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"Nossos pais construíram um império secreto de pornô gay"

Arquivo Pessoal/Rachel Mason
Imagem: Arquivo Pessoal/Rachel Mason

Jaja Muhammad

BBC Stories

11/12/2019 12h40

Karen e Barry Mason administravam um negócio de pornografia gay bem-sucedido, mas tentavam escondê-lo de seus filhos.

Não era a escolha profissional mais óbvia para Karen e Barry Mason, e tampouco era assunto de que pudessem falar abertamente. Mas, durante anos, o casal administrou a mais famosa loja de pornografia gay de Los Angeles e distribuiu material adulto pelos Estados Unidos.

Nas aparências, eles eram uma família "comum". Karen tinha sido jornalista em jornais conhecidos em Chicago e em Cincinnati. Barry trabalhou como engenheiro de efeitos especiais na indústria cinematográfica, incluindo trabalhos para Star Trek e 2001 - Uma Odisseia no Espaço.

Eles se conheceram em um evento organizado para judeus solteiros e seus três filhos foram aos cultos do Shabat, reuniões de oração e estudaram muito na escola.

Em meados da década de 1970, Barry desenvolveu um dispositivo de segurança para máquinas de diálise renal, mas a empresa para a qual ele ia vendê-lo pediu um seguro que não podia pagar, e o projeto ruiu, deixando a família com necessidade urgente de dinheiro.

Foi quando Karen viu um anúncio de emprego nos classificados do Los Angeles Times para distribuir a revista Hustler e outras mercadorias produzidas pelo magnata da pornografia Larry Flynt. E assim os Mason entraram na indústria pornô.

Sucesso rápido

Sucesso rapido - Arquivo Pessoal/Rachel Mason  - Arquivo Pessoal/Rachel Mason
Imagem: Arquivo Pessoal/Rachel Mason

Eles acabaram se revelando bons empresários. Nas primeiras semanas, e com muito pouco esforço, Karen e Barry receberam 5 mil pedidos, dirigindo por toda Los Angeles de carro para entregá-los.

Além da Hustler, Flynt logo assumiu algumas publicações pornôs falidas e essas também se tornaram parte do portfólio dos Mason.

Alguns anos depois, quando o dono da mais famosa livraria de pornografia gay de Los Angeles, a Book Circus, em West Hollywood, teve problemas financeiros, eles decidiram comprá-la.

Era 1982 e a loja, que Barry e Karen renomearam Circus of Books, era mais do que apenas uma loja de pornografia hardcore: era um refúgio e um local de encontro para a comunidade gay de Los Angeles.

As crianças, Micah, Rachel e Josh, receberam instruções diretas para, quando visitassem a loja, nunca olhassem ou tocassem os produtos. Eles também pediram para os filhos nunca dizerem aos amigos o nome da loja.

"Não queríamos que eles soubessem o que fazíamos. 'Não falamos sobre os negócios da família - temos uma livraria, e é isso que dizemos às pessoas'", diz Karen.

Mas essas medidas não foram completamente bem-sucedidas.

Segredo em risco

Pornô gay - Arquivo Pessoal/Rachel Mason  - Arquivo Pessoal/Rachel Mason
Imagem: Arquivo Pessoal/Rachel Mason

Micah, a filha mais velha, encontrou um vídeo pornô no porta-malas do carro de Karen - e ficou desapontada ao descobrir que a fita Betamax não rodava no aparelho VHS da família.

Rachel soube pelos amigos o segredo da família aos 14 anos, quando ela ainda não sabia o que era pornografia. Ela ficou chocada. Seu pai, Barry, era bastante descontraído, mas sua mãe era muito religiosa e moralista. Rachel os considerava simples proprietários de pequenas empresas - apenas uma família que administrava uma loja.

"A ideia de que eles estivessem fazendo algo contracultural era o oposto de quem meus pais realmente eram, para mim", diz Rachel.

"Nossa família era convencional em certa medida", acrescenta Josh. "Estávamos nos esforçando para ter a aparência de família perfeita."

Sob a administração de Karen e Barry, a Circus of Books foi um sucesso comercial e, em pouco tempo, eles abriram uma segunda filial. Eles também começaram a produzir vídeos pornôs gays, estrelados por Jeff Stryker (mais tarde descrito como "o Cary Grant do pornô"). Além disso, continuaram o negócio de distribuição de pornografia - o que quase os levou à ruína.

O então presidente americano Ronald Reagan havia deixado clara sua oposição à pornografia, referindo-se a ela como uma "forma de poluição". Ele ordenou que seu procurador-geral, Edwin Meese, investigasse o setor, resultando na publicação do Relatório Meese, de 2.000 páginas, em 1986.

Ao mesmo tempo, novas táticas de acusação passaram a ser utilizadas, o que pressionou os negócios dos Mason.

Algum tempo depois, só era seguro para os distribuidores vender material para pessoas que eles conheciam. Mas um dia um membro da equipe cometeu um erro. Um cliente ligou para pedir três filmes, para serem enviados à "locadora de vídeo do Joe". O funcionário inseriu as informações no banco de dados da loja e enviou os filmes.

Na verdade, o cliente era o FBI.

A loja foi invadida no verdadeiro estilo de Hollywood. Agentes correram com armas e os Mason foram acusados ??de transporte ilegal de material obsceno através das fronteiras estaduais.

As crianças não sabiam disso, mas Barry estava enfrentando uma possível sentença de cinco anos de prisão e pesadas multas. Parecia provável que a loja tivesse de fechar.

No entanto, o advogado dos Mason não cedeu. Ele argumentou que eles estavam protegidos pela Primeira Emenda, que garante a liberdade de expressão, e enfatizou o sério efeito que essa penalidade teria sobre a família.

Barry fez uma confissão de culpa e conseguiu se livrar da prisão. E a loja ficou aberta.

Apoio à comunidade

Durante a era da Aids, Karen e Barry eram empregadores-modelo.

Barry visitava funcionários que adoeciam ou eram levados a hospitais com o que era então uma doença incurável.

Os funcionários que adoeceram com a Aids não deveriam trabalhar - se o fizessem, perderiam seu seguro de saúde. Mas Karen permitiria que trabalhassem nos dias em que se sentissem bem o suficiente e ficava quieta sobre isso.

"Deixava que eles trabalhassem e pagava em dinheiro, o que era ilegal, mas não havia motivo para perderem quem eles eram. Sempre achei que o trabalho é importante", diz ela.

Muitos funcionários não tinham apoio das famílias nesses momentos, mas muitos pais ligavam para Karen e Barry depois que seus filhos morriam, pedindo informações.

Família em turbilhão

pornô gay - Arquivo Pessoal/Rachel Mason  - Arquivo Pessoal/Rachel Mason
Imagem: Arquivo Pessoal/Rachel Mason

Apesar do longo envolvimento com a comunidade gay de Los Angeles, conversas sobre sexualidade nunca ocorreram na casa dos Mason.

Secretamente, a filha do meio, Rachel, começou a viver um estilo de vida queer, saindo sem o conhecimento de seus pais. "Eu fui a clubes gays, fui a shows de drags, fiquei totalmente empolgada com tudo isso", diz ela.

Não foi uma grande surpresa quando ela levou uma garota para o baile da escola.

Josh, o filho mais novo, que carregava nos ombros todas as expectativas de sua mãe, enfrentava sua própria luta em silêncio.

"Eu absorvi o máximo da ambição da mãe em relação à perfeição, queria ser perfeito", diz Josh.

Uma noite antes de ele voltar para a faculdade, não aguentou mais. "Comecei a escrever em um post-it 'Sou gay'. Joguei a caneta e o papel sobre a mesa."

Antes disso, ele havia feito os preparativos para sair de casa, temendo ser expulso. "Assegurei que meu voo estivesse reservado e pago, porque não era um pensamento impossível", diz ele.

A resposta de Karen será lembrada pelos dois para sempre.

"Eu disse: 'Você tem certeza? Por que está fazendo isso? Deus deve estar me punindo!'", lembra Karen. "Eu não tinha problemas com pessoas gays, mas realmente não estava preparada para ter um filho gay."

Mais tarde, Karen percebeu que sua reação havia machucado Josh, mas também achou difícil conversar com ele sobre sua sexualidade e decidiu que precisava de ajuda para lidar com seus sentimentos.

"Eu precisava entender o que era ser mãe de alguém gay", diz ela.

"Entrei para uma organização chamada PFLAG (pais e amigos de lésbicas e gays, na sigla em inglês). Eu tinha que ficar bem com isso e (aceitar que) os pais geralmente têm expectativas por seus filhos que realmente refletem mais os pais do que os filhos."

"Quando se tratou do meu próprio filho, percebi que tinha algumas ideias sobre gays que precisavam mudar."

Mais tarde, Barry e Karen se tornaram embaixadores da PFLAG, ajudando outras pessoas a entender a sexualidade e o gênero de seus filhos.

Quando a internet se popularizou, por volta da virada do século, a Circus of Books - uma loja comunitária onde as pessoas se encontravam e acessavam conteúdo exclusivo - começou a entrar em declínio.

A filial de Silverlake foi fechada em 2016 e a loja de West Hollywood foi fechada em fevereiro deste ano.

"Quando aquela loja fechou, era inacreditável o tipo de reação. As pessoas entraram lá e choraram. As pessoas entravam pela porta da frente e nós estávamos apenas chorando", diz Rachel.

Muitos clientes antigos e ex-funcionários lamentaram a perda do que havia sido um de seus únicos espaços seguros - e parte da história gay de Los Angeles.

Mas Karen diz que, no final, ela não era mais o tipo de empregadora que queria ser. À medida que os negócios pioravam, ela não podia oferecer à equipe os benefícios que concedia no passado.

"Eu trabalhei com essas pessoas o máximo que pude, para ver se elas se matriculavam em programas de educação ou pelo menos conseguiam outro emprego de meio período", diz ela.

Um documentário, Circus of Books, dirigido por Rachel Mason e produzido por Ryan Murphy, estará disponível no Netflix em 2020

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