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Por que "não fazer nada" pode te ajudar a ser mais produtivo no trabalho

Getty Images
Imagem: Getty Images

Amanda Ruggeri

08/01/2018 20h41

Quando me mudei de Washington para Roma, uma cena me impressionou mais do que qualquer basílica ou templo antigo: a de pessoas que não "faziam nada".

Com frequência, me deparava com senhoras debruçadas nas janelas, observando as pessoas que passavam, ou famílias em meio a suas caminhadas noturnas, parando de vez em quando para cumprimentar conhecidos.

Até mesmo a rotina no escritório era diferente. Nada de sanduíches devorados às pressas. Na hora do almoço, os restaurantes ficavam repletos de profissionais que se sentavam à mesa para comer devidamente.

Certamente, desde o século 17, quando os jovens do Grand Tour (roteiro que os europeus de classe média e alta costumavam fazer) começaram a escrever seus relatos de viagem, as pessoas que chegam de fora trazem uma ideia estereotipada da "indolência" italiana.

Mas não é bem assim. Os mesmos amigos que vão para casa de motocicleta para um almoço mais prolongado, constantemente voltam ao escritório para trabalhar até tarde da noite.

Ainda assim, a aparente crença de equilibrar o trabalho duro com o il dolce fare niente (a doçura de não fazer nada, em tradução livre), sempre me chamou a atenção. Afinal, "não fazer nada" parece ser o oposto de ser produtivo. E a produtividade - seja criativa, intelectual ou industrial - é o aproveitamento máximo do nosso tempo.

Mas, enquanto preenchemos nossos dias com mais e mais afazeres, muitos de nós já percebemos que a atividade ininterrupta não é o ápice da produtividade. Mas, sim, sua adversária.

Especialistas sugerem que o trabalho produzido ao fim de uma jornada de 14 horas é de pior qualidade do que quando estamos descansados. Além disso, esse padrão de trabalho também prejudica nossa criatividade e cognição.

Com o tempo, pode fazer com que o trabalhador se sinta fisicamente doente e, ironicamente, como se não tivesse um propósito.

"Pense no trabalho mental como fazer flexões", comenta Josh Davis, autor do livro Two Awesome Hours (Duas Horas Incríveis, em tradução livre).

Digamos que você queira fazer 10 mil flexões. A maneira mais 'eficiente' seria realizá-las sem pausa. Mas seria impossível.

Por outro lado, se fizéssemos apenas uma série por vez, intercalando as "flexões" com outras atividades e distribuindo-as ao longo das semanas, seria muito mais viável alcançar a meta.

"O cérebro é muito parecido com um músculo neste sentido", escreve Davis.

"Estabelecer as condições inadequadas por meio do trabalho constante nos faz ter pouco sucesso. Já se estabelecermos as condições apropriadas, há pouco que não poderíamos fazer."

Fazer ou morrer

Muita gente tende a pensar, no entanto, que o cérebro não é um músculo, mas, sim, um computador: uma máquina capaz de realizar trabalho constante. E, segundo especialistas, o ato de nos pressionarmos a trabalhar durante horas sem descanso pode ser prejudicial.

"A ideia de que é possível esticar indefinidamente os tempos de concentração e produtividade a esses limites arbitrários é muito ruim. É contraproducente", diz o cientista Andrew Smart, autor de Auto-pilot: the Art and Science of Doing Nothing (Piloto automático: a arte e a ciência de não fazer nada, em tradução livre).

Um análise combinada de diferentes estudos no mesmo assunto identificou que trabalhar por muitas horas aumenta o risco de desenvolver doenças coronarianas em 40%, quase tanto quanto ser fumante (50%).

Outro estudo mostrou que as pessoas com longas jornadas de trabalho têm um risco significativamente maior de enfartar, enquanto aquelas que trabalham mais de 11 horas por dia são quase 2,5 vezes mais propensas a desenvolver um quadro de depressão, em comparação com quem tem uma jornada de sete a oito horas.

No Japão, esse hábito tem resultado em uma tendência perturbadora, chamada karoshi ou morte por excesso de trabalho.

Se você está se perguntando se isso significa que deveria tirar suas férias atrasadas, a resposta pode ser sim.

Um estudo realizado com executivos em Helsinki, na Finlândia, mostrou que durante mais de 26 anos, os gerentes e empresários que tiraram menos férias sofreram mortes precoces e apresentaram uma saúde pior na velhice.

Eficiência: algo novo?

É fácil pensar que a eficiência e a produtividade são obsessões novas. Mas o filósofo britânico Bertrand Russell discordaria.

"Vão dizer que embora um pouco de ócio seja agradável, os homens não saberiam preencher seus dias se só trabalhassem quatro das 24 horas", escreveu Russell em 1932.

Da mesma maneira, algumas das pessoas mais criativas e produtivas do mundo se deram conta da importância de fazer menos. Sempre com uma ética de trabalho forte, mas também períodos de tempo dedicados ao descanso e ao ócio.

"Trabalhe em uma coisa só até terminá-la", escreveu o artista e escritor Henry Miller em seus 11 mandamentos da escrita.

"Pare no horário marcado! Mantenha-se humano! Vá a lugares, veja pessoas, beba se isso te atrai".

Até mesmo Benjamin Franklin, um dos 'pais fundadores' dos Estados Unidos, dedicava grande parte de seu tempo ao ócio. Todos os dias, descansava duas horas após o almoço, deixava as noites livres e tinha uma noite inteira para dormir.

Em vez de trabalhar sem parar como impressor, atividade que pagava suas contas, ele passava "muitas horas" socializando e entretido com passatempos.

"Na realidade, os mesmos interesses que o afastaram de sua profissão inicial levaram-no a muitas coisas maravilhosas pelas quais é conhecido, como ter inventado o para-raios", diz Davis.

Mesmo em uma escala global, não há uma clara correlação entre produtividade de um país e a média de horas trabalhadas. Com uma média de 38,6 horas por semana, por exemplo, o empregado norte-americano trabalha em média 4,6 horas a mais na semana do que um norueguês.

No entanto, os trabalhadores noruegueses contribuem com U$ 78,70 por hora para o Produto Interno Bruto (PIB), enquanto os norte-americanos contribuem com U$ 69,60.

No caso da Itália, berço do il dolce far niente, com uma média semanal de 35,5 horas de trabalho, o país produz quase 40% a mais por hora do que a Turquia, onde as pessoas trabalham em média 47,9 horas por semana.

Parece então que todos os intervalos para tomar café não são tão ruins.

Entre cochilos e pequenas pausas

A razão pela qual temos jornadas de trabalho de oito horas, por exemplo, se deve ao fato de as empresas terem descoberto que reduzir as horas dos empregados gerava um efeito contrário ao que esperavam: aumentava a produtividade.

Durante a revolução industrial, jornadas de 10 a 16 horas eram normais. A Ford, fabricante de automóveis, foi a primeira companhia a testar turnos com oito horas - e percebeu que seus empregados eram mais produtivos não só a cada hora, mas de um modo geral. Em dois anos, os ganhos da empresa dobraram.

Se as jornadas de trabalho de oito horas são melhores do que as de dez, quer dizer que turnos com menos horas seriam ainda melhores? Talvez.

Uma pesquisa mostrou que para pessoas com mais de 40 anos, uma carga horária semanal de 25 horas pode ser ótimo para a cognição. A Suécia, por exemplo, experimentou recentemente jornadas de seis horas diárias e constatou que a produtividade dos empregados melhorou, assim como a saúde deles.

A forma como as pessoas se comportam durante um dia de trabalho parece confirmar essa teoria.

Uma pesquisa realizada com quase 2 mil empregados em tempo integral, na Inglaterra, sugere que as pessoas só eram produtivas durante duas horas e 53 minutos de uma jornada de oito horas.

Durante o resto do tempo, checavam suas redes sociais, liam notícias, conversavam com colegas de trabalho, comiam e até mesmo buscavam outros empregos.

Podemos nos concentrar por um período de tempo ainda mais curto quando estamos nos forçando ao limite de nossas capacidades.

De acordo com o psicólogo K. Anders Ericsson, da Universidade de Estocolmo, na Suécia, ao começar um tipo de "prática deliberada" necessária para dominar qualquer atividade, é preciso mais pausas do que pensamos.

A maior parte das pessoas pode trabalhar somente uma hora sem necessidade de pausa. Existem músicos profissionais, autores e atletas que não dedicam mais de cinco horas diárias ao seu ofício.

Outro hábito que eles têm em comum? A "tendência de tirar cochilos para se recuperar", afirma Ericsson. Uma maneira de descansar tanto o cérebro quanto o corpo.

Descanso ativo

Mas a palavra "descanso", como alguns pesquisadores ressaltam, não é necessariamente o melhor termo para descrever o que estamos fazendo quando não fazemos nada.

A parte do cérebro que é ativada quando não fazemos nada, conhecida como rede neuronal em modo padrão (DMN, na sigla em inglês), desempenha um papel fundamental na consolidação da memória e na visão do futuro.

É também a zona do cérebro que ativamos quando observamos outros indivíduos, pensamos sobre nós mesmos, fazemos julgamento moral ou processamos as emoções de outras pessoas.

Em outras palavras, se esta rede se apagar, podemos ter dificuldade de memória, de antecipar consequências, compreender as interações sociais, entender a nós mesmos, agir de forma ética ou ter empatia com os demais. Ou seja, tudo que nos torna não apenas funcionais no ambiente de trabalho, como também na vida.

"Esse tempo de ócio te ajuda a reconhecer a importância mais profunda das situações. Ajuda a entender o significado das coisas. Quando você não está dando significado para as coisas, está apenas reagindo e agindo no momento, e você estará sujeito a muitos tipos de comportamentos e crenças cognitivas e emocionais não apropriadas para o ambiente", afirma Mary Helen Immordino-Yang, neurocientista e pesquisadora do Instituto do Cérebro e da Criatividade da Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos.

Da mesma maneira, não teríamos a capacidade de pensar em novas ideias e conexões. A DMN é acionada quando fazemos associações entre assuntos que parecem não estar relacionados ou quando propomos ideias originais.

Também é o lugar onde afloram momentos de inspiração, o que significa que, assim como Arquimedes, você pode ter uma ideia brilhante quando está passeando ou tomando banho. E deveria agradecer à biologia por isso.

Talvez o mais importante de tudo seja: se não reservarmos um tempo para dirigir nossa atenção para dentro, perderemos um elemento crucial da felicidade.

"Estamos fazendo coisas sem dar significado para elas durante uma grande parte do tempo", ressalta Immordino-Yang.

"Quando você não tem a habilidade de inserir suas ações em uma causa mais ampla, elas ficam sem sentido com o tempo, vazias e não conectadas com o seu sentido geral. E sabemos que não ter um propósito com o tempo se associa a não ter uma boa saúde emocional e psicológica".

Tricotar e meditar?

As pessoas que meditam sabem muito bem que fazer nada pode ser surpreendentemente difícil. Após 30 segundos de descanso, quem não sente necessidade de checar o celular?

De fato, fazer nada é tão incômodo que muitas vezes optamos até por nos prejudicar. Literalmente. Em 11 estudos científicos diferentes, pesquisadores mostraram que os participantes preferiam qualquer coisa, incluindo receber choques elétricos, ao invés de fazer nada. Mesmo sabendo que não precisavam ficar sentados por muito tempo - os experimentos variavam entre seis e 15 minutos.

A boa notícia é que você não precisa se dedicar a fazer absolutamente nada para ter benefícios. É verdade que o descanso é importante. Porém, na reflexão ativa também é possível tirar grande proveito, seja digerindo um problema que você tem ou formulando uma ideia.

De fato, tudo que requer a visualização de resultados hipotéticos ou cenários imaginários, como debater um problema com amigos, ou se perder lendo um bom livro, também ajuda, segundo Immordino-Yang.

E se você tem um propósito, é até mesmo possível ativar sua rede neuronal de modo padrão ao acessar as redes sociais.

"Se você simplesmente está olhando uma foto bonita, a rede neuronal (DMN) estará desativada. Mas, se você faz pausas e tenta analisar a imagem de uma forma mais ampla, tentando entender por que a pessoa da foto está se comportando daquela maneira, elaborando uma narrativa ao seu redor, então, nesse caso, é muito possível que esteja ativando essas redes", explica a pesquisadora.

A meditação é outro método eficaz. Com uma semana de prática para os iniciantes, ou apenas uma sessão para os mais experientes, é possível melhorar a criatividade, o humor, a memória e a concentração.

Qualquer outra tarefa que não exija 100% de concentração também pode ajudar, como tricotar ou rabiscar. Como escreveu Virginia Woolf em Um Teto Todo Seu (1929): "Desenhar croquis era um modo preguiçoso de cumprir o trabalho inútil da manhã. É, porém, no ócio, nos sonhos, que a verdade submersa geralmente vem à tona".