Mangás eróticos com crianças geram debate sobre liberdade de expressão no Japão
Os famosos quadrinhos japoneses, conhecidos como mangás, voltados para adultos têm gerado debates no Japão sobre os limites entre liberdade de expressão artística e pedofilia.
A polêmica começou há algumas semanas quando a relatora especial da ONU para tráfico de menores e prostituição e pornografia infantis, Maud de Boer-Buquicchio, pediu que esse tipo de material fosse banido no Japão.
No ano passado, o governo japonês decretou uma lei que proíbe e penaliza a posse de fotos e vídeos abusivos de menores. Mas, para a relatora da ONU, ainda existem brechas que permitem a exploração infantil, como é o caso dos mangás eróticos.
"Esses conteúdos pedófilo-pornográficos extremos deveriam ser proibidos", disse Maud de Boer-Buquicchio a jornalistas.
A representante da ONU citou ainda atividades comerciais que encontram lacunas na lei para continuar atuando, como a venda de DVD's e de álbuns de fotos na internet, e a existência de lojas especializadas em imagens de menores de 12 anos de biquíni ou sunga.
"Nos últimos dez anos, a sexualização das crianças tem piorado de forma constante à medida que a idade de exploração delas também diminui", disse à BBC Brasil a ativista Aiki Segawa, relações públicas da Lighthouse, organização sem fins lucrativos de combate ao tráfico humano e exploração infantil.
"Existem produtos que usam menores de 15 anos vestidas com microbiquínis e que são forçadas a realizar atos sugestivos em filmes", denuncia.
Quadrinhos
No entanto, a grande discussão gira mesmo em torno dos mangás. A maioria dos desenhistas e criadores de animes (desenhos animados japoneses) é contra a ideia de proibir a divulgação de algum tipo de sexualização infantil.
Para eles, desenhos são representações ficcionais, criações artísticas, e não registros de abuso infantil, como fotos de pedofilia.
"Misturar representações ficcionais de menores envolvidos em situações sexuais com provas fotográficas de abuso sexual de crianças é confundir realidade com ficção", diz Dan Kanemitsu, tradutor de mangás que criou um movimento na internet para unir os desenhistas e criticar o relatório de Maud de Boer-Buquicchio.
Ele disse à BBC Brasil que culpar a ficção por um ato praticado por um indivíduo pode criar um precedente perigoso. "Se tivéssemos de aceitar a noção de que as pessoas podem facilmente ser incentivados a realizar atos criminosos, então até mesmo a Bíblia poderia ser suspeita", sugeriu.
Para Kanemitsu, se for seguir a lógica de que imagens sensualizadas de menores incentivam a ação de pedófilos então o governo deveria monitorar tudo o que é lido.
"Se alguém não tem condições para fazer um bom julgamento do que está lendo, então deve ser responsabilidade do Estado ajudar essas pessoas e não tirar de todo o povo o direito de pensar e discutir", defende o profissional.
"Só porque algumas pessoas têm alergia a amendoim não significa que ele deva ser eliminado de um país", compara.
O professor e pesquisador Mauro Neves, do departamento de Estudos Luso-Brasileiros da Universidade Sophia, em Tóquio, concorda com Kanemitsu.
"Seria o mesmo que achar que qualquer filme, anime ou programa de TV que apresenta violência contribua diretamente para o aumento dela. É um tema que vai ter sempre quem esteja a favor e quem esteja contra", diz o brasileiro, que desenvolve pesquisas sobre a cultura pop no Japão.
Neves lembra ainda que este tipo de mangá e de anime são partes da cultura japonesa como um todo. "É preciso entender que os japoneses só passaram a ter a noção de pecado e de imoralidade como os ocidentais a partir da reforma Meiji (1868)", explica.
"Proibir o material ficcional porque ele pode incentivar as pessoas a realizar atos criminosos limita não só severamente a liberdade de expressão, mas pressupõe que as pessoas não devam ter livre arbítrio", complementa Kanemitsu.
Para Aiki, no entanto, há um exagero na sexualização de menores no Japão e uma distorção no foco do debate. "Aqui, o foco da discussão é em torno da liberdade de expressão de quem produz esses materiais em vez de se pensar no direito das crianças de serem protegidas", critica.
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