormonioterapia e cirurgias de redesignação sexual em pessoas com menos de 18 anos, que sequer são autorizados no Brasil, as PLs 204 e 269.

Entre os outros projetos nocivos à comunidade trans, destacam-se também os PLs 333, 335, 336 e 337, que tentam revogar as resoluções 1 e 2 do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, de setembro de 2023. Elas garantem o uso de nome social às pessoas trans, travestis, não binárias, e qualquer pessoa que não tenha a sua identidade de gênero reconhecida, nos boletins de ocorrência e em diferentes espaços sociais.

Chopelly Santos, vice-presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), entende esses esforços como reativos aos avanços dos últimos anos. "A emancipação das pessoas trans leva a um descontentamento de uma sociedade que nos queria na prostituição, que nos queria à margem". Isso não impede que a comunidade seja diretamente afetada por essas medidas. São os grandes contribuidores para que o Brasil esteja no topo do ranking de país que mais assassina pessoas travestis e transexuais. "Quando os PLs vêm para atacar as trans, é como se estivessem incentivando os assassinos a cometer os crimes voltados contra a população de travestis e transexuais no Brasil", diz Chopelly.

Imagem: Arte AzMina

Barreiras na luta por igualdade

Várias proposições tentaram frear avanços recentes, principalmente Executivo e Judiciário, ou impor novos retrocessos, demonstrando a força da bancada conservadora. Nem as conquistas já consolidadas da população LGBTQIAP+ foram poupadas. É o caso do PDL 181/2023, que busca sustar a aplicação dos artigos 3º e 4º da Resolução n.º 1/99 do Conselho Federal de Psicologia, de março de 1999, 25 anos após sua publicação. A norma impede profissionais de psicologia de patologizar ou propor curas e tratamentos das homossexualidades, e de se pronunciarem publicamente para reforçar preconceitos sociais que associem homossexualidade a algum tipo de "desordem psíquica".

Para o senador Fabiano Contarato (PT-ES), ao invés de avançar em pautas essenciais, como geração de emprego e renda, saúde e educação, os congressistas usam o tempo para enfrentar discussões que não priorizam os direitos humanos e a justiça social. "Essas ofensivas no Legislativo têm um impacto negativo significativo sobre a comunidade LGBTQIA+. Esses projetos de lei alimentam a discriminação e ignoram a importância de garantir direitos constitucionais". O parlamentar se preocupa com a polarização acerca de pautas que deveriam ser consenso entre os partidos. "A falta de um debate sério e responsável sobre esses temas só agrava a vulnerabilidade de grupos minoritários no Brasil".

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Caio Klein, diretor da ONG Somos - Comunicação, Saúde e Sexualidade, comenta que o investimento em propostas antidireitos é uma tendência crescente no Legislativo, inclusive com textos sabidamente inconstitucionais. Uma reportagem d'AzMina em 2023 mostrou como a bancada evangélica monitora proposições progressistas, considerada pelo grupo como "conteúdo nocivo".

O cenário fragiliza a população LGBTQIAP+, pois alguns de seus direitos "não são garantidos por lei, e sim por normas infralegais, como as resoluções", segundo Klein. . A deputada Daiana Santos (PCdoB-RS) concorda. "Avalio esse primeiro ano de mandato como um grande retrocesso. O país teve um avanço do conservadorismo, do extremismo, de uma direita rasa, limitada e violenta que tem feito com que nós não consigamos avançar com pautas fundamentais para o desenvolvimento de toda a sociedade".

Pânico moral como ferramenta política

A atuação da extrema-direita no Senado e na Câmara em 2023 deu continuidade às estratégias das campanhas eleitorais de 2018 e 2022, como combate à "ideologia de gênero" cerceamento de direitos de pessoas trans, travestis e não binárias. A preocupação com acesso de mulheres trans a banheiros e vestiários femininos é um exemplo. O tema pautou pelo menos cinco PLs em 2023, justificados pelo risco a mulheres e crianças provocado por homens mal-intencionados que apenas se dizem transexuais.

De acordo com Pedro Barbabela, que pesquisa carreiras políticas LGBTI+ na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a composição conservadora do Congresso Nacional evidencia o emprego de técnicas de campanha da extrema-direita também pós-eleições. Entre os exemplos estão o uso de listas de transmissão de mensagens, muitas vezes desinformativas,, e a difusão de pânico moral, sob o argumento de que os direitos das pessoas LGBTQIAP+ ameaçam os padrões sociais.

Além de sobrecarregar burocraticamente o Congresso com tramitações antiquadas, perigosas e até inconstitucionais, os ataques promovidos por parlamentares da extrema-direita também incitam embates nas tribunas, tornando o clima das sessões hostil para representantes desses grupos. "É absurda a hostilidade no dia a dia, e como pautas tão importantes para a emancipação, para a evolução da sociedade brasileira, têm sido tratadas como moeda de troca nessa politicagem baixa que se alimenta de ódio e mentiras", critica a deputada Daiana Santos, lembrando que, com mais parlamentares, a bancada conservadora acaba fazendo mais "barulho" do que a progressista.

Sub-representação prejudica avanços

Como aponta a deputada, a baixa representação de parlamentares autodeclarados LGBTQIAP+ dificulta a resistência à ofensiva conservadora no Congresso. Enquanto a Câmara tem cinco parlamentares declaradamente gays, lésbicas e trans, o Senado tem apenas um. Além disso, com exceção do senador Fabiano Contarato, eleito em 2018, todas as deputadas e deputados estavam no primeiro ano de mandato em 2023.

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Estreia trans na Câmara dos Deputados

Mesmo com baixa representatividade, a atuação de parlamentares LGBTQIA+ tem sido intensa e ativa. As duas primeiras parlamentares trans na Câmara federal, Erika Hilton (PSOL-SP) e Duda Salabert (PDT-MG), são autoras ou co-autoras de 39 projetos de lei, cada uma.

Os impactos das atuações da dupla são vistos como positivos por organizações da sociedade civil e movimentos sociais. Para Caio Klein, do SOMOS, embora seja cedo para avaliar o desempenho das parlamentares, as plataformas de ambas ultrapassam as questões de gênero, considerando também agendas como educação, saúde e meio ambiente.

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Na avaliação do pesquisador Pedro Barbabela, há também o ganho simbólico da eleição das duas. "Temos duas mulheres com trajetórias de vida muito singulares que conseguiram romper com as expectativas sociais que são impelidas para os corpos trans". Para ele, a presença das deputadas em Brasília representa transgressão às normas cisgêneras e heterossexuais que marginalizam os corpos trans nos espaços públicos, inclusive na política, abrindo caminho para outras pessoas poderem "construir uma vida fora das margens".

Chopelly Santos, vice-presidenta da Antra, ressalta que a presença das duas deputadas trans reflete mais de 30 anos de trabalho do movimento organizado, e inspira outras pessoas a buscarem espaço na política institucional e em carreiras de alto desempenho. "É por conta delas que hoje a gente tem 122 candidaturas de pessoas trans a prefeituras no Brasil afora. É fruto do trabalho do movimento social que nós não temos só deputadas, mas médicas, advogadas", diz, complementando: "É a primeira geração de travestis e transexuais que está chegando ao lugar em que passamos anos lutando para chegar, o lugar da dignidade social".

Metodologia

O Elas no Congresso usa dados públicos do Congresso Nacional para monitorar os direitos das mulheres no Poder Legislativo e avaliar a atuação dos parlamentares nesse campo. A nota de cada senador e deputado no ranking depende da pontuação dos projetos com os quais ela/ele e seu partido estiveram envolvidos e da pontuação geral do seu partido. Cada proposta recebe uma pontuação, que vai de -2 a 2, de acordo com sua relevância e seu posicionamento em relação aos direitos das mulheres. Para entender como a pontuação é feita, acesse: elasnocongresso.com.br/metodologia.

Matéria publicada originalmente em AzMina

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