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Faculdade indiana gera polêmica ao forçar estudantes a se despir para checar menstruação

Mural chama atenção para conscientização sobre a menstruação, um tabu antigo na Índia - Getty Images
Mural chama atenção para conscientização sobre a menstruação, um tabu antigo na Índia Imagem: Getty Images

Geeta Pandey - BBC News, Delhi

17/02/2020 08h32

A relação conflitante da Índia com a menstruação está de volta às manchetes.

Estudantes universitárias que moram em um albergue no estado de Gujarat, no oeste do país, registraram queixa afirmando que foram obrigadas a se despir e mostrar suas roupas íntimas a professoras para provar que não estavam menstruadas.

No total, 68 jovens mulheres foram tiradas de suas salas de aula e levadas ao banheiro, onde tiveram que, uma a uma, tirar suas calcinhas para inspeção.

Discriminação contra mulheres por causa da menstruação é comum na Índia, onde o ciclo menstrual é um tabu e as mulheres menstruadas são consideradas "impuras"

O caso aconteceu na cidade de Bhuj, na última terça-feira. As jovens são estudantes universitárias do instituto para meninas Sahajanand Girls (SSGI), que é liderado pelo Swaminarayan, um grupo religioso hindu poderoso e conservador.

Elas afirmaram que um funcionário do albergue fez uma queixa ao diretor da universidade, na segunda-feira, afirmando que algumas estudantes estavam quebrando regras que mulheres menstruadas deveriam seguir.

De acordo com as regras, mulheres ficam proibidas de entrar em templos ou na cozinha e não são autorizadas a tocar outros estudantes durante o período menstrual.

Durante as refeições, elas devem se sentar longe dos demais. Também precisam limpar a própria louça e, quando na sala de aula, precisam se sentar na última fila.

Estudantes da universidade SSGI se reuniram no campus para protestar - BBC Gujarati - BBC Gujarati
Estudantes da universidade SSGI se reuniram no campus para protestar
Imagem: BBC Gujarati

Uma das estudantes disse à BBC que o albergue mantém um registro no qual as residentes devem incluir seus nomes sempre que ficarem menstruadas, para que possam ser identificadas.

Mas, nos últimos dois meses, nenhuma estudante registrou seu nome - algo que não surpreende, dadas as restrições a que são submetidas quando o fazem.

Foi por isso que o funcionário reclamou ao diretor afirmando que as estudantes estavam entrando na cozinha, indo ao templo e se misturando a outros residentes.

As estudantes afirmam que, no dia seguinte, foram abusadas pelo funcionário do albergue e pelo diretor antes de serem forçadas a se despirem.

Elas descreveram o episódio como "uma experiência muito dolorosa" que as deixou "traumatizadas" e expostas a "tortura mental".

Chorando em choque

O pai de um estudante disse que, quando ele chegou na escola, sua filha e várias outras alunas vieram até ele e começaram a chorar.

"Elas estão em choque", ele disse.

Na quinta, um grupo de estudantes fez um protesto no campus, pedindo medidas contra os funcionários que as "humilharam".

O administrador da universidade, Pravin Pindoria, disse que o incidente foi "infeliz", afirmando que uma investigação foi aberta e que punições serão impostas a qualquer um que tenha agido incorretamente.

Mas Darshana Dholakia, uma autoridade da universidade à qual a faculdade está afiliada, culpou as estudantes.

Ela disse que as alunas desrespeitaram as regras e disse que algumas delas inclusive pediram desculpas.

No entanto, algumas estudantes disseram ao serviço local da BBC que elas estão sendo pressionadas por funcionários da escola para diminuírem a importância do incidente e não falarem sobre o caso.

Na sexta-feira, a Comissão Estadual de Mulheres de Gujarat ordenou uma investigação sobre o "exercício vergonhoso" e pediu às estudantes para "seguirem em frente e falarem sem medo sobre suas queixas". A polícia registrou uma denúncia.

Discriminação

Esta não é a primeira vez em que estudantes mulheres foram humilhadas por conta de seu ciclo menstrual.

Em um caso muito semelhante, 70 alunas tiveram as roupas tiradas há três anos em uma escola no norte da Índia por uma guarda feminina, depois que ela encontrou sangue no chão de um banheiro.

A discriminação contra a menstruação ainda se encontra profundamente enraizada na sociedade indiana, se manifestando abertamente principalmente no interior rural do país.

Mulheres menstruadas são frequentemente excluídas de eventos sociais e religiosos, têm entrada negada em templos e santuários e são mantidas fora das cozinhas.

Em 2019, indianos e indianas foram às ruas para protestar contra uma decisão que permitia que mulheres de todas as idades entrassem em um templo - AFP - AFP
Em 2019, indianos e indianas foram às ruas para protestar contra uma decisão que permitia que mulheres de todas as idades entrassem em um templo
Imagem: AFP

Mas, cada vez mais, as mulheres que vivem em áreas urbanas e têm acesso a educação têm desafiado essas idéias antiquadas. Nos últimos anos, uma série de iniciativas na tentativa mostrar a menstruação exatamente como ela é - uma função biológica natural.

Os efeitos das iniciativas são irregulares. Em 2018, a suprema corte, em uma decisão histórica, mandou que se abrissem as portas do santuário Sabarimala para mulheres de todas as idades. Segundo a decisão, manter mulheres fora do templo no estado de Kerala, no sul do país, era discriminatória.

Mas, um ano depois, os juízes concordaram em rever a decisão após uma série de grandes protestos no Estado.

Surpreendentemente, muitas mulheres estavam entre os manifestantes que protestavam contra a decisão da suprema corte - uma indicação sobre quão profundamente enrazado é o estigma sobre a menstruação no país.