Alemanha enfrenta aumento dramático de cesáreas
Resumo da notícia
- Especialistas alemães lançam diretrizes inéditas sobre cesarianas, que representam quase um terço dos partos no país
- Documento promete orientar mães e médicos e desencadear onda de mudanças na ala de saúde materna
Mais conhecida como "Hellcat any", a youtuber alemã e orgulhosa mãe de duas crianças Anika Ball conta que tinha muito medo de ser pressionada pelos médicos durante o trabalho de parto.
Ela tinha ouvido histórias de outras mulheres na Alemanha que, apesar de dezenas de consultas e planos de parto detalhados, sentiam que sua autonomia lhes era tirada -- e justamente quando estavam em seu estado mais vulnerável.
"Pensei comigo mesma: vou fazer uma cesariana porque sei o que vai acontecer comigo e que tudo seguirá um certo padrão. Isso me deu muito mais segurança naquele momento", disse Ball à DW.
Ela não está sozinha. Em 27 anos, a taxa de partos por cesárea quase dobrou na Alemanha. Em 1991, o índice foi de 15,3%, segundo dados do Escritório Federal de Estatísticas alemão, enquanto em 2018 ele subiu para 29,1%.
Os números colocam a Alemanha em pé de igualdade com os Estados Unidos, onde, no mesmo ano, 31,9% dos bebês vieram ao mundo via cesariana. As taxas também ficam bem acima das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), que aconselha algo entre 10% e 15%.
Não se sabe ao certo se o aumento se deve a mais mulheres optando pelo procedimento ou se os médicos o têm oferecido como a opção mais fácil. O que está claro para os profissionais de saúde, no entanto, é que algo está errado nesse setor na Alemanha.
"Vimos que as taxas estavam subindo tremendamente e que precisávamos fazer alguma coisa", disse à DW o médico Frank Louwen, vice-presidente da Sociedade Alemã de Obstetrícia e Ginecologia (DGGG).
Depois de perceber a tendência, a DGGG se reuniu com pesquisadores, médicos e parteiras de mais de uma dúzia de associações e instituições médicas de Alemanha, Suíça e Áustria.
Juntos, eles trabalharam durante anos para compilar uma enorme quantidade de dados sobre as vantagens e desvantagens de partos normais e cesarianas. O trabalho resultou nas primeiras diretrizes médicas da Alemanha sobre o procedimento.
"Não é mais concebível que as mulheres sejam submetidas à cesariana porque alguém não sabe fazer alguma coisa", afirma Louwen, que também chefia o departamento de obstetrícia e fetomaternal do Hospital Universitário de Frankfurt. "Agora é só olhar para as diretrizes e está tudo lá."
Quando a cesariana é necessária?
Em quase 140 páginas, as diretrizes fornecem uma visão abrangente e detalhada do que foi cientificamente estudado e onde permanecem lacunas no entendimento.
O documento sugere que, para gestantes com gravidez sem complicações, o parto normal é a opção medicamente preferida para mãe e bebê. Para cesáreas, as diretrizes pedem que o procedimento seja adotado tanto quanto for necessário, mas o mínimo possível.
A equipe de especialistas concordou que uma cesariana é absolutamente necessária em três situações: se o bebê estiver posicionado de lado, se houver uma ameaça de ruptura do útero ou se a placenta estiver incorretamente posicionada ou se destacar prematuramente.
Para todos os outros casos - ou seja, a grande maioria das cesáreas - os riscos para mãe e criança devem ser considerados.
Algumas mulheres optam pela cesariana por receio de que um parto normal cause estresse ao bebê ou por acreditarem que o procedimento cirúrgico é mais seguro, menos doloroso ou mais fácil de planejar.
Embora a cesárea seja segura em países com bons sistemas de saúde, ela também oferece maior risco de hemorragia e trombose para as mulheres. Para bebês, a cirurgia traz consigo mais riscos de asma, diabetes, alergias e outras doenças crônicas.
Nenhum nascimento é isento de riscos, ainda que estudos tenham demonstrado que partos normais tendem a trazer menos complicações para a mãe.
Situação regional na Alemanha
Mesmo na Alemanha, as disparidades no número de nascimentos por cesariana são surpreendentes. De acordo com uma análise de hospitais alemães realizada pelo Science Media Center, as taxas de cesárea chegam a variar de 10,4% a 66,7%.
Quase um quinto dos hospitais da Baviera tem taxas tão altas que as autoridades locais deram início a investigações sobre os padrões de qualidade.
Uma das razões para os índices mais elevados em certos hospitais é que as parteiras e os médicos treinados em partos normais, bem como em partos difíceis, são escassos. Para os hospitais, também é mais fácil planejar as cesarianas, que levam menos tempo, exigem menos pessoal e também são melhor compensadas pelas empresas de seguro de saúde.
As diretrizes foram elaboradas para introduzir uma mudança maciça no status quo dos hospitais alemães, além de pressionar por pessoal mais qualificado. "Não estamos aqui para otimizar as coisas para os hospitais", afirma Louwen. "Estamos aqui para otimizar as coisas para mães e filhos."
Se um hospital não tiver experiência em partos naturais em circunstâncias difíceis, por exemplo, no caso de um bebê estar na posição sentada, o hospital terá que enviar a paciente para outro hospital preparado tanto para partos normais quanto cesáreas.
Revisão das consultas médicas
As novas diretrizes também pedem uma revisão radical da maneira como são feitas as consultas com as futuras mães. As discussões sobre os procedimentos de parto normal e cesárea precisam ocorrer no início, e não perto da data do nascimento.
Os médicos também devem documentar as conversas com suas pacientes, incluindo as discussões relativas aos motivos expostos por elas para solicitarem uma cesariana.
Se, no final, a paciente quiser prosseguir com a cesárea, e se os motivos forem receios a respeito do processo de parto, médicos e seguradoras de saúde são incentivados a fornecer apoio psicológico à mãe para lidar com a ansiedade.
"Falta de confiança" no sistema alemão
Anika Ball acolheu com alegria a pressão por uma maior assistência em saúde mental para mulheres que sofrem de ansiedade às vias de dar à luz, mas disse que isso não trata das questões mais profundas que surgem diante do parto normal na Alemanha. "Acho que se trata simplesmente de uma falta de confiança", observou.
Embora tenha tido uma boa experiência com sua primeira cesariana, Anika Ball apresentou um plano de parto diferente para seu segundo bebê -- dessa vez um parto em casa. Após complicações repentinas, seu filho acabou tendo que ser submetido a uma cesárea de emergência, mas Ball diz ver os dois procedimentos de maneira positiva.
Ela pede uma mudança na maneira como médicos e parteiras abordam os partos normais -- e que o foco seja mais nos desejos da mãe.
Tais questões podem ser abordadas quando a próxima rodada de diretrizes, focada especificamente no "monitoramento fetal", for publicada em 2021.
Enquanto isso, Louwen enfatiza que o objetivo das diretrizes não é tirar a decisão da mãe e nem reduzir a taxa de cesáreas. "Isso não significa que a mulher não pode tomar sua própria decisão, mas que, a partir de agora, ela poderá tomar uma decisão informada - com as melhores evidências científicas", diz o médico.-
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