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Coronavírus: o que é o teleaborto, que vem crescendo nos EUA durante a pandemia

Patricia Sulbarán Lovera - BBC News Mundo

25/05/2020 14h43

Apesar de ser proibido em 18 Estados, modalidade tem sido cada vez mais solicitada por mulheres desde março, quando medidas de confinamento foram implementadas em todo o país.

Maureen Baldwin já prescreveu pílulas para aborto para mais de 100 mulheres que ela nunca viu pessoalmente.

Há cerca de dois anos, a ginecologista e obstetra americana realiza "teleabortos", uma modalidade relativamente recente que ganhou mais visibilidade em meio à pandemia de coronavírus.

"Temos estado mais ocupados nos últimos dois meses", diz Baldwin, que trabalha no Estado de Oregon (noroeste do país) para a Oregon Health & Science University (OHSU, na sigla em inglês).

Nos Estados Unidos, apesar de o aborto por meio da telemedicina ser proibido em 18 Estados, mais mulheres solicitam esse tratamento desde março, quando ordens de confinamento foram implementadas em todo o país.

É isso que a organização de pesquisa em saúde Gynuity, com a qual a dra. Baldwin colabora e que, sob o nome de TelAbortion, fornece um modelo de aborto medicamentoso orientado por telemedicina pioneiro no país, disse ela à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

Em comparação com os meses de janeiro e fevereiro, em março e abril "o número de mulheres atendidas pelo programa dobrou", explica Elizabeth Raymond, médica e porta-voz da Gynuity.

O teleaborto também está disponível em países como Canadá, Austrália e Colômbia e cresceu em alguns devido à pandemia.

É o caso da Inglaterra, cujo governo determinou temporariamente que as pacientes tivessem a opção de fazer todo o tratamento em casa, em vez de ir a um centro médico, para evitar possíveis infecções por covid-19.

Mas a prática não é isenta de polêmicas nos Estados Unidos. Tanto que um grupo de senadores do conservador Partido Republicano apresentou recentemente um projeto de lei para proibir seu uso em todo o país.

Aumento na pandemia

Em sua carreira, Baldwin já atendeu mulheres que estão nas Forças Armadas e não têm acesso a clínicas de aborto, mulheres que moram a três horas ou mais da clínica mais próxima autorizada a realizar abortos e até pacientes que têm filhos pequenos e não têm com quem deixá-los para ir a uma consulta.

Houve outras que tentaram realizar um aborto caseiro e sem acompanhamento médico depois de comprarem pílulas não autorizadas pela internet.

E o interesse só cresce. "As pacientes me dizem que querem evitar ir pessoalmente aos laboratórios ou consultórios médicos", diz Baldwin sobre os últimos dois meses, quando começou a receber mais consultas enquanto os Estados Unidos se tornava o epicentro mundial da pandemia.

O TelAbortion é o único programa americano que envia os medicamentos para o aborto por correio, com acompanhamento por videoconferências.

A médica explica que, antes de as pacientes receberem um kit que inclui os dois principais medicamentos para aborto, o mifepristone e misoprostol, ela solicita um ultrassom para verificar se a gravidez está abaixo ou dentro das 10 semanas de gestação necessárias para prescrever medicamentos e consultas por videoconferência.

De acordo com um regulamento da Food and Drug Administration do país (FDA, na sigla em inglês), o medicamento mifepristone só pode ser administrado por fornecedores certificados em espaços médicos específicos, o que não inclui farmácias.

Mas o Gynuity torna o envio possível como parte da pesquisa científica apoiada pela FDA.

Isso significa que as pacientes concordam em colaborar com o estudo, iniciado em 2016, e que visa avaliar "a segurança, estabilidade e acessibilidade" da abordagem da telemedicina.

Custo e complicações

Alguns centros de pesquisa em saúde sexual e reprodutiva, como o Instituto Guttmacher, argumentam que os regulamentos atualmente impostos ao mifepristone pela FDA são "desnecessários", pois o medicamento é "de baixo risco, altamente eficaz e menos de 0,4 % dos pacientes necessitam de hospitalização por infecção ou transfusão."

O custo do tratamento TelAbortion pode variar de US$ 200 (R$ 1.120) a US$ 750 (R$ 4.200) nas 9 clínicas do país afiliadas à pesquisa.

De acordo com o programa, disponível apenas em 13 estados e no Distrito de Columbia, as pacientes que se qualificam apenas vão a um centro médico para realizar exames de ultrassom ou sangue indicados por seu "telemédico".

O tratamento pode ser indicado desde que o paciente esteja fisicamente presente em um Estado em que o programa seja realizado no momento da teleconsulta, assim como o médico precisará ter uma licença médica no mesmo Estado, mesmo que esteja fisicamente em outra parte do país.

De 2016 até 11 de maio deste ano, a equipe da Gynuity enviou 907 kits e confirmou 668 abortos.

"As pacientes confirmam que o aborto foi concluído através de alguns testes, como um de urina", diz Raymond.

No entanto, cerca de 13% a 15% das pacientes não dão retorno após receber as pílulas.

Em relação às complicações, Raymond indica que entre os participantes do estudo, apenas três tiveram que ser hospitalizadas e que o sangramento excessivo tem sido um dos problemas mais comuns entre os casos que não correm conforme o esperado.

"A gama de complicações é a mesma de qualquer aborto médico. Enviar as pílulas não parece aumentar o risco de possíveis problemas", diz ele.

Baldwin, por sua vez, assegura que as complicações médicas derivadas desse tratamento são "muito raras, cerca de 1 a 2% dos abortos medicamentosos requerem atendimento posterior em uma clínica" e que não aumentam por causa da telemedicina.

Como funciona o aborto medicamentoso?

A OMS afirma que o aborto medicamentoso, onde permitido, pode ser realizado em casa e ser controlado pela mulher com uma gravidez com menos de 9 semanas de gestação.

Em um comunicado enviado a este meio, a OMS indica que, uma vez estabelecida a elegibilidade do paciente por meio de uma consulta médica, "a administração de comprimidos, o gerenciamento do processo e a abordagem para avaliar se ele foi concluído pode ser autoadministrado, fora de uma instalação médica e sem supervisão direta do fornecedor".

A organização recomenda essa alternativa em circunstâncias em que "as mulheres têm uma fonte precisa de informações e acesso a um profissional de saúde, caso precisem ou desejem em qualquer estágio do processo".

Nos EUA, o aborto medicamentoso representou quase 40% de todos as interrupções realizadas por mulheres em 2017, em comparação com 25% registrado em 2014, de acordo com o Instituto Guttmacher.

De acordo com o protocolo padrão para abortos medicamentosos aprovado pela FDA nos EUA, apenas uma visita ao médico é necessária para que uma paciente obtenha as pílulas e ela pode tomar o segundo medicamento, misoprostol, em casa ou em qualquer outro local desejar.

É feita uma consulta de acompanhamento com o profissional de tratamento, geralmente 7 a 14 dias após ter tomado.

Reações adversas

Os medicamentos prescritos para o aborto medicamentoso podem causar sangramentos, cãibras e, em alguns casos, efeitos colaterais como vômito e náuseas.

As médicas consultadas para esta reportagem indicam que, durante a consulta online, explicam detalhadamente às pacientes o que irão sentir e o que fazer se houver sangramento excessivo ou outras complicações além de um desconforto.

A OMS alerta para contra-indicações que possam surgir do aborto medicamentoso, embora não estabeleça relação com a modalidade de telemedicina. São elas:

- Uma reação alérgica prévia a medicamentos

- Porfiria hereditária

- Insuficiência adrenal crônica

- Gravidez ectópica ou suspeita

Além disso, indicam que é necessário ter cautela nos casos de:

- Tratamento a longo prazo com corticosteroides (incluindo aqueles com asma grave não controlada)

- Anemia grave

- Fatores de risco cardiovascular ou doença cardíaca prévia

- Transtornos hemorrágicos

Quão seguro é abortar por meio da telemedicina?

Várias organizações e instituições acadêmicas se dedicaram nos últimos anos ao estudo do impacto da telemedicina nos abortos e à existência de riscos específicos ao abortar em casa.

Um estudo comparativo feito pela OMS analisou nove estudos sobre abortos medicamentosos presenciais ou realizados em casa e concluiu que não havia evidências para demonstrar "que o aborto medicamentoso em casa é menos eficaz, seguro ou aceitável do que aquele realizado em uma clínica".

Da mesma forma, o Colégio Americano de Ginecologistas e Obstetras (ACOG, na sigla em inglês), que representa 60 mil especialistas nessas áreas nos EUA, incluiu em um boletim oficial que "o aborto medicamentoso pode ser realizado com segurança e eficácia através da telemedicina, com um alto nível de satisfação da paciente".

"Além disso, o modelo parece melhorar o acesso ao aborto precoce em áreas que carecem de um profissional de saúde", dizem eles.

Vários estudos que analisaram e compararam casos de abortos medicamentosos em clínicas versus teleabortos descobriram que as complicações derivadas do tratamento não aumentam com a telemedicina.

Outra modalidade de teleaborto nos Estados Unidos é fornecida pela Planned Parenthood, uma organização que existe há mais de 100 anos, com mais de 600 centros médicos em todo o país.

Em 2008, começou a fornecer teleabortos sob um esquema chamado site-to-site (ou "de clínica a clínica") e atualmente opera assim em 17 Estados.

De acordo com seu sistema, a paciente ainda precisa comparecer pessoalmente a um centro médico de sua rede, mas recebe a consulta por videoconferência com um especialista que não mora na mesma área e está autorizado a fornecer os medicamentos.

A paciente é submetida a um ultrassom que define com quantas semanas de gestação ela está, toma a primeira pílula durante a videoconferência e continua o tratamento em casa.

"As pessoas que moram em áreas remotas ou rurais agradecem porque assim vão ao centro médico mais próximo e não precisam dirigir até o fornecedor autorizado durante horas", diz o Shanti Ramesh, diretor da seção de Planejamento Familiar no Estado da Virgínia.

A escassez de clínicas que fornecem remédios abortivos, especialmente nas áreas rurais dos EUA, é uma das principais razões pelas quais várias organizações aconselham a expansão da prática do teleaborto.

Em 2017, 38% das mulheres de 15 a 44 anos viviam em um município que não tinha uma clínica de aborto, de acordo com o Instituto Guttmacher.

Quem se opõe e por quê?

Cerca de 20 Estados nos EUA estão preparando projetos de lei para proibir o teleaborto, de acordo com um artigo da publicação especializada M Health Intelligence.

Embora o aborto seja um direito constitucional no país, em 2019, cerca de 30 Estados introduziram alguma forma de restrição ao aborto em suas leis, que fazem parte de um movimento mais amplo contra o aborto no país.

Mais recentemente, em fevereiro de 2020, um grupo de senadores republicanos representando estados conservadores como Louisiana, Oklahoma e Carolina do Sul, introduziu uma lei que proibiria o aborto por telemedicina e puniria com até dois anos de prisão o médico que não fizesse uma consulta frente a frente para examinar o paciente e fornecer os medicamentos.

"Prescrever abortos químicos para mães pela internet e sem exames ou mesmo vê-las pessoalmente não é fornecer assistência médica", disse o senador James Lankford, um dos signatários do projeto de lei em Oklahoma.

O projeto só admite o teleaborto se "for necessário salvar a vida da mãe".