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Intuição é uma forma de perceber o mundo e deve ser ouvida

A intuição é não um enigma sobrenatural; ela surge de várias informações captadas pelos sentidos e por nossa ligação intensa com o mundo, objetos, lugares e pessoas - Getty Images
A intuição é não um enigma sobrenatural; ela surge de várias informações captadas pelos sentidos e por nossa ligação intensa com o mundo, objetos, lugares e pessoas Imagem: Getty Images

DAIANA DALFITO <BR>Colaboração para o UOL

27/07/2010 00h05

Há seis anos, em um supermercado de produtos naturais, o rapaz vê pela primeira vez a moça que, hoje, é sua esposa. Para ele, naquele instante, algo disparou como um aviso: “Esta é a mulher da minha vida”. Mas como se explicam experiências como essa vivida pelo fisioterapeuta Jefferson Ferreira? “É sexto sentido”, diriam alguns. “Foi uma intuição”, arriscariam outros. “Amor à primeira vista”, afirmariam, talvez.

A intuição - que tanto intriga e a tantos ajuda - não é um enigma sobrenatural. Não vem “sei lá de onde” ou acontece como um fenômeno isolado. A parapsicologia, por exemplo, crê na intuição como parte de nosso inconsciente e, por não se saber ao certo como ela se dá, alerta que muitas pessoas a atribuem erradamente às forças sobrenaturais.

Essas mensagens que nos dizem “siga em frente e tente esse emprego” ou, mesmo que o tempo não pareça lá muito chuvoso, fazem a gente pegar um guarda-chuva são, como explica o padre Oscar González Quevedo, filósofo e teólogo, impressões motivadas por aspectos sensoriais e classificadas como extranormais. “As pessoas têm uma grande hiperestesia (sensibilidade exacerbada a qualquer estímulo recebido), corpo e alma estão alinhados, funcionando como um conjunto forte”, diz.

Dessa forma, intuições seriam mensagens que reúnem várias informações captadas pelos sentidos e por nossa ligação intensa com o mundo, seus objetos, lugares e pessoas. Em filosofia, a teoria de Henri Bergson, filósofo e prêmio Nobel de literatura em 1927, talvez se aproxime dessa ideia da intuição como uma ligação íntima entre cada um de nós e o mundo que nos cerca.

O professor de filosofia da Universidade de São Paulo (USP), Franklin Leopoldo e Silva, lembra que Bergson acreditava na intuição como uma espécie de coincidência com a totalidade das coisas, sem a separação entre o que se entende e o que se sente por meio do tato, olfato, paladar, audição e visão. Para Bergson, explica o professor, tudo estaria em contato com tudo e a intuição seria a consciência de tal ligação se manifestando através dessas mensagens do inconsciente.

Pense: você consegue expressar exatamente o que suas intuições lhe dizem? É difícil, não é? Bergson também acreditava nessa dificuldade e entendeu que a intuição não pode, em si e a princípio, ser completamente expressada. “É uma experiência e não pode ser plenamente disciplinada por uma lógica”, esclarece o professor Franklin. Talvez por isso justificar uma decisão “por pura intuição” dificilmente convença o amigo ou o chefe.

É preciso distinguir a percepção intuitiva de sentimentos como o medo, a simpatia ou o entusiasmo

Marion Rauscher Gallbach, psicóloga e professora da PUC

Teorias à parte, o fato é que que pessoas como o fisioterapeuta Jefferson Ferreira, 38 anos, que contou a história no início da matéria, ouvem e acreditam que essa percepção que o inconsciente nos entrega “prontinha” pode, muitas vezes, auxiliar suas decisões. “Desde que aprendi o valor de se estar atento à intuição, ela tem me ajudado. De coisas simples, como achar objetos perdidos ou tomar um caminho no trânsito, até escolhas sérias, como um novo trabalho ou mesmo um amor”, conta.

Para a psicologia analítica de Carl Gustav Jung, a intuição que tanto ajuda Jefferson em seu dia a dia é compreendida como uma das quatro funções da consciência que agem ligadas à personalidade introvertida ou extrovertida de cada um. Duas delas, o pensamento e o sentimento, avaliam por meio do raciocínio lógico ou emocional, respectivamente. Por sua vez, a intuição é perceptiva, bem como a sensação. Assim, os intuitivos perceberiam o todo e não as sensações mais concretas, isoladas e captadas pelos cinco sentidos.

“A sensação diz que algo existe. O pensamento define. O sentimento vai dar o valor e a intuição vai dizer para que serve, de onde vem e para onde se encaminha. Para a intuição há a questão do tempo, pois ela é uma percepção globalizada, pronta e sensível às potencialidades de uma questão”, esclarece Marion Rauscher Gallbach, psicóloga e professora do Núcleo de Estudos Junguianos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Como essas quatro funções, para Jung, agem em pares polarizados, no caso da intuição ser a função mais “afinada”, o indivíduo tende a ser mais criativo, visionário das possibilidades, mas seu senso de realidade e praticidade pode não estar muito aguçado, pois é regido pela sensação. O ideal, como em outros aspectos da vida, é conseguir que as coisas se equilibrem. Ter intuições, mas conseguir pensar sobre elas ou ser lógico.

Ouvir a intuição e pensar sobre ela

É preciso saber ouvir e medir essa tal intuição. “O canal para a intuição precisa ser depurado, como em uma meditação. Muitas vezes, as pessoas subavaliam e subvalorizam suas intuições o que pode levar à perda de oportunidades. Por outro lado, é preciso distinguir a percepção intuitiva de sentimentos como o medo, a simpatia ou o entusiasmo”, orienta a psicóloga Marion Gallbach.

Ou seja, se não faz bem ignorá-la, também não é bom se fiar só pela intuição. Concordando com essa ideia, o padre Quevedo diz que, em um estado de equilíbrio pleno, não manifestamos fenômenos parapsicológicos ou intuições em demasia. Em transe, sofrendo de alguma variação física ou em momentos de grande emoção, sim.

Imagine que um ente querido esteja muito doente. E sua ligação afetiva com essa pessoa, como um avô, é muito forte. Ele está em um hospital e você sente ou sonha antes que a notícia chegue verbalmente que ele se foi. Como tal situação se explica?

Em casos de grande apelo emocional, como o descrito, em que a ligação entre pessoas é muito forte, o que chamamos intuição é entendido pela parapsicologia como sugestões telepáticas ou pré-cognições (se acontecem antes do fato), por exemplo. Ambas são formas de comunicação extrasensorial motivadas por fortes vínculos e que, segundo o padre Quevedo, não devem ser estimuladas.

Para a psicologia analítica, tal fenômeno, onde fatos psíquicos e materiais acontecem em simultaneidade e, possivelmente, motivados por ligações afetivas, é chamado coincidência significativa e tangencia o que chamamos intuição.

Mulheres, gênios e a intuição

Mulheres têm fama de “intuitivas” e essa afirmação pode ser considerada verdadeira, segundo a psicóloga Marion Gallbach, por uma facilidade que as elas possuem de entrar em contato com o íntimo e se envolver mais intensamente com pessoas e situações.

“As mulheres, talvez pela forma da sociedade, são mais ligadas ao inconsciente e aos seus corpos. Quando as mulheres tornam-se mães, por exemplo, muito funciona na base da intuição”, diz a psicóloga.

"Muitas vezes, o desenvolvimento formal de alguma coisa, até de uma teoria física, como no caso do Einstein, provém de uma intuição que, em princípio, é inexplicável

Franklin Leopoldo e Silva, professor de filosofia da USP

Os homens, e sua fama de “racionais”, têm – ou tinham – uma postura mais distante e distinta entre sujeito e objeto. Porém, com as mudanças sociais, eles têm se afastado dessa face puramente racional e podem, assim, se ligar as suas intuições e ouvi-las, por exemplo, quando tomam decisões na vida profissional.

Independentemente da época, alguns homens souberam dar valor às mensagens do inconsciente. Albert Einstein, o físico alemão que desenvolveu a Teoria da Relatividade, foi considerado intuitivo. O professor Franklin Leopoldo e Silva aponta que filosoficamente, muitas vezes, o desenvolvimento formal de alguma coisa, até de uma teoria física, como no caso do Einstein, provém de uma intuição que, em princípio, é inexplicável.

“É como ser tomado por algo que você mais sente do que conhece e, a partir disso, vem o esforço para a formalização dessa intuição em uma equação ou uma expressão matemática, como no caso do Einstein”, explica o professor. Para o padre Quevedo, esse “talento do inconsciente” é real e manifesto a partir da somas de perguntas, influências e experiências, e não um evento isolado.