"Com Obama meu filho se viu presidente; agora há negros na família real"
Karin Bahamas viajou de Nova York para a cidade de Windsor, a 40 km de Londres, para finalmente conseguir "se ver" ocupando espaços até então restritos à nobreza branca europeia.
A chegada da conterrânea Meghan Markle ao núcleo da família real britânica, ao se casar com o príncipe Harry, neste sábado (19), a fez lembrar da sensação que o seu filho experimentou quando Barack Obama se transformou no primeiro negro a ocupar a Casa Branca, nos EUA.
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"Antes de Obama, viamos todos aqueles homens que não refletiam quem somos (na presidência dos EUA). Depois, meu filho encontrou um presidente igualzinho a ele."
Ela prossegue: "A importância desse casamento vai além do Reino Unido e mostra como as coisas mudaram no mundo. Para mim, que também tenho um casamento interracial, é incrível ver na família real alguém da minha cor".
Bahamas viajou junto da amiga Leslie Smith, que também é negra e se vestiu a caráter com um fascinator (enfeite de cabeça tradicionalmente usado em casamentos da elite britânica), porque faziam questão de presenciar este "momento histórico".
"Meghan não é só uma mulher independente. Ela também é fruto de uma mistura racial. Isso é magnífico", disse, enquanto posicionava sua cadeira e buscava uma garrafa de champanhe.
"Acho que o legado da (princesa) Diana para seus dois meninos foi o de se casarem com quem eles amem. E é impressionante como a familia real tem respeitado isso."
Revolução Meghan
Não o foi só a dupla de americanas que ressaltou a "importância histórica" do casamento.
A BBC Brasil acompanhou a cerimônia do lado de fora do castelo de Windsor, onde mais de 100 mil pessoas vindas de diversos lugares do mundo se reuniram desde as primeiras horas deste sábado.
Entre os muitos negros presentes, o principal interesse no evento era a diversidade que a figura de Meghan traz a uma instituição tão tradicional quanto a familia real britânica.
O angolano Israel Campos, de 18 anos, estuda no interior da Inglaterra e veio sozinho a Windsor "para ver uma realidade que só encontramos nos filmes".
"É um conto de fadas real", disse, mostrando satisfação ao encontrar interlocutores que também falavam português.
"Há um tempo atras era impensável uma pessoa como a Meghan, que é atriz, modelo fotográfica e tem raízes negras, entrar para a familia real. Ela vem quebrar padrões e mostrar que as pessoas dos castelos e dos contos não têm que ser necessariamente de um tipo. Não há um padrão para ser bonito ou da realeza, para ser importante. O padrão está dentro de nós, é aquilo que nós somos. Meghan traz uma revolução grande e sabe disso", afirmou o jovem à BBC Brasil.
Meghan, antes de se casar com Harry, trabalhou por anos como atriz e era uma das protagonistas da série Suits, da Netflix, que mostrava a vida num escritório de advocacia. Ela precisou abandonar a carreira para se tornar integrante da familia real.
A americana conciliava o trabalho como atriz com o ativismo: foi embaixadora da ONU Mulheres, onde se declarou várias vezes feminista.
O fato dela ter entrado sozinha na capela de São Jorge, já que seu pai não pode comparecer à cerimônia por problemas de saúde, foi elogiado entre as mulheres presentes do lado de fora.
Só já perto do altar ela caminhou acompanhada do príncipe Charles.
Minorias
A repercussão em torno da origem de Meghan, que será chamada a partir de agora de duquesa de Sussex, se justifica pela composição étnica da sociedade britânica - majoritariamente branca.
Segundo dados do Censo de 2011, apenas 3,5% da população do país se declaravam negros. Já os mestiços, chamados no Reino Unido de "mixed race", representavam 2%. Ainda assim as minorias étnicas estão em crescimento - em 2001, o percentual total era de 9% e passou para 14% em 2011.
Dentro desse contexto, também foi simbólica a presença de um reverendo negro e americano, Michael Curry, na celebração do casamento.
Curry discursou por 13 minutos e citou por duas vezes frases do ícone da luta pelos direitos civis dos negros americanos, Martin Luther King, assassinado há 50 anos. "Precisamos descobrir o poder redentor do amor. Quando o fizermos, faremos deste velho mundo, um mundo novo."
O casamento também teve um coral de cantores gospel e um violinista negro.
Simbologia x realidade
Apesar do poder simbólico da união ressaltado pelos presentes não se sabe se isso vai influenciar a dinâmica racial no Reino Unido.
Entre 2015 e 2016, o Ministério do Interior britânico registrou um aumento de 41% nos crimes de ódio, que incluem ataques a minorias raciais.
Quando o príncipe assumiu oficialmente o relacionamento com Meghan, pediu que a imprensa maneirasse nas tintas racistas e sexistas em relação à sua então namorada.
Ela também sofreu comentários racistas nas redes sociais. Além disso. em fevereiro deste ano, a polícia de Londres classificou como "crime de ódio racista" uma carta com ofensas endereçadas ao casal.
Apesar da incógnita sobre o poder de transformação do casamento de Meghan e Harry na sociedade britânica, a presença de uma afrodescendente na familia real gera esperanças nas próximas gerações.
A pequena Zara Pochan, de nove anos, junto com a mãe e e a tia, balançava uma bandeirinha inglesa com a foto dos noivos.
A pequena contou à BBC Brasil que aprendeu com Meghan a "nunca desistir e sempre dar seu máximo". "A autoestima dela me inspira", afirma ela, que sonha em ser ginasta.
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