STF decide se grávidas e mães presas provisórias podem ir pra casa; entenda o que está em jogo
O Supremo Tribunal Federal (STF) pode decidir nesta terça-feira se mulheres grávidas e mães de crianças de até 12 anos que estejam em prisão provisória (ou seja, que não foram condenadas) terão o direito de deixar a cadeia e ficar em prisão domiciliar até seu caso ser julgado.
A Segunda Turma da corte, composta pelos ministros Edson Fachin, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, vai votar um habeas corpus coletivo em nome dessas detentas e de seus filhos, sob o argumento de que "confinar mulheres grávidas em estabelecimentos prisionais precários, subtraindo-lhes o acesso a programas de saúde pré-natais, assistência regular no parte e pós-parto, e ainda privando as crianças de condições adequadas a seu desenvolvimento, constitui tratamento desumano, cruel e degradante".
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Não há dados oficiais a respeito, mas estima-se que um terço da população carcerária feminina (hoje composta de mais de 42 mil mulheres) se enquadre na categoria de gestantes ou mães de crianças pequenas, segundo o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu), que está entre os impetrantes do habeas corpus no Supremo.
Ou seja, é possível que até 14 mil detentas sejam autorizadas a ficar em prisão domiciliar. No entanto, não se sabe de antemão se o habeas corpus, caso acatado, teria efeito imediato ou não.
Uma lei de 2016 já determina que presas grávidas ou com filhos de até 12 anos possam pedir substituição da prisão preventiva pela domiciliar dentro da justificativa de "assegurar os direitos da criança, do adolescente e do jovem como prioridade absoluta". Mas há uma resistência entre juízes de primeira instância em conceder esse benefício, segundo advogados.
"Hoje, os juízes argumentam que não ficou comprovado (pela defesa dessas mulheres) que a mãe é insubstituível, o que é infundado. A mãe é sempre insubstituível, e esperamos que isso não precise ser comprovado caso a caso", diz Nathalie Fragoso, advogada do CADHu, à BBC Brasil.
"Outro argumento é de que a defesa não conseguiu comprovar que a mãe está em situação degradante na cadeia, quando sabemos que o sistema penitenciário inteiro está em absoluta calamidade no Brasil."
"Forma seletiva"
O tema ganhou destaque no noticiário recente com dois casos ocorridos em São Paulo. Neste mês, um bebê recém-nascido foi levado com a mãe à penitenciária após ela ter sido detida sob a acusação de tráfico de drogas, e no mês passado, a presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Laurita Vaz, negou habeas corpus à mãe de uma criança de um mês de vida, impedindo-a de cumprir pena domiciliar.
A mãe havia sido presa com 8,5 g de maconha encontradas dentro de um bolo que ela levava ao marido na prisão. Na decisão, Vaz afirmou que "a simples existência de filhos menores não enseja a concessão automática da benesse (da prisão domiciliar)".
Para críticos, decisões do tipo contrastam com o benefício concedido a Adriana Ancelmo, ex-primeira-dama do Rio, presa no âmbito da Operação Calicute (desmembramento da Lava Jato).
Ela, que é mãe de crianças de 11 e 15 anos, recebeu o direito a prisão domiciliar em dezembro, por decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF, que afirmou que a prisão de mães e grávidas é "absolutamente preocupante" e defendeu alternativas ao encarceramento, para não haver "punição excessiva" à mulher ou a seus filhos.
"O habeas corpus (em votação nesta terça) ressalta a forma seletiva como a Justiça trata as mulheres presas (...) e o quão constratantes são as decisões envolvendo mulheres de diferentes classes sociais", diz o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos. "Por essa perspectiva, oferece uma oportunidade para que o STF corrija injustiças e revogue a prisão de todas, e não apenas de um grupo seleto de mulheres."
Proteção à infância
O impacto da prisão repentina de uma mãe é "desvastador" para famílias carentes, explica à BBC Brasil Maria do Carmo Leal, médica e pesquisadora da Fiocruz e coordenadora de uma pesquisa chamada "Nascer nas Prisões", cujos dados serão apresentados ao STF durante a votação desta terça.
"Ocorre uma desestruturação completa, porque a mãe em geral era o arrimo da família e ela desaparece repentinamente (da vida familiar)", relata.
Entre 2011 e 2014, a pesquisa da Fiocruz mapeou detentas gestantes ou mães de bebês pequenos em penitenciárias de 24 Estados brasileiros.
"A maioria tem entre 20 e 29 anos, é pretas ou parda, de baixa escolaridade e muita vulnerabilidade social. E 62% delas já tinham de dois a quatro filhos", diz a médica.
"Mais da metade delas não tinha companheiros e um terço se declarou chefe de família. A maioria foi presa por delitos menores, como levar drogas para o marido na cadeia, vender pequenas quantidades da droga ou envolver-se em brigas. É a baixa democracia brasileira: prender mães pobres, (impondo-lhes) um castigo desse tamanho."
A mulher não perde a guarda dos filhos ao ser presa, mas essa guarda fica suspensa até o julgamento definitivo do processo, suspensão que persiste se houver condenação a pena superior a dois anos.
"Os irmãos são separados para viver em abrigos ou serem cuidados por parentes ou vizinhos. E bebês de até seis meses ficam com as mães na prisão na maioria dos Estados, enquanto são amamentados. Mas é um período de grande sofrimento, porque a mãe não sabe o que vai acontecer com a criança em seguida. Daí, de um dia para o outro esse bebê simplesmente deixa de ver a mãe, algo inominável para o desenvolvimento e a saúde infantil", prossegue Leal.
Os filhos das detentas são citados como parte interessada no habeas corpus porque o encarceramento de suas mães "viola massivamente direitos constitucionais das crianças, como saúde, alimentação (por conta da amamentação) e convivência com a família e a comunidade", diz Pedro Hartung, advogado do Alana, grupo de defesa dos direitos infantis.
"Pesquisas mostram que crianças expostas a estresse, inclusive o afastamento da mãe e da família, levam essa marca para toda a vida em atraso cognitivo, problemas de saúde e estresse tóxico. É um impacto social muito grave. Todos nos beneficiamos como sociedade que as crianças tenham um desenvolvimento sadio. E para proteger essas crianças precisamos proteger suas mães."
Mas o fato de essas mães serem potencialmente criminosas não configura um perigo a esses filhos? Para Hartung, os dispositivos legais já preveem que essas crianças sejam acompanhadas pelo Conselho Tutelar, que pode intervir caso o convívio com a mãe se converta em um risco. "Abusos ou violência podem resultar na perda do benefício da prisão domiciliar para a mãe", diz ele.
"Absoluta indignidade"
Levantamento recente do Conselho Nacional de Justiça diz que há no Brasil 622 mulheres presas grávidas ou lactantes.
O cadastro foi solicitado pela presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que afirmou em janeiro que não quer que "nenhum brasileirinho nasça dentro de uma penitenciária. Isso não é condição precária, é de absoluta indignidade".
Hartung, do Alana, afirma que há também 1,8 mil bebês vivendo com suas mães no cárcere, "em situação degradante" por causa da falta de estrutura, higiene e garantias de proteção à infância nos presídios.
Não se sabe ao certo, porém, qual o número de detentas que têm filhos de até 12 anos. O Departamento Penitenciário Nacional tem informações a respeito dos filhos de apenas 9% da população carcerária total do Brasil. Nesse universo, 74% das mulheres detidas até 2016 têm ao menos um filho, de idade não determinada.
Nesse universo, outro fator preocupante é a explosão da população carcerária feminina no Brasil: o número de mulheres presas aumentou quase 600% entre 2000 e 2015. Segundo dados oficiais, 80% delas são as responsáveis principais (ou únicas) pelos cuidados com os filhos.
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