Breonna Taylor, a vítima da polícia na própria casa que inspirou campanha por justiça
Quase seis meses após sua morte, nome da jovem negra por tiros disparados por policiais ainda é repetido em protestos de manifestantes e famosos nos EUA.
Quase seis meses depois de Breonna Taylor ter sido morta com pelo menos cinco tiros, disparados por policiais à paisana que haviam arrombado a porta do seu apartamento no meio da madrugada, seu nome continua sendo repetido por manifestantes, políticos e celebridades nos Estados Unidos.
Inicialmente, a morte da jovem negra nas mãos da polícia, ocorrida em 13 de março em Louisville, no Estado do Kentucky, não despertou atenção nacional.
Mas, dois meses depois, em maio, a morte de outro americano negro, George Floyd, sob custódia de um policial branco na cidade de Minneapolis (Estado de Minnesota), desencadeou uma onda de protestos contra o racismo e a brutalidade policial em todos os Estados Unidos e também em outros países.
Nas ruas de todo o país, manifestantes começaram a mencionar o nome de Breonna e a pedir justiça. A campanha "Say her name" ("Diga o seu nome") se espalhou durante os protestos, chamando a atenção para este e outros episódios em que mulheres negras foram vítimas de violência policial.
"As pessoas começaram a perceber que esse também era um caso muito chocante", diz à BBC News Brasil a cientista política Shea Streeter, da Universidade de Michigan.
"Acho que muitas pessoas se sentiram surpresas e quase envergonhadas por não terem ouvido falar (na morte de Breonna)."
Celebridades começaram a dar destaque ao caso nas redes sociais, em um esforço para evitar que caia no esquecimento. Oprah Winfrey, Beyoncé, Viola Davis, Kim Kardashian West, Jennifer Lawrence e LeBron James estão entre as dezenas de artistas e atletas a chamarem atenção para a morte de Breonna e pedir que os culpados sejam punidos.
Um documentário sobre o caso estreou nesta sexta-feira (4/9) no canal FX e na plataforma de streaming Hulu.
Como resultado da comoção, Louisville passou a proibir o uso da tática de mandados sem aviso, empregada pelos policiais no caso, na qual os agentes podem invadir e vasculhar a casa de uma pessoa sem aviso prévio e sem se identificarem (ou seja, o morador pode ter sua residência invadida sem saber que se trata da polícia).
No final de junho, um dos policiais envolvidos na morte foi demitido. Outros dois foram colocados em licença. Mas, apesar dos apelos da família, de manifestantes e de celebridades para que os envolvidos sejam responsabilizados criminalmente, até agora isso não aconteceu.
Versões divergentes
Breonna tinha 26 anos de idade, trabalhava como técnica de emergências médicas em um hospital e tinha planos de se tornar enfermeira.
No dia 13 de março, ela e o namorado, Kenneth Walker, de 27 anos, estavam dormindo no apartamento que ela dividia com a irmã mais nova (que estava viajando) quando foram acordados pouco depois da meia-noite com batidas fortes na porta.
Walker e a polícia dão versões divergentes sobre o que aconteceu depois. Diferentemente do caso de George Floyd, que foi capturado em vídeo e visto por milhões de pessoas no mundo inteiro, não há imagens da morte de Breonna, e há dúvidas sobre vários detalhes.
Os agentes envolvidos no caso, Jonathan Mattingly, Myles Cosgrove e Brett Hankison, dizem que bateram na porta diversas vezes e anunciaram que era a polícia. Mas Walker disse que ele e Breonna perguntaram várias vezes quem era e não ouviram resposta.
Diversos vizinhos também garantiram não terem ouvido a polícia anunciar sua presença. Um morador do prédio, entrevistado pelo jornal The New York Times, disse que ouviu os agentes dizerem "polícia", mas somente uma vez.
Os policiais arrombaram a porta. Em depoimento, Walker disse que, como não ouviram resposta após perguntar várias vezes quem era, ele e Breonna pensaram que o apartamento estava sendo invadido, sem terem ideia de que se tratava da polícia.
Walker, que tem porte de armas, reagiu então ao que pensava ser um assalto, disparando em direção à porta e atingindo um dos policiais na perna. Os policiais, por sua vez, ao serem atingidos, responderam com cerca de 20 disparos. Breonna foi atingida várias vezes. As balas também atingiram um apartamento vizinho.
Walker ligou para o 911, o número de emergência nos Estados Unidos, pedindo socorro e dizendo que alguém havia arrombado a porta e atirado em sua namorada. Quando os serviços de emergência chegaram, mais de 20 minutos depois dos disparos, Breonna estava morta.
Ex-namorado
Em depoimento publicado na revista Vanity Fair, a mãe de Breonna, Tamika Palmer, conta que foi acordada por Walker ao telefone dizendo que a casa havia sido invadida e Breonna estava ferida.
Palmer diz que foi imediatamente ao local, mas não recebeu informações dos policiais presentes. Somente às 11h da manhã seguinte ficou sabendo que a filha havia sido morta, e que o corpo ainda estava no apartamento. Mas ninguém lhe disse que os disparos haviam sido feitos pela polícia.
A ação da polícia fazia parte de uma investigação envolvendo um ex-namorado de Breonna, suspeito de estar vendendo drogas e que já havia sido condenado por tráfico em ocasiões anteriores. Ele morava em outro endereço, longe dali.
Mas, com base no relacionamento de Breonna com o suspeito, a polícia recebeu permissão de uma juíza para cumprir um mandado de busca também em seu apartamento.
"A morte de Breonna Taylor foi uma tragédia. Ponto final", declarou o prefeito de Louisville, Greg Fischer, no mês passado, depois que detalhes emergiram sobre sua ligação com o ex-namorado.
Advogados contratados pela família de Breonna dizem que nenhuma droga ou dinheiro de origem suspeita foram encontrados no apartamento.
Símbolo
Ao longo dos meses, a morte de Breonna foi ganhando mais atenção, se transformando em um dos símbolos da brutalidade policial nos Estados Unidos.
"O que é mais perturbador no caso de Breonna é que você supõe que está seguro em sua própria casa", diz à BBC News Brasil o cientista político Christian Davenport, professor da Universidade de Michigan.
"Ela estava fazendo o que todo mundo faz", afirma, ressaltando que muitas pessoas se identificaram com o caso.
"O fato de que a santidade do lar foi violada, quando, nos Estados Unidos, propriedade privada é uma das coisas mais sagradas. Como alguém pode ser vitimado (pela polícia) dentro de sua própria casa?"
Em 5 de junho, data em que Breonna completaria 27 anos e no auge dos protestos contra injustiça racial no país, dezenas de nomes famosos usaram suas redes sociais e a hashtag #SayHerName para pedir que os três policiais autores dos disparos sejam presos e processados.
Quase seis meses depois de sua morte, o movimento continua. No mês passado, durante a convenção nacional democrata, a candidata do partido à vice-presidência, Kamala Harris, falou em Breonna. A ex-candidata à Presidência Hillary Clinton e ex-primeira-dama Michelle Obama também mencionaram seu nome.
Oprah Winfrey chegou a pagar pela instalação de 26 outdoors (um para cada ano de vida de Breonna) em Louisville pedindo justiça no caso. Ela também colocou Breonna na capa de sua revista, O, a primeira vez nos 20 anos da publicação que a capa não é ilustrada com uma imagem da apresentadora.
"Ela era como eu. Ela era como você", escreveu Oprah na edição de setembro da revista. "Imagine se três homens não identificados invadissem a sua casa enquanto você estivesse dormindo."
"Nós temos que usar qualquer megafone que tivermos para pedir justiça", afirmou a apresentadora.
Em junho, Beyoncé escreveu uma carta aberta ao procurador-geral do Kentucky, Daniel Cameron, pedindo que faça justiça no caso e "demonstre o valor da vida de uma mulher negra".
Na segunda-feira (31/08), a tenista Naomi Osaka usou uma máscara com o nome de Breonna durante partida no US Open, para chamar atenção para o caso. "Sei que tênis é assistido no mundo inteiro, e talvez haja alguém que não conheça a história de Breonna Taylor", disse a atleta.
Investigações
O pesquisador Philip McHarris, da Universidade Yale, ressalta que a atenção gerada pelo caso é resultado de um longo esforço de ativistas para colocar em foco a violência policial contra mulheres negras.
"Historicamente o foco é em homens negros mortos pela polícia", diz McHarris à BBC News Brasil, lembrando que há vários outros casos nos Estados Unidos de mulheres negras mortas pela polícia.
Mas, apesar de protestos nas ruas, abaixo-assinados e da mobilização nas redes sociais, nenhum dos policiais responsáveis pelos disparos foi acusado criminalmente. O caso está sendo investigado por autoridades estaduais e pelo FBI (a polícia federal americana).
Hankison, o policial demitido, foi criticado pelo chefe de polícia por quebrar as regras do departamento ao fazer pelo menos 10 disparos de maneira "irresponsável", sem ter uma visibilidade clara. Ele está apelando da decisão.
Walker, o namorado de Breonna, chegou a ser detido, acusado de tentativa de homicídio contra o policial atingido por um tiro na perna. Dois meses depois, as acusações foram retiradas. Nesta semana, ele anunciou que está processando o governo municipal e a polícia, alegando que sua ação é protegida pela lei estadual e que agiu em legítima defesa.
"Eu fui criado por uma boa família", disse Walker em entrevista coletiva. "Sou um proprietário legal de armas e jamais atiraria conscientemente contra um policial."
Kentucky é um dos Estados americanos onde há uma lei denominada "stand-your-ground", que permite que moradores defendam sua casa com força letal se for necessário. Walker atirou contra pessoas não identificadas que estavam invadindo a propriedade e pode, portanto, alegar que sua ação é protegida por essa lei.
Mas o Kentucky também é um dos Estados onde policiais que usam força letal em autodefesa têm as mesmas proteções que cidadãos comuns, mesmo no caso em que os agentes podem ter provocado o episódio com sua ações.
Os policiais envolvidos na morte de Breonna abriram fogo após terem sido atingidos pelo disparo de Walker. Portanto, podem estar protegidos por terem agido ao se defender. Com isso, tanto Walker como os policiais poderiam alegar autodefesa.
O tipo de mandado de busca usado no apartamento de Breonna, sem aviso ou identificação dos policiais, é proibido em vários locais do país pelos riscos que representa, com vários casos de inocentes mortos por engano e também de policiais mortos por moradores que pensaram que sua casa estava sendo assaltada e abriram fogo.
Além da lei que proibiu seu uso em Louisville, também foi apresentada ao Congresso uma proposta que torna a proibição federal. Ambas foram batizadas com o nome de Breonna Taylor.
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