Quando um dependente químico deve ser internado
De belo, saudável, esportista e com um futuro promissor, a transtornado, sujo, decadente e viciado. Danilo (Cauã Reymond), da novela global “Passione”, ilustra muito bem o estrago que a droga é capaz de fazer na vida de um jovem. Internado à força em uma clínica, ele foge e vai parar nas ruas, onde sofre com as crises de abstinência. Um triste enredo, e uma história cada vez mais comum nas casas brasileiras. Engana-se, porém, quem pensa que o problema da dependência é fruto de uma família desajustada (no caso de Danilo, os pais viviam um casamento de aparência).
Segundo a psicóloga Dorit Wallach Vera, da Clínica Prisma de Psiquiatria e Psicologia, em São Paulo, não existe um padrão específico de família, assim como não existe um único culpado. “Algumas características familiares são observadas com frequência, inclusive características que existiam anteriores ao uso de drogas, como familiares dependentes ou compulsivos, pai ausente, constantes mensagens duplas e limites e regras pouco claros e sem consequências”, conta Dorit, que é especialista em dependência química e em psicologia psicossomática.
A família também adoece
Com o desenvolvimento da dependência, os membros da família também adoecem e a família fica desestruturada e disfuncional. Tratar o dependente não se resume à busca pela abstinência. É também a construção de um novo estilo de vida, para o dependente e para a família. Para Dorit, em um primeiro momento é recomendável um tratamento intensivo, mas não necessariamente a internação. “A droga faz parte da sociedade e o dependente químico deve aprender a lidar com essa realidade. Não é produtiva a exclusão social como forma de lidar com o problema”, opina.
Ela indica o conceito de hospital-dia como uma boa solução. Nesse local, o primeiro passo é inserir o paciente em grupos de psicoterapia e terapia ocupacional. Em seguida é pensado, junto com o paciente e seus familiares, um projeto clínico que define os horários e os grupos que irá participar. Ou seja, a internação é tida como última alternativa.
Cada caso
Para a psiquiatra Ana Cecília Petta Roselli Marques, pesquisadora do Instituto Nacional de Tecnologia e Ciência para Políticas sobre Álcool e Drogas, responsável pela área de Tabaco (INPAD/CNPQ), cada caso deve ser analisado minuciosamente. “Quando o paciente está colocando a sua vida em risco ou a de outros, a internação é a opção - até involuntariamente”, acredita ela, que ainda ocupa o cargo de coordenadora do Departamento de Dependência da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
Ana Cecília avisa que a internação se faz necessária também quando o paciente não tem familiares que possam acompanhá-lo no tratamento médico. Essas condições valem para maiores de idade internados contra a vontade – é necessário, porém, avisar o Ministério Público sobre o risco que o paciente está submetido.
Viver o drama
A cabeleireira carioca S.M.D., de 35 anos, vivenciou esse drama ao internar o irmão de 19 anos à revelia. “Meus pais e eu tivemos de tomar essa atitude drástica porque a situação se tornou insustentável. Ele já tinha chegado ao ponto de roubar nossas coisas e vendê-las para sustentar o vício. Não demoraria muito para começar a nos agredir”, lamenta. “Ele está em uma clínica há cinco meses e hoje é grato pelo que fizemos, pois acredita que poderia ter morrido se vivesse mais alguns meses daquela forma”, conta.
Como selecionar a clínica
A escolha de uma boa clínica é fundamental. Dorit Wallach Vera pondera que a dependência química é uma doença multifatorial que deve ser tratada por uma equipe interdisciplinar, composta por psiquiatras e psicólogos especializados no assunto. “Além da pesquisa na internet, recomendo também uma visita ao local antes de a família tomar uma decisão”, afirma.
O tratamento em clínica varia conforme as necessidades e o perfil do paciente. “Cada clínica tem suas peculiaridades, porém, o básico é o acompanhamento psiquiátrico para fornecimento da medicação necessária para síndrome de abstinência no processo de desintoxicação e a psicoterapia”, conta Dorit. A fase 1, de desintoxicação, é de 30 dias. Se for preciso tratar outra complicação, a pessoa fica internada por mais um mês. Há casos, porém, em que o tratamento dura um ano. Após a alta, é fundamental que se evite pessoas, situações, lugares e emoções de risco. No tratamento intensivo do hospital-dia da Clínica Prisma, são trabalhadas estas questões e estratégias para lidar com elas.
Vale lembrar que, até o momento, a ciência não encontrou um tratamento definitivo para a dependência química. Segundo a psiquiatra Ana Cecilia Petta Roselli Marques, 50% dos pacientes conseguem bons resultados, com remissão do quadro, ou seja, estabilização. “Trata-se de uma doença crônica, como diabetes e hipertensão arterial”, afirma. Assim como uma pessoa que foi obesa ou que teve úlcera tem seus pontos fracos, o dependente químico tem o seu e deve estar atento. Os transtornos desse tipo caracterizam-se por altas taxas de recaídas após o sucesso inicial do tratamento. “Isso não quer dizer fracasso, mas demonstra a importância de um cuidado contínuo”, alerta Dorit.
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