Um quarto da população mundial vive em países onde o sexo gay é crime
Atualmente, 70 países têm leis que criminalizam a relação homossexual, segundo o principal levantamento sobre o tema no mundo. Ao mesmo tempo, número de nações onde o casamento gay foi legalizado aumentou para 26.
Uma de cada quatro pessoas do planeta vive em países onde a relação homossexual é criminalizada, segundo um relatório divulgado nesta quarta-feira.
O levantamento State Sponsored Homophobia (Homofobia Patrocinada pelo Estado, em tradução livre), considerado o principal deste tema no mundo, mostra que, atualmente, a relação entre pessoas do mesmo sexo é considerada um crime em 70 países. Juntos, eles respondem por 23% da população mundial.
Isso representa uma queda em relação ao relatório anterior, de 2017, quando esta prática era considerada crime em 72 países. Desde então, três nações - Trinidad e Tobago, Angola e Índia - descriminalizaram o sexo gay, de acordo com o estudo da Associação Internacional de Gays, Lésbicas, Transexuais e Intersexuais (ILGA, na sigla em inglês).
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A redução foi ainda maior quando levada em conta a parcela da população mundial afetada por leis deste tipo. Em 2017, o índice era de 42%. A queda acentuada se deve principalmente à descriminalização na Índia, segundo país mais populoso do mundo, com 1,34 bilhão de habitantes.
A última mudança de tal magnitude havia ocorrido há mais de 20 anos, quando ocorreu a descriminalização na China, o país com mais habitantes no mundo atualmente.
Contrariando esta tendência, o Chade passou a criminalizar esse comportamento neste período. Foi a primeira vez que isso ocorreu em dez anos. O Burundi havia sido o último país a fazê-lo, em 2009.
Lucas Ramón Mendos, autor do estudo, destaca que, desde 1969, quando ocorreram os protestos de Stonewall nos Estados Unidos - considerados o marco inicial do movimento por direitos LGBTI no mundo -, o número de países onde a relação homossexual é crime vem caindo.
"Naquela época, 74% da população mundial vivia em países onde essas relações eram criminalizadas", diz Mendos à BBC News Brasil.
"A cada ano, temos uma média de um a dois países onde as relações homossexuais são descriminalizadas. E podemos ficar acima da média em 2019, se os esforços neste sentido forem bem sucedidos em Botsuana e no Quênia. Junto com Angola, onde a descriminalização deixou de ser crime em janeiro, serão três países."
Penas variam de multas à morte
O relatório analisa os 193 países que fazem parte da Organização das Nações Unidas - entre eles, 35% consideram as relações entre pessoas do mesmo sexo um crime.
Os acusados podem ser punidos com multas e penas de prisão - em alguns casos, perpétua. Seis deles (Irã, Arábia Saudita, Iêmen, Nigéria, Sudão e Somália) preveem a pena de morte para estes casos.
Dos 70 países onde as relações homossexuais são um crime, quase metade (33) está na África. Do restante, a maioria está na Ásia (22). Nove estão nas Américas e seis, na Oceania. Não há leis neste sentido em nenhum país da Europa.
Entre estes países, 68 têm legislações específicas para este crime, enquanto no Iraque e no Egito outras leis são empregadas para punir esse tipo de comportamento.
A lei vale para homens e mulheres em 44 dos países, enquanto, nos outros 26, ela é exclusiva para homens.
Número de países onde casamento gay é legal cresceu
O relatório da ILGA aponta, ainda, que aumentou o número de países que reconhecem legalmente o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Esta mudança ocorreu na Austrália, na Áustria, na Alemanha e em Malta desde o último levantamento. Agora, são 26 países onde o casamento gay é legalizado.
Mendos diz que, atualmente, um dos principais obstáculos para o reconhecimento legal de direitos de pessoas LGBTI está no fato de que muitos países têm leis que impedem um debate público sobre a questão.
Em 41 nações, há impedimentos legais para o registro de ONGs dedicadas a questões de orientação sexual e identidade de gênero, segundo a ILGA. O relatório aponta que uma justificativa frequente para isso é que estas organizações são "ilegais, imorais ou contrariam o interesse público".
Em 32 países, novas leis ou interpretações da legislação existente têm sido usadas para restringir a liberdade de expressão, como "regulamentações que vetam a promoção da homossexualidade e de relações sexuais não tradicionais".
"Muitas destas mudanças são fruto do trabalho de ONGs dedicadas ao tema. Mas é muito difícil imaginar que mudanças ocorram em países onde a militância ou debates sobre estas questões não são permitidos", afirma Mendos.
'Esperamos retrocessos no Brasil', diz autor do estudo
Um trecho do relatório da ILGA ainda trata da eleição do presidente Jair Bolsonaro (PSL) no Brasil ao ilustrar os desafios que o movimento por direitos LGBTI enfrenta diante da oposição representada por setores conservadores. O texto destaca a fala da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, de que "meninos vestem azul e meninas vestem rosa".
No entanto, Mendos afirma que ainda é cedo para analisar os efeitos do atual governo sobre os direitos LGBTI no Brasil.
"Há algumas preocupações, como a retórica de Bolsonaro durante a campanha e sua atuação parlamentar no passado, além de ter uma equipe de governo composta por opositores de avanços nestas áreas. Esperamos retrocessos no Brasil", diz Mendos.
O autor do estudo afirma que o contexto brasileiro está em sintonia com o que vem ocorrendo na América Latina como um todo, onde ele avalia que a conquista de direitos LGBTI "estagnou".
"Os opositores deste luta por direitos LGBTI estão mais organizados e atuando de forma mais sofisticada, conquistando cargos políticos para impedir avanços, e contam com o apoio da Igreja Católica e das igrejas evangélicas", diz Mendos.
"Eles promovem campanhas de medo em torno da suposta ideologia de gênero e buscam disseminar notícias falsas e ideias distorcidas, como que o movimento em prol da diversidade teria como objetivo acabar com as diferenças de gênero na sociedade. Isso tem feito crescer a hostilidade em relação às pessoas LGBTI."
Bolsonaro e outros integrantes do governo negaram em declarações terem a intenção de promover retrocessos na questão dos direitos da população LGBTI.
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