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Casa sobre uma cascata é considerada a "melhor obra de arquitetura dos EUA"

29/06/2017 19h38

Chicago, 16 de outubro de 1956. Frank Lloyd Wright, arquiteto mais famoso dos Estados Unidos à época, organizou uma entrevista coletiva para revelar o projeto do Illinois, um arranha-céu quatro vezes mais alto do que o Empire State.

Em junho deste ano se completaram 150 anos do nascimento de Wright, que naquele momento tinha 89 anos e acompanhava a construção do museu Guggenheim, em plena Quinta Avenida de Manhattan, e se mostrava mais radical e provocativo do que nunca.

O Guggenheim, controverso pela forma do edifício, ajudou Wright a conquistar popularidade na imprensa.

Wright era muito inteligente e à frente de seu tempo não só em arquitetura, mas também e assuntos de política e ética. Era, sem dúvida, um mestre do sarcasmo.

Uma vez, ele recomendou a um cliente que reclamara sobre uma infiltração no telhado de sua casa - o que fazia a chuva atingir as cadeiras da sala de jantar - que movesse as cadeiras.

E quando um tribunal lhe perguntou qual era sua ocupação, ele respondeu: "Sou o melhor arquiteto no mundo". Ao ser repreendido pela mulher pela resposta, disse: "Não tive escolha, Olgivanna. Estava sob juramento".

Desprezo pela cidade

Apesar da atenção midiática e da brilhante execução de seus projetos urbanos em Chicago e Nova York, o octagenário Wright não gostava muito das cidades - Divulgação/WPC/Fallingwater - Divulgação/WPC/Fallingwater
Imagem: Divulgação/WPC/Fallingwater

Apesar da atenção midiática e da brilhante execução de seus projetos urbanos em Chicago e Nova York, o octagenário Wright não gostava muito das cidades. A paixão dele era a natureza.

O Illinois, desenhado para abrigar 100 mil pessoas, foi sua maneira de fazer frente à expansão urbana, de tratar de escapar da cidade e cuidar da natureza.

Mas o edifício acabou nunca sendo construído e Wright, com uma carreira que já completava três quartos de século, teve que construir um arranha-céu: a torre Price, que abriu as portas em 19 de fevereiro de 1956, em Bartlesville, no Oklahoma.

A fama mundial chegou com o desenho de centenas de residências americanas.

Uma delas é a Casa da Cascata (Fallingwater, na definição original em inglês), cujo projeto deu novo impulso a sua carreira em meados da década de 1930.

Era o período da Grande Depressão e um momento em que críticos começavam a classificá-lo como antiquado, em meio ao surgimento de uma geração mais jovem no modernismo europeu - Bauhaus, Le Corbusier e Mies van der Rohe - que conquistava os Estados Unidos.

Reconhecida internacionalmente como obra-prima, a construção integra o conjunto do patrimônio histórico dos EUA.

Ela está o mais arquitetonicamente perto da natureza possível: foi construída sobre uma cascata. E a rocha sobre a qual está apoiada se eleva por dentro da sala de estar.

Desde que foi entregue à Conservação Ocidental da Pensilvânia (WPC, na sigla em inglês) em 1963 e reabriu as portas como museu, essa remota residência ao sudeste de Pittsburgh já foi visitada por cerca de 5 milhões de pessoas interessadas em admirar a obra que reavivou a carreira de Wright.

Lidando com a natureza

O original e belo retiro na montanha foi comissionado por Edgar J. Kaufmann, um rico proprietário de uma loja de departamentos em Pittsburgh, e por sua mulher, Liliane Kaufmann.  Kaufmann havia pensado em uma casa com vista para a cascata Bear Run, mas Wright insistiu: "Quero que viva na cascata, não que apenas olhe para ela".

Dessa forma, depois de vários meses de conversas com Kaufmann, Wright deu asas à criatividade e começou os projetos.

Nas ideias, se via uma casa de três andares com uma área prolongada como uma consola sobre a cascata, com um design arrojado, combinando concreto, aço, vidro e pedras do lugar.

Era como se a casa estivesse entre as árvores, as rochas, o rio e a cascata. 

Sua ousadia no uso das consolas (elementos salientes numa parede, com forma variável) criou discordâncias entre o arquiteto e seu cliente, e Wright chegou a ameaçar desistir do projeto.

Mas a parte virada para o rio começou a afundar assim que o concreto foi removido. A umidade se infiltrava e as luzes do teto gotejavam.

Ainda assim, Liliane, até então cética em relação ao design, começou a apreciar a beleza da Fallingwater e sua estrutura.

Em carta enviada a Wright, ela disse que viu da janela "uma árvore com galhos nus entrelaçados" e a classificou como "um substituto mais que satisfatório para cortinas".

A Casa da Cascata era, sem dúvida, uma proposta muito diferente de tudo o que ele havia feito até aquele momento.

Wright, que desenhou cada detalhe da casa, embutiu muitos dos móveis às paredes - uma forma de tornar a grande obra-prima "à prova de clientes".

Mudança de mãos

Os Kaufmann já não ocupam mais a casa, mas o interior do imóvel permanece, na maior parte, exatamente como Wright desenhou.

A Casa da Cascata foi finalizada em 1938 e foi destaque da capa da revista Time em janeiro daquele ano, que a considerou "a obra mais bela" do arquiteto.

O preço chegava a US$ 155 mil - o equivalente hoje a US$ 2,7 milhões. Wright recebeu uma comissão de US$ 8 mil.

O custo da restauração urgente - já que havia risco de colapso - superou US$ 11 milhões.

Em um café no Estado da Pensilvânia, perto do lugar, está escrito: "Frank Lloyd Wright construiu uma casa sobre a água que cai, o que não deve ser feito".

Pode ser que a casa tenha seus defeitos, mas sua beleza é transcendental e, atualmente, ela não tem preço.

História trágica 

Em 1952, Liliane se matou na Casa da Cascata. Edgar morreu três anos depois.

Seu filho, Edgar Jr., que foi aprendiz de Wright no começo dos anos 1930, herdou a casa, que dividiu com seu parceiro, o arquiteto e designer espanhol Paul Mayén, que deu vida ao centro de visitantes, o café e a loja de souvenirs em 1981. Edgar Jr. doou a a Casa para o WPC.

Para Wright, a Casa da Cascata representou uma retomada de sua carreira, com uma criação que ia na contramão da influência europeia do modernismo que perdurou por anos.

Ele se tornou um individualista comprometido e rejeitou se filiar ao Instituto Americano de Arquitetos.

Quando alguém o chamava de "velho aficionado" ele - que trabalhou até morrer, aos 91 anos - respondia apenas: "Sou o mais velho".

Por Jonathan Glancey