O pouco que se sabe sobre Tereza de Benguela, a rainha negra do Pantanal

Ao longo do século 18, o Quilombo do Piolho, também chamado de Quilombo do Quariterê, foi uma importante comunidade de resistência na região onde hoje é o Mato Grosso, próximo da atual fronteira com a Bolívia. Ali viviam não só escravizados negros que haviam conseguido fugir, como também indígenas, brancos pobres e mestiços.

O espaço teria sido criado e era comandado por um líder rebelde conhecido como José Piolho. Com sua morte, por volta de 1750, sua viúva assumiu as rédeas. E entrou para a história. Ela era Tereza de Benguela, uma mulher provavelmente nascida no ano de 1700 no antigo reino de Benguela, na África Central.

"Tereza foi uma líder quilombola, e as poucas menções conhecidas a ela a designam pelo termo 'rainha', o que era comum [nesse contexto]", explica a historiadora Maria Helena Pereira Toledo Machado, professora na Universidade de São Paulo (USP) e autora de, entre outros, Geminiana e seus filhos — escravidão, maternidade e morte no Brasil do século 19.

Sobre ela, o que sabemos são fragmentos apenas. Mas é muito importante para a historiografia estar recuperando esses personagens que preenchem o espaço vazio que é a atuação dos africanos e afrobrasileiros na história do Brasil.

"Ela se tornou a rainha do Pantanal. Quando o líder do quilombo faleceu, Tereza se tornou uma liderança forte", diz o jornalista Guilherme Soares Dias, pesquisador e fundador do Guia Negro. O epíteto "rainha negra do Pantanal" foi também a opção da escola de samba Unidos do Viradouro quando, no carnaval de 1994, homenageou a figura histórica.

Acredita-se que ela tenha fugido para o quilombo no início da década de 1740 e, lá, conhecido e se casado com José Piolho. É importante contextualizar que, nessa época, essa região mais a oeste do território colonial brasileiro estava em desenvolvimento por conta da mineração.

A professora Machado conta que "com o desenvolvimento da mineração" acabam se formando "muitos quilombos em áreas de fronteira e áreas mais despovoadas", geralmente combinando escravizados fugidos e indígenas deslocados "fugindo do avanço dos bandeirantes". Este parece ter sido o caso do Quilombo do Piolho.

Focos de resistência

Em seu sistema, Tereza criou um parlamento que se reunia semanalmente e contava com um conselheiro nomeado. Ela tinha autoridade sobre as estruturas política, econômica e administrativa. Por meio de saques a vilas próximas e trocas com homens brancos, o quilombo conseguiu ter armas, instrumentos de trabalho e até teares. Eles plantavam algodão e produziam tecidos que eram comercializados fora dos domínios do quilombo.

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"Os grandes quilombos funcionavam como espécie de micronações, enclaves independentes no interior do sistema colonial", contextualiza o historiador Petrônio Domingues, professor na Universidade Federal de Sergipe (UFS).

Sem dúvida, eram focos de resistência à estrutura escravista, mas não necessariamente tinham no horizonte a derrubada do regime de cativeiro. Invariavelmente, lutavam era pela liberdade, vida com autonomia e meio de subsistência.

Curta "Tereza de Benguela", buscou retratar os últimos dias da líder rebelde
Curta "Tereza de Benguela", buscou retratar os últimos dias da líder rebelde Imagem: Movie 'Tereza de Bengala'/Salles Fernandes

"[Ela] era uma rainha rígida e disciplinadora ao extremo, aplicando duros castigos físicos aos desertores, como enforcamentos, fraturas e enterramento vivo", afirma o pesquisador Paulo Rezzutti em seu livro Mulheres do Brasil: a história não contada.

Contraponto ao sistema escravocrata

Calcula-se que tenham vivido ali no quilombo pelo menos 100 pessoas. Historiadores analisam esse tipo de comunidade de resistência como um importante contraponto ao sistema escravocrata brasileiro.

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"Alguns quilombos eram como uma ideia de resistência, e sua existência ameaçava a escravidão como regime, mesmo que isso não fosse a sua razão de ser", explica o historiador Francisco Phelipe Cunha Paz, pesquisador doutorando na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro da Associação Brasileira de Estudos Africanos.

Ele lembra que as "ações de resistência negra" foram se construindo "uma a uma a seu tempo e em seus territórios". E mesmo que não houvesse "uma consciência coletiva de derrubada do regime" não se pode "diminuir a importância dessas rebeliões escravas e quilombolas".

Cada vez mais, a existência do quilombo incomodava a aristocracia da região. Em 1770, uma expedição de bandeirantes foi organizada com o objetivo de pôr fim à comunidade. Foram cinco dias de batalhas, com revides de arma de fogo e flechadas por parte do grupo de Tereza.

Por fim, o Quilombo do Piolho foi completamente destruído, alguns conseguiram fugir, outros foram mortos, e a maioria acabou presa.

Não há um consenso sobre o fim de Tereza. Rezzutti conta em seu livro que, ao ver seu sonho destruído, a rainha negra teria enlouquecido e se suicidado, como "gesto supremo de rebelião […] à dominação dos brancos".

Outras versões afirmam que ela teria conseguido fugir. Há ainda o relato de que a líder teria sido presa e, em seguida, degolada pelos invasores da comunidade.

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Filme e carnaval

Em 2023 o cineasta Salles Fernandes lançou o curta-metragem Tereza de Benguela, buscando retratar como teriam sido os últimos dias da líder rebelde. Ele conta que se encantou com a história de Tereza anos atrás e passou a pesquisar mais.

"Não havia quase nada feito sobre ela", diz. "Este foi o primeiro trabalho cinematográfico a homenagear Tereza de Benguela."

"Além de fazer esse resgate de sua história, a gente percebe que agora as pessoas têm uma imagem, têm uma noção de como ela foi", comenta. Ele diz que espera no futuro fazer um longa sobre o mesmo tema.

Em 2014 foi criado o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, em 25 de julho, mesmo dia em que a Organização das Nações Unidas (ONU) celebra o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. Domingues cita essa iniciativa para comentar que a história de Tereza "vem se tornando, em escala crescente, conhecida no imaginário nacional".

Ela, assim como Zumbi, é apropriada como um símbolo, um símbolo de luta e resistência negra […] e essa apropriação tem um caráter de gênero", diz ele. "Tereza de Benguela converteu-se em ícone sobretudo das mulheres negras.

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