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Vigorexia: os homens musculosos que não conseguem parar de malhar

Há poucas estatísticas oficiais sobre número de pessoas que sofrem com transtorno - AFP/Reprodução
Há poucas estatísticas oficiais sobre número de pessoas que sofrem com transtorno Imagem: AFP/Reprodução

Valeria Perasso

Repórter especial do Serviço Mundial da BBC

22/08/2016 16h57

Quando Nicolas Depoorter se olha no espelho, ele vê o adolescente magrelo que ele foi um dia - apesar de o jovem de 24 anos ter atualmente um bíceps com uma circunferência de meio metro.

“Todo o meu tempo livre eu uso para treinar. Eu sempre arranjo tempo para ir à academia nos finais de semana, porque me sinto mal quando não vou. É realmente uma obsessão”, diz Depoorter.

Sua rotina diária de três horas na academia não existe só porque ele é viciado em malhar. Ele sofre uma dismorfia muscular, ou vigorexia, um transtorno de aparência que é pouco conhecido mas está se tornando cada vez mais comum, principalmente entre homens.

Não importa se tenham barriga tanquinho ou peitorais sarados, as pessoas afetadas pela condição são obcecadas com a ideia de que não são musculosas o suficiente.

“Para mim, é uma obsessão saudável. Além disso, se você quer ser melhor que os outros, precisa ser um pouco obcecado. É um estilo de vida, algo que você faz 24 horas por dia, sete dias por semana”, disse Deporteer à BBC.

De acordo com um estudo recente da Universidade de Sydney, os homens têm quatro vezes mais chances de ter vigorexia e não serem diagnosticados do que as mulheres.

Em um estudo de larga escala sobre a imagem corporal no mundo industrializado, pesquisadores descobriram que, embora proporcionalmente mais mulheres estejam insatisfeitas com seus corpos do que homens, eles sofrem mais psicologicamente.

'Acho que nunca serei grande o suficiente', diz Depoorter - Nicolas Depoorter/Reprodução - Nicolas Depoorter/Reprodução
'Acho que nunca serei grande o suficiente', diz Depoorter
Imagem: Nicolas Depoorter/Reprodução

“Homens insatisfeitos com seus corpos podem ser um grupo particularmente de risco”, diz Scott Griffths, autor principal do estudo. “O estigma adicional sobre os homens é que eles seriam menos masculinos sofrendo de um problema estereotipado como feminino.”

A condição, que costumava atingir principalmente halterofilistas e quem se exercitava muito, está se tornando um “problema de saúde em ascensão”, de acordo com especialistas.

Pressão externa

Nascido na Bélgica, Deporteer nem sempre teve essa aparência musculosa. Ele era obeso quando criança e um nutricionista o ajudou a emagrecer durante a adolescência. Mas ele desenvolveu anorexia nervosa.

Surgiu a fixação pela contagem de calorias e os treinos intensos para deixar de ser “esquelético”.

“A parte mais difícil foi superar a anorexia. Quando comecei (a malhar) doía muito, mas eu vi tanta melhora que agora me sinto mal se falto um dia. Tudo isso - a dieta, treinar, a vida social na academia - virou parte de quem eu sou”, afirma.

Para Pradee Bala, de 26 anos, o desejo de “crescer” veio com a comparação com homens em revistas – achar uma “big inspiration”, “grande inspiração” no jargão do fisiculturismo, é uma tendência que, segundo especialistas, esta por trás do problema de vigorexia.

Pradeep Bala diz que tem um hobby saudável mas que muitas vezes é visto sob um ângulo negativo - Reprodução/BBC - Reprodução/BBC
Pradeep Bala diz que tem um hobby saudável mas que muitas vezes é visto sob um ângulo negativo
Imagem: Reprodução/BBC

“Encontrei inspiração vendo outro atletas e pensando, ‘com certeza posso ter um corpo igual’”, diz Bala, que começou a praticar o fisiculturismo aos 16 por sua “personalidade muito competitiva”.

Aos 19, ele percebeu que tinha um corpo que entraria na capa de qualquer revista "fitness", mas também tinha um problema.

“Me dei conta de que estava ficando muio obsessivo. Não conseguia me concentrar nos estudos e não dava atenção à família e aos amigos. Eu nem conseguia aceitar o fato de que a vigorexia existe”, disse Bala à BBC.

A vigorexia é muitas vezes descrita como uma anorexia ao contrário: enquanto quem sofre de anorexia se acha muito grande, os vigoréxicos se veem como pequenos e fracos e querem crescer.

A insatisfação com o corpo toma forma diferente em homens, destaca Griffith. Enquanto mulheres tendem a ser obcecadas por diminuir seu peso, homens normalmente se preocupam em crescer.

homem puxando peso - AFP/Reprodução - AFP/Reprodução
Imagem: AFP/Reprodução

Não se sabe exatamente quantas pessoas são afetadas pela dismorfia muscular.

Uma reportagem do programa Newsbeat, da BBC, revelou, no ano passado, que um em cada 10 homens nas academias do Reino Unido tinha a desordem e, embora seja difícil ter estatísticas, médicos acreditam que os números sejam semelhantes em países do Ocidente.

Pesquisas indicam que até 2,4% dos homens se encaixam no critérios de diagnóstica de dismorfia corporal e 22% deles sofrem especificamente de vigorexia, de acordo com o psiquiatra Roberto Olivardia, da Harvard Medical School.

Mas esses números podem estar subestimados.

Depressão e anabolizantes

Outra pesquisa, publicada no Reino Unido recentemente pelo centro de estudos de publicidade Credos, mostra que jovens do sexo masculino estão cada vez mais preocupados com sua aparência: mais da metade de todos os garotos do ensino médio que participaram da pesquisa consideraram que exercícios são o meio para atingir o corpo desejado.

Segundo especialistas, o aumento da musculação recreacional, assim como o crescimento do retrato de homens cada vez mais musculosos na mídia, é parte de uma tendência preocupante.

homens na academia - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

Com algumas exceções, como Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger, “guerreiros hipermusculosos eram anomalias nos anos 1980. Christopher Reeve pode ter ficado bem como Super-Homem, mas ele era fraco se comparado à versão de 2013 de Henry Cavill do homem de aço”, diz um artigo da revista Timede 2014.

A vigorexia aumentou como um efeito colateral indesejado, com as ameaças à saúde associadas.

“A nova pesquisa mostra que homens podem correr risco não só de dietas excessivas como têm uma tendência desproporcional a ter depressão”, diz o estudo da Universidade de Sydney.

E a depressão relacionada à vigorexia pode assumir muitas formas – desde explosões de raiva devido à falta de “progresso” até se exercitar mesmo machucado e entrar em pânico por perder um dia de academia.

E o uso de anabolizantes e hormônios é um perigo associado, que segundo o estudo está aumentando.

homem fazendo flexões - Thinkstock/Reprodução - Thinkstock/Reprodução
Imagem: Thinkstock/Reprodução

“Na academia é algo normal, ninguém está feliz com seu corpo e quer mais”, diz Depoorter.

“Decidi ser natural e me manter saudável. Meus pais me ensinaram que não há atalhos e você precisa trabalhar duro pelo que realmente quer, então é isso que eu faço. Uso suplementos, mas não anabolizantes”, agrega.

Pradeep Bala também defende uma abordagem “natural” ao fisiculturismo e diz que a vigorexia agora é “uma coisa do passado”, que ele superou “sem terapia, só com determinação”.

“Tenho muitos bons amigos que agora me aceitam por quem eu sou e parei de ser tão duro comigo mesmo”, diz ele.

“Ainda estou ganhando músculos, mas é um resultado normal do exercício, de dormir bem, comer de forma saudável. Isso é um "hobby" saudável e nem sempre precisa ser retratado sob um ângulo tão negativo.”