Arte sobre concreto: o trabalho de Athos Bulcão em Brasília
Embora os arquitetos modernistas rejeitem o ornamento, Brasília contou com o trabalho de um artista para imprimir delicadeza e graça às suas superfícies de concreto. A obra de Athos Bulcão encontra-se ao alcance de todos os cidadãos nos trajetos cotidianos: no parque, nos muros, nas escolas, nos edifícios residenciais ou prédios públicos.
“Como pensar o Teatro Nacional sem os relevos admiráveis que revestem o edifício, ou o espaço magnífico do salão do Itamaraty sem suas treliças coloridas?”, indaga o amigo e parceiro João Filgueiras Lima, arquiteto mais conhecido pelo apelido, Lelé. Juntos, Athos e Lelé trabalharam em vários projetos, entre os quais os hospitais da rede Sarah em todo país.
O artista faleceu em 2008, aos 90 anos de idade, no Hospital Sarah Kubitschek, na capital federal, em decorrência de complicações do mal de Parkinson. A Fundação Athos Bulcão, instituição criada com o intuito de preservar e divulgar a obra do artista, trabalha atualmente na campanha “Athos de Amor”, cujo objetivo é captar recursos para a construção da sede definitiva da entidade. O projeto arquitetônico da Fundação leva assinatura de Lelé. “Athos e Lelé tiveram uma parceira funcional; diferente da parceria com Oscar Niemayer, que foi mais ‘monumental’”, avalia Valéria Cabral, diretora da Fundação.
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Perspectiva da sede da Fundação Athos Bulcão, projeto de João Filgueiras Lima
Após intensa articulação com o Governo do Distrito Federal, a entidade conquistou o terreno que abrigará o prédio da Fundação: uma área de 1,2 mil m² localizada no Setor de Difusão Cultural (ao lado da Funarte, próximo ao Clube do Choro e ao Centro de Convenções).
De posse do terreno e do projeto arquitetônico, a Fundação Athos Bulcão precisa buscar recursos para a construção da obra, investimento estimado em aproximadamente R$ 4 milhões. A futura sede será um novo espaço cultural de Brasília, que se desdobrará, igualmente, em um centro de promoção das linguagens artísticas com galerias para exposições de artes, salas para oficinas, auditório, jardins e café. Trata-se de um espaço para dinamizar a vida cultural da cidade, atrair turistas e, principalmente, dar ao acervo artístico de Athos um local à altura de sua obra.
Segundo Valéria Cabral, a previsão para o início da construção é “quando chegar o primeiro milhão”, dinheiro que será empregado para fazer fundações e estruturas. Ao mesmo tempo, a instituição vai pleitear recursos na Lei Rouanet. O dinheiro será empregado, também, na edificação de um museu permanente.
“Athos legou-nos enorme acervo. Há um pouco de todos os segmentos pelos quais ele transitou com suas obras de arte. Desde telas, pranchas, plantas das obras que fez e desenhos originais, além de fotomontagens e serigrafias”, lista a diretora.
Os primeiros anos da capital
Detalhe Painel Azulejos Ministério Relações Exteriores Palácio Itamaraty (Oscar Niemeyer, 1968)
Na década de 1960, vivendo a plenitude da sua produção artística, Bulcão foi convidado pelo antropólogo Darcy Ribeiro, então reitor da UnB (Universidade de Brasília), para lecionar no Instituto Central de Artes. “Foram tempos complicados”, relembra Maciej Babinski, pintor polonês naturalizado brasileiro, que na época ocupava o cargo de professor-assistente de Bulcão. A atmosfera era de repressão, inclusive na área cultural. Em 1965, ambos acompanharam, a contragosto, a demissão coletiva de mais de duzentos colegas, consequência do golpe militar.
“Athos era um professor importante. Tinha experiência, inclusive, para nos ensinar a como ser professor”, recorda o artista. Babinski, que está com 79 anos de idade, lembra que, em 1965, ambos saiam muito juntos para jantar, ir a festinhas, se divertir: “Não tinha ônibus em Brasília na época e ninguém tinha carro, os professores andavam de lambreta. Nós andávamos a pé ou, então, dormíamos na festa mesmo".
A cidade, segundo o polonês, era mais rude. "Só existia o traçado da W3, o resto em volta era cerrado". Na opinião de Babinski, Brasília cresceu, continua linda, ainda que com seus prédios gradeados e pichados. “Houve uma decadência, sim. Mas é meio século de vida! No futuro, Brasília vai ser um grande centro cultural, como sonhou Athos”, o amigo aposta.
Biografia
Nascido no Catete, Rio de Janeiro, em 2 de julho de 1918, Athos passou sua infância em uma casa ampla em Teresópolis. Perdeu a mãe, Maria Antonieta da Fonseca Bulcão, de enfisema pulmonar antes dos cinco anos e foi criado com seu pai, Fortunato Bulcão, entusiasta da siderurgia, amigo e sócio de Monteiro Lobato.
Desistiu do curso de medicina em 1939 para se dedicar às artes visuais. Sua primeira exposição individual veio em 1944, na inauguração da sede do Instituto dos Arquitetos do Brasil em sua cidade natal. Em 1945 trabalhou como assistente de Cândido Portinari no painel de São Francisco de Assis da Igreja da Pampulha, em Belo Horizonte. Em seguida, mudou-se para Paris, onde viveu até 1949.
Na função de escultor e mosaísta, passou a colaborar com Oscar Niemeyer em 1955, integrando o esforço de construção de Brasília a partir de 1957. Em 1958, mudou-se definitivamente para a capital brasileira. Expôs sua obra nos mais importantes espaços culturais do país. Viajou pelo mundo afora e deixou sua marca. Seus painéis podem ser vistos em países como França, Itália, Argélia, Argentina, Cabo Verde.
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